Há pouco mais de dois meses, anunciava-se o momento de começar a desconfinar, esse verbo que acaba de entrar no nosso léxico diário. Mas o aumento dramático de novas infeções obrigou as autoridades a imporem uma série de restrições extra – e muito rigorosas. Agora, o território autónomo do sudeste da China anuncia que não tem nenhum caso de transmissão local há mais de duas semanas. E que está, cautelosamente, a retomar novamente alguma normalidade. Um sucesso que contém em si uma série de lições que podem ser de grande utilidade aos outros locais do mundo que começam agora a aliviar as restrições.
Contas feitas, Hong Kong registou apenas 15 novos casos desde 20 de abril, e todos com histórico recente de viagens. Ao todo, a cifra está nos 1 041 casos e apenas quatro mortes. Além disso, 900 doentes já recuperaram e receberam alta hospitalar. O que fizeram eles de diferente?
Revisão da matéria dada
Regressemos então ao início do ano. Uma semana depois de a região registar o primeiro caso, as fronteiras já estavam fechadas e impusera-se um distanciamento social generalizado. Um mês depois, no final de fevereiro, um breve aliviar de restrições permitiu o regresso dos estudantes. Mas isso também fez disparar o número de casos e a quarentena tornou-se absolutamente obrigatória.
Seguiram-se três meses de trabalho em casa, negócios fechados e a suspensão de uma série de serviços. Houve a tão falada corrida ao papel higiénico, mas também às máscaras e aos mantimentos. As imagens que corriam mundo mostravam corredores inteiros de supermercados completamente vazios, um pouco por toda a cidade.
Os não residentes já estavam impedidos de entrar livremente: quem chegava ao aeroporto estava proibido de circular sozinho e passou a ser conduzido a um centro de quarentena obrigatório. Uma experiência já relatada, aqui por uma produtora da CNN, como uma espécie de prisão autorizada com férias ao estilo tudo incluído. Já quem cumpria a quarentena em casa recebia umas pulseiras eletrónicas de forma a rastrear sempre a sua localização.
Rumo à contenção
Entretanto, era também proibida a venda de álcool em bares e encerrados todos os ginásios e instalações desportivas. Cafés e restaurante fecharam igualmente portas – nos escassos casos em que permaneceram abertos tiveram de reduzir a capacidade de assentos, de forma a aumentar a distância entre os clientes e colocaram ainda barreiras físicas entre as mesas.
Uma abordagem que contou em grande parte com a colaboração ordeira da população – e os novos casos diários foram caindo de forma regular. Agora, 19 de abril é o último dia em que uma transmissão local foi registada. E, com a segunda onda quase contida, muitos mostram-se ansiosos para voltar à vida como ela era antes da pandemia.
“O sentimento geral é que chegou a hora de relaxar e suspender as restrições que impusemos ao contato social”, assumiu também já publicamente Carrie Lam, autoridade máxima na cidade. Pouco depois, anunciava o alívio de algumas medidas. As novas diretrizes, que entrarão em vigor sexta-feira, vão permitir que mais pessoas se reúnam em público e que algumas empresas reabram.
E agora, Hong-Kong?
Mas tanto Lam como os outros especialistas de saúde atentos à região estão a alertar as pessoas para não baixarem a guarda de todo, como fizeram em fevereiro. É que, alegam, com o vírus ainda a causar estragos um pouco por todo o mundo, ainda é cedo, muito cedo, para comemorar. “Devo relembrar que esta epidemia pode voltar. Assim, devemos permanecer vigilantes”, sublinhou aquela dirigente.
Entretanto, é tempo de alguma retoma da vida e dos negócios na cidade. Uma outra prioridade, como notou, entretanto, Christopher Hui, secretário dos serviços financeiros e do tesouro. Espaços recreativos e desportivas começam a preparar-se para receber clientes e foram também já reabertos os serviços comunitários para populações vulneráveis, como deficientes e idosos. No final da semana, será a vez dos salões de beleza, massagens e bares. Mas todos com limites de clientes. Já as escolas só reabrirão, e gradualmente, a partir do fim do mês.
Daí que outra preocupação volte também a aparecer no horizonte – o regresso da agitação social. Pouco antes da pandemia, a cidade foi atingida por seis meses de protestos – contra o governo e pró-democracia – bastante violentos. Agora, à medida que o perigo do novo coronavírus parece menor, os manifestantes parecem estar também a preparar-se para voltar às ruas.
“Aguentamos a pandemia depois de um inverno rigoroso, mas receio que possa ser mais complicado tolerar o regresso da violência e da continua devastação causada por aquele tipo de combate político”. Um outro tipo desabafo de Lam, nas redes sociais, na semana passada.