A Ucrânia é há um mês e meio território invadido pelo exército russo, mas no que à radiodifusão diz respeito tem conseguido infiltrar-se nas ondas eletromagnéticas do inimigo e superar os objetivos. A rede de comunicações dos soldados russos tem sido um fiasco ao longo dos 40 dias de ofensiva militar. A guerra também se tem disputado nas comunicações de rádio e o contingente ucraniano está a vencer.
Há relatos de tropas que precisam recorrer a walkie-talkies comerciais e os combatentes ucranianos conseguem intercetar essas frequências. Situações que fragilizam muito menos o invasor do que a falta de tanques ou de mísseis modernos, mas ajuda a explicar porque é que as forças russas parecem mal coordenadas e são vítimas de emboscadas e já perderam tantas tropas, incluindo sete generais. Algo de errado está a passar-se com os rádios russos.
Os transístores modernos de nível militar codificam os sinais e alteram a frequência em que operam diversas vezes por segundo, impossibilitando a interceção das suas transmissões. O que está a acontecer na Ucrânia é que muitas das forças de guerra russas comunicam entre si usando canais não encriptados de alta frequência, o que permite a qualquer pessoa com um rádio amador fazer espionagem.
O exército russo tem alguma tecnologia moderna, mas parece não ser suficiente para a organização do combate. Há uma década, começou por receber rádios com sistema Azart, um sistema de comunicações unificado com nível de controlo tático, que usam códigos introduzidos e podem operar em frequências muito mais altas. Thomas Withington, analista militar especializado em guerra eletrónica, explica à publicação inglesa The Economist que o sistema Azart parece adequado, embora inferior ao equipamento usado pelas forças da Nato. O problema é que não há aparelhos suficientes para todos. Os noticiários russos falaram com entusiasmo sobre a entrega de algumas centenas de rádios enviados para grupos inteiros do exército, incluindo vários milhares de soldados. Pelas estimativas mais otimistas, apenas uma fração da força de invasão poderia ter rádios Azart.

Também não é claro se o sistema Azart tem funcionado como pretendem e desenvolver um novo sistema fiável e seguro é complicado. As forças armadas britânicas tiveram de lidar com problemas de compatibilidade e atrasos nos seus novos rádios Bowman, nos anos 2000, e os Estados Unidos da América desperdiçaram milhões de dólares no Joint Tactical Radio System, sistema projetado para substituir uma manta de retalhos de diferentes sistemas por um único.
Thomas Withington tem dúvidas se o sistema de compras russo é tão eficiente quanto os seus homólogos ocidentais, e a corrupção é endémica. O projeto Azart esteve envolvido num escândalo quando foi descoberto que os componentes supostamente fabricados na Rússia foram afinal importados da China. Cerca de um terço do orçamento total de compras de 18,5 mil milhões de rublos (cerca de 240 milhões de dólares na época) foi supostamente desviado.
A Rússia tem outros rádios, mas o Azart pode não ser compatível. Se uma unidade aerotransportada de elite tiver rádios Azart modernos, mas a artilharia que a apoia estiver a usar conjuntos comerciais, os dois acabarão por comunicar através de uma alta frequência insegura. Fotografias de equipamentos militares capturados e interceções verificadas indicam que os soldados russos estão a comunicar com walkie-talkies Motorola, Kenwood e Baofeng. Um sistema integrado oferece ao comandante comunicação de voz instantânea, detalhes de localização e troca de dados com unidades vizinhas, artilharia, apoio aéreo e drones de reconhecimento. Os walkie-talkies são demasiado básicos para suportarem tais operações coordenadas.
Defensores ucranianos têm partilhado frequências militares conhecidas, gravando comunicações russas e enviando para eles para voluntários transcreverem e analisarem para obter informações. Algumas dessas supostas interceções de rádio soam como propaganda ucraniana. Isso inclui conversas em que comandantes russos relatam que metade das suas tropas está a sofrer de hipotermia, que não têm transporte suficiente para todos os seus mortos ou que estão sendo atingidos por fogo amigo. Mas muitos parecem genuínos. Thomas Withington diz que algumas mensagens foram combinadas com ações no terreno, o que lhes conferem credibilidade. Numa gravação, podem ouvir-se tropas de uma coluna blindada a dizer que foram “emboscadas” quando os seus veículos foram atacados.
Não é apenas o que os soldados russos estão a dizer que pode comprometê-los. Os rádios mais antigos podem ser rastreados usando a localização de direção de rádio – como triangular a fonte de uma transmissão de dois recetores – e o rádio inseguro pode ser bloqueado. Há relatos de frequências usadas pelas forças russas que estão a ser invadidas com música heavy metal ou outras transmissões de operadores ucranianos, às vezes durante o combate. Enquanto isso, aviões da Nato voam perto das fronteiras ocidentais da Ucrânia captando sinais de rádio das forças russas. E o Ocidente fornecerá à Ucrânia mais equipamentos para localizar, intercetar e bloquear as comunicações russas.
Problemas de rádio também podem estar a matar, indiretamente, generais russos e outros comandantes. A frustrante falta de comunicação das unidades na linha da frente do combate, obriga os oficiais superiores a avançarem, tornando-se um alvo. Os rádios podem ser menos letais do que as armas de fogo, mas a Rússia ao não investir em bons sistemas de comunicação, deixou uma brecha para a Ucrânia se defender.