“No início ainda podemos dizer: É por Alá, eu faço isto por Alá, pelo meu Deus. Mas quando a tua filha está a chorar e a rebolar no chão [de fome] dizes para ti própria: Estás maluca? O que é que isto tem a ver com o Islão?”
As palavras são de Lenora Lemke, de 19 anos, uma das milhares de mulheres e homens que se juntaram aos terroristas do Daesh, na Síria.
Lenora fugiu de casa, na Alemanha, quando tinha 15 anos. Atrás de si levava, talvez, uma espécie de sonho de não se sabe bem o quê. Mal chegou à Síria casou com Martin Lemke, também alemão, e viveu com ele e com as outras mulheres dele no mesmo acampamento onde estavam outros estrangeiros combatentes pelo autoproclamado Estado Islâmico.
Lenora tem agora uma filha de 16 meses, Habiba, e outra recém-nascida, Maria. À CNN faz um esforço para se lembrar da última vez que tomou banho. Diz que há 20 dias, quando Maria nasceu, lavou-se “em baixo”. “Depois do nascimento, aqueci água e limpei aqui em baixo”, conta, envergonhada.
Ela, as filhas e o marido, estão sob custódia das Forças de Defesa Sírias (SDF, no seu acrónimo) apoiadas pelos EUA e num imbróglio jurídico que ainda não se sabe como vai acabar.
Os EUA já avisaram que vão retirar as suas tropas da Síria e não é possível prever se o SDF tem capacidade para manter milhares de prisioneiros ou terá de os libertar.
Apesar de um relatório do Pentágono dizer que os EUA estão a empenhar-se para que vários Estados aceleram o repatriamento de combatentes do Daesh para os seus países de origem e os acusem em tribunal, a verdade é que esses esforços têm valido de pouco. Não só por razões políticas, mas também porque é preciso reunir provas e sustentar uma acusação de terrorismo.
Só alguns países aceitaram receber de volta os que se aliaram ao Daesh, casos da Rússia, Indonésia, Líbano e Sudão. A Alemanha, como a maioria dos países Europeus, está relutante em fazê-lo. Recorde-se que, anteriormente, os membros do Desh capturados eram julgados segundo as leis do Iraque, mas a União Europeia não confia no sistema judicial sírio para fazer o mesmo.
O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão referiu à CNN que ainda é “virtualmente impossível poder ajudar através do consulado”. “Independentemente disso”, prossegue, “o Governo Federal está a estudar opções para permitir que os cidadãos alemães deixem a Síria, especialmente em casos humanitários”.
Lenora Lemke tem esperança de voltar para a Alemanha. Olha para o novo passaporte e reflete sobre o que passou às mãos do Daesh e no futuro das filhas.
“Quando, em dois dias, se come só um pão e a tua filha de um ano não consegue andar porque tem fome e não tem dentes porque não há vitaminas… nenhuma mãe pode aceitar isto”, nota.
Além disso, recorda, havia as guerras internas. As próprias fações do Daesh que se dividiam entre os combatentes estrangeiros e os que vinham da Síria e do Iraque. As famílias acabavam a mendigar água e comida.
Ela diz que o marido nunca foi combatente, mas sim operacional. “Eu não fiz nada e o meu marido não é um soldado [do Daesh]. É apenas um técnico que reparava computadores portáteis, não matou ninguém”, diz. “Mas nós fizemos parte daquilo. Demos-lhes apoio e vivemos com eles. Foi aí que percebi: Eu vivo aqui, mas isto não é bom. Tenho a minha vida, mas faço parte do terror que é matar pessoas”.
Lenora será acusada como menor, já que se aliou ao Daesh com 15 anos, mas para ser acusada – a pena por se juntar a uma organização terrorista vai dos seis meses aos 10 anos de prisão – tem de regressar à Alemanha. Oficialmente as autoridades não sabem onde ela está, nem se ou quando regressa e não há cooperação policial entre os dois países.