“A primeira vez foi em 2020, antes da pandemia (…) vim eu e a minha irmã”, contou à Lusa Rosalina Rosa, 56 anos, que pela segunda vez na vida, com um interregno de dois anos devido à pandemia de covid-19, voltou a desfilar na avenida Cidade de Lisboa, centro da capital cabo-verdiana, perante milhares de pessoas entusiasmadas nas bancadas do ‘sambódromo’ ali improvisado.
“Gosto muito de ver o desfile, é uma coisa bonita, fico muito orgulhosa. Escolhi a ala das mais velhas e então participei no primeiro ano”, recordou, sobre o desfile que aconteceu poucos dias antes de a pandemia de covid-19 também chegar a Cabo Verde e deixar, em 2021 e 2022, em suspenso a maior festa popular do arquipélago.
“Tinha muitas [saudades]. Fiquei a dançar em casa, só saudades”, desabafou ainda, enquanto ultimava o aquecimento final, entre o balançar do corpo, ou não fosse o seu papel o de bailarina baiana, ao lado dos mais de 350 companheiros do grupo “Vindos do Mar”, um dos quatro que integra a competição oficial no Carnaval da Praia.
Como é habitual, o mar é o tema principal na música e na alegoria do grupo da Achada Grande Frente, que reúne foliões de outros bairros vizinhos, o que não deixa dúvidas a Rosalina, dona de uma marisqueira junto ao cais da Praia: “É por isso que gosto de participar no grupo”.
Enquanto Rosalina preparava o vestido, Sidney da Rosa, o diretor-executivo do grupo, não tinha mãos a medir com os últimos pormenores para a saída do grupo, depois das 18:00 locais (19:00 em Lisboa), como de resto também já é habitual no Carnaval da Praia, já com mais de uma hora de atraso.
“O nosso enredo é uma homenagem ao mar”, contou, garantindo que após a ausência provocada pela pandemia todos estavam ansiosos pelo regresso ao desfile, que o grupo faz desde 2007.
“Todo o nosso bairro estava com muita falta, três anos sem Carnaval, ficaram todos motivados”, garantiu, contabilizando entre 350 a 400 o número total de figurantes do grupo a desfilar hoje. Sidney coordena também uma equipa de sete pessoas responsável pelo andor ou carro alegórico do grupo, também dedicado ao tema do mar, preparado desde o final de janeiro.
“Já tinha saudades dos meus andores”, atirou.
Antes da competição oficial, que envolve ainda os grupos “Sambajo”, “Bloco Afro Abel Djassi” e “Vindos d’Africa”, prolongando o desfile noite dentro, a festa abriu com os tradicionais ‘mandingas’ a percorreram a avenida ao som dos tambores. Totalmente pintados de preto, tradição chegada presumivelmente da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe, são agora figuras obrigatórias no Carnaval de Cabo Verde e por tradição anunciam a festa desde as semanas anteriores até ao seu “enterro”.
Quase na frente do grupo “Mandingas do Norte”, da Praia, seguia Carlos Gomes, 43 anos e há nove a impor respeito nesta coreografia tipicamente africana do Carnaval: “Já estamos há um mês a sair, todos os domingos, a anunciar o Carnaval. Mas hoje é o dia principal”.
Nos últimos dois anos as saídas dos ‘mandingas’ foram feitas quase individualmente e só agora a pandemia permitiu retomar a normalidade do passado e uma tradição que na Praia ainda é essencialmente alimentada pelos naturais de ilhas a norte, como São Vicente, terra de Carlos.
“Queremos trazer para a Praia os ‘mandingas’. ‘Mandinga’ é cabo-verdiano”, garantiu, enquanto se multiplicava entre a atenção à dança, à música e aos tambores, e às fotos pedidas pelos turistas.
“Estou gripado, mas estou aqui”, atirou, entre sorrisos disfarçados pela pose séria da ‘função’.
Tradições africanas misturadas com o som do samba levadas ao desfile da capital cabo-verdiana também pelos imigrantes da Guiné-Bissau em Cabo Verde, a maior comunidade estrangeira e há muito enraizada localmente, como explicou à Lusa Osório Mango.
“Estamos cá justamente para reviver o que é a nossa tradição lá em Bissau”, explicou, durante o desfile de hoje, o presidente da Associação dos Guineenses residentes em Cabo Verde.
Com dezenas de jovens guineenses a desfilar, a coreografia deste grupo centrou-se na música e dança da etnia ‘papel’, tal como já faziam antes da pandemia de covid-19.
“No fundo estamos a fazer uma demonstração da cultura guineense a partir de Cabo Verde”, contou ainda Osório Mango, de 40 anos e natural de Bissau, há 17 a viver na Praia.
O desfile de Carnaval na avenida principal da capital cabo-verdiana prolonga-se ainda durante toda a noite de hoje, com grupos organizados e foliões que se juntam à festa nas imediações.
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