Ihor tem dois MacBook. Um deles usa para trabalhar, o outro para atacar sites russos. Ao The Economist, o homem de 30 anos mostrou o rosto, no entanto, não revelou o seu apelido. Mora em Lviv, no oeste da Ucrânia, onde trabalha como gerente de produto do Jooble, um site ucraniano que ajuda pessoas de todo o mundo a “encontrar o emprego dos seus sonhos”.
É num discurso rápido que Ihor explicou o tipo de hacking que faz: ataques de negação de serviço distribuído (DdoS, distributed denial of service, em inglês). O objetivo é fazer com que o maior número possível de máquinas aceda a um único site russo ou bielorrusso ao mesmo tempo, fazendo com que falhe.
A lista de alvos inclui de tudo, desde o Banco Central da Rússia e o Banco Nacional da Bielorrússia, até a Interfax, a agência de notícias estatal russa e o Kremlin. Outros dos alvos são os media apoiados pela Rússia em Donetsk e Lugansk, as auto-proclamadas repúblicas no leste da Ucrânia. Ihor e outros colegas hackers, que trabalham juntos através do Telegram, um serviço de mensagens encriptadas, instalaram software nos seus computadores que enviam várias solicitações para o site em questão.
A maioria dos sites russos bloqueou os utilizadores ucranianos para evitar esse tipo de ataques, por isso é preciso dissimular a sua localização usando uma VPN (rede privada virtual).
No computador de Ihor, o código branco que contém os endereços IP dos sites invadidos apareceu no ecrã preto. Quando os hackers conseguem fazer “crashar” um site, a linha de código é substituída por uma mensagem de vitória: “Navio de guerra russo, vai-te f****!” A frase, pronunciada pelos defensores ucranianos da Ilha da Serpente no Mar Negro quando os russos ordenaram que se rendessem, tornou-se o grito de guerra do país.
Por toda a Ucrânia cresce o número de hackers em atividade. Existem mais de 300 mil membros do “Exército de Tecnologia de Informação” (IT Army) oficial da Ucrânia, um grupo do Telegram de ciberguerreiros voluntários criado pelo governo e um número crescente de grupos não oficiais. Alguns hackers estão inclusivamente a desenvolver software mais simples para que pessoas com menos conhecimentos tecnológicos, as mais info-excluídas, também possam usar.
Ihor usa um programa chamado Amphetamine que mantém o seu MacBook ligado durante toda a noite. De dia, os hackers também atacam centenas de sites, alguns caem em poucos segundos, outros demoram várias horas. Os sites russos costumam alterar os seus endereços IP para tentar evitar ser um alvo, mas os grupos do Telegram rapidamente descobrem os novos.
A ideia de Ihor não era destruir todo o sistema bancário russo ou suspender todos os serviços do governo, mas perturbar tanto o quotidiano na Rússia que faça parecer que nada está a funcionar, gerando assim uma onda de pânico no país.
Jooble, o site de recrutamento onde Ihor trabalha, foi fundado na Ucrânia há 15 anos e agora tem 90 milhões de utilizadores mensais no mundo inteiro. Roman Prokofiev, 36 anos, um dos seus cofundadores revelou ao The Economist que quatro horas após a invasão da Rússia, a empresa desativou os seus sites na Bielorrússia e na Rússia e postou notícias sobre a guerra nas suas páginas principais. Desde a invasão, mais de 1,5 milhões de pessoas entraram nessas páginas.
Os mercados russo e bielorrusso eram importantes para o Jooble, mas o dinheiro deixou de ser o principal objetivo do negócio. Por enquanto, a receita dos seus sites na América do Norte e na Europa mantêm o Jooble estável, apesar de muitos dos seus funcionários estarem desmoralizados e exaustos. Está em curso uma operação para criar um escritório na Polónia, para onde 26 das suas trabalhadoras conseguiram ir, após fugirem da Ucrânia.
Roman Prokofiev tem passado os últimos 27 dias, desde que a guerra teve início, a tentar ajudar os 500 funcionários do Jooble na Ucrânia, para ficarem em segurança. A maioria, 95% estão bem, embora muitos ainda estivessem em Kiev e com dificuldades para trabalhar, uma vez que têm de correr para os abrigos durante os bombardeamentos. Outros fugiram para aldeias onde não tinham forma de se ligar à Internet e há também quem esteja preso em cidades sem eletricidade. Por agora, Roman Prokofiev ainda não conseguiu encontrar 17 dos seus trabalhadores, mas tem esperança que seja apenas uma falha nas comunicações.
Em todos os sites do Jooble, um banner pede aos utilizadores que doem dinheiro para o exército ucraniano – a própria empresa já doou 200 mil dólares. Os criadores do site desenvolveram dois sites: um que tem mais informações sobre como os utilizadores internacionais podem ajudar a Ucrânia; outro a encorajar os ucranianos a escreverem para amigos e parentes de soldados russos e tentar convencê-los da loucura da invasão de Putin.
Os colegas de Roman Prokofiev estão a enviar spam para endereços de e-mail russos e bielorrussos com informações sobre a guerra. “Inscrevi-me na lista de e-mails do Jooble e todos os dias as vagas de emprego chegavam ao meu e-mail, mas agora, quando abro vejo mensagens anti-guerra com convocações para comícios. Quando clico em ‘cancelar inscrição’, recebo as mesmas mensagens novamente”, escreveu-lhes um russo, em resposta às mensagens recebidas.
Roman Prokofiev não tem dúvidas de que “esta guerra é uma consequência da guerra da informação”, numa clara referência à propaganda russa que enquadra a invasão à Ucrânia como uma “operação militar especial” de manutenção da paz para resgatar os russófonos de um regime supostamente nazi ucraniano.
Os ucranianos continuam a fazer o que podem. Todo o país está mobilizado no esforço conjunto de acabar com a guerra. Em muitos casos, já não há muita distinção entre os objetivos dos civis, das empresas privadas e do Estado. Para Ihor, bloquear sites russos é apenas uma das muitas frentes de combate.
À namorada deu a sua carteira de criptomoedas e os acessos às suas contas bancárias, para ela e a filha irem para a Hungria. O resto da sua família, pais, irmã e irmão mais novos, estão em Kherson, no sul do país, uma cidade já ocupada pelos russos. Ainda têm eletricidade, mas as redes telefónicas estão inoperacionais. Os mercados locais estão apenas a aceitar pagamentos com dinheiro e o pai de Ihor, dono de uma gráfica, tem apenas 500 hryvnias (15 euros) no bolso.