Foi a primeira mulher chanceler alemã, a primeira vinda da antiga Alemanha de Leste, a mais nova de sempre a ocupar o cargo e por pouco não irá bater os 16 anos de longevidade de Helmut Kohl na chefia do governo federal. Angela Merkel venceu quatro legislativas, governou sempre em coligação, e será também a primeira chanceler a sair de cena pelo seu pé. Não tem Twitter, gere prolongados silêncios, usa a palavra com parcimónia e tem um estilo de vida frugal que a generalidade dos alemães aprecia e em que se revê. É popularmente conhecida por Mutti (mãe) e o incómodo com o mediatismo, o anti-histrionismo discursivo, a permanente intermediação política e o estilo sóbrio são marcas que destoam do ar destes tempos tribalizados e a prova de que é possível ter sucesso sem recorrer à banalidade contemporânea das técnicas popularuchas de afirmação política. Merkel é, provavelmente, a única política mundial com direito a um verbo (merkeln), cunhado há uns anos para definir alguém que evita tomar grandes decisões ou dar opiniões assertivas publicamente, preferindo deixar correr os acontecimentos. A gestão de crises permanentes que marcou os seus mandatos contraria essa definição, embora seja justo dizer que Merkel nunca foi uma grande estratega nem uma promotora de uma visão de longo prazo para a Alemanha ou para a União Europeia.

Contudo, há dez anos consecutivos que a revista Forbes a elege como a mulher mais poderosa do mundo, e sucessivas sondagens confirmam ser a mais confiável entre os principais líderes globais. Ao longo destes quase 16 anos, conheceu nove primeiros-ministros italianos e outros tantos japoneses, cinco britânicos, quatro sul-coreanos, quatro Presidentes norte-americanos e franceses. Só Putin está há mais tempo no poder, pese embora a injustiça da comparação. O que explica, então, a longevidade de Angela Merkel? Que marcas políticas deixa na Alemanha e na Europa? Que desafios podem surgir com a sua saída, num pano de fundo marcado pela pandemia, o caos no Afeganistão e a competição estratégica sino-americana? A poucos dias das mais imprevisíveis eleições alemãs de que há memória, vale a pena olharmos com atenção para essas questões.