As imagens de satélite divulgadas provocam efeitos que oscilam entre o fascínio e o horror. Há um vasto arco de fogo a envolver a terra, um cone de calor sobre todo aquele país do tamanho de um continente, e vê-se ainda um véu de fumaça a encobrir o mar – e que logo, logo, vai circular em torno do globo.
Os incêndios florestais são comuns na Austrália, mas os danos desta temporada tomaram proporções bem para lá do normal: arderam oito milhões de hectares – qualquer coisa como oito milhões de campos de futebol. Graças a um bom sistema de proteção civil, há a lamentar apenas 25 mortes. O pior, segundo algumas estimativas, foram os animais: mais de mil milhões que pereceram. Os vídeos de cangurus chamuscados, dos coalas a morrer à sede e, mais recentemente, dos camelos que, também em absoluto estado de desidratação, se tornaram agressivos, têm apelado ao mais duro dos corações – nem nada disto parece estar a demover Scott Morrison, agora no epicentro de uma tempestade política no país.

O conservador de 51 anos, que é primeiro-ministro da Austrália desde agosto de 2018, alinha com Trump e com Bolsonaro como negacionista da crise climática e arrisca agora ficar ele próprio debaixo de uma tempestade política.
Famoso por uma façanha de 2017 enquanto era ainda tesoureiro – apareceu no Parlamento a agitar um pedaço de carvão ao mesmo tempo que apelava aos colegas para não se assustarem com os combustíveis fósseis – Morrison chegou ao poder no ano seguinte depois de um golpe no seu partido, marcado pela destituição do também liberal Malcolm Turnbull, cuja renovação da malha energética nacional para algo mais amigo do ambiente acabou por lhe criar rivalidades internas.
Já debaixo do poder de Morrison, a inversão não demorou: sob a sua vigilância, a Austrália interrompeu os pagamentos ao Fundo Verde para o Clima, o mecanismo apoiado pela ONU que ajuda os países em desenvolvimento atingidos pelo desastre climático. Além disso, não compareceu à reunião da ONU em Nova Iorque, nem à grande conferência do clima do mês passado em Madrid. Basicamente, tem-se esforçado para frustrar todo e qualquer esforço para estabelecer limites nas emissões. E embora a Austrália produza pouco mais de 1% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, é o maior exportador mundial de carvão, cujo uso é um fator importante no aquecimento do planeta.
Além disso, no meio da crise, Morrison não se escusou a invocar a longa história de incêndios sazonais no país.
São desastres naturais. Causam esse tipo de confusão e afetam o nosso país há algum tempo
Scott Morrison, primeiro-ministro da Austrália, citado pelo The Independent
Temendo um crescendo das críticas internacionais, logo um dos seus ministros saiu em seu socorro: em declarações à Reuters, Angus Taylor, ministro de redução de emissões, rejeitou liminarmente qualquer crítica sobre políticas ambientais e sublinhou: “os incêndios florestais são uma época em que as comunidades devem unir-se e não o contrário”.
Claro que nada disto o livrará da crítica internacional, apesar de também não estar a conseguir que mude de ideias, como bem lembra Paul Krugman, esse mesmo, economista americano vencedor do Nobel em 2008, na sua conta de Twitter. Uma partilha que remete para o artigo de opinião que assina no New York Times com o título. “A Austrália a mostrar-nos o caminho para o Inferno.”