O Reino Unido não quer fazer parte do mercado interno, nem de uma união aduaneira, nem do Espaço Económico Europeu (EEE), nem fechar um acordo comercial semelhante ao que existe entre a União Europeia (UE) e a Noruega ou o Canadá. No discurso em Florença, cidade “onde o Renascimento começou”, Theresa May fez questão de lembrar que “o Reino Unido nunca se sentiu em casa dentro da UE”. Mas mais que dar coordenadas sobre a futura relação entre Londres e Bruxelas, a primeira-ministra britânica deixou muitas pistas sobre o que não quer.
May rejeita que o Tribunal Europeu de Justiça seja o árbitro nos conflitos bilaterais. “Mas estou confiante que iremos encontrar um mecanismo apropriado para resolver as disputas”, disse. Na frente económica, May recusa também uma “escolha absurda e sem imaginação” entre dois modelos: o EEE ou o tradicional acordo de livre comércio, como o negociado recentemente entre a UE e o Canadá. “Não acredito em nenhuma destas opções”, disse, justificando depois que o ponto de partida da relação entre os dois blocos é muito diferente.
É longa a lista de ‘sinais amarelos ou vermelhos’, enumerada por May, num discurso de onde saiu apenas uma proposta concreta: um período de transição de dois anos entre 29 de março de 2019, data oficial do Brexit, e 2021. Nesse espaço de tempo, Bruxelas e Londres devem negociar a futura parceria ainda dentro do quadro legal europeu. May abre assim a porta ao Reino Unido para beneficiar de uma extensão temporal de forma a continuar a participar no mercado interno e na cooperação ao nível de segurança.
A proposta da líder britânica representa uma cedência aos negociadores europeus, liderados por Michel Barnier. Inicialmente, de acordo com o discurso de Lancaster, o governo britânico preferia negociar o novo estatuto ao mesmo tempo que fechava a ‘separação de bens’ com a UE. A Comissão Europeia, segundo alguns media europeus, estima que só a factura do Brexit ronde os 60 mil milhões de euros. O período de transição terá, depois, um custo adicional.
Bruxelas e Londres tiveram já três rondas de negociação para o Brexit e na próxima segunda-feira, 15 de setembro, iniciam a quarta. Os progressos foram até agora escassos, mas May preferiu destacar os pontos positivos na questão da fronteira, “sem barreiras físicas”, na Irlanda do Norte e repetir garantias aos cidadãos da UE que vivem em terras britânicas. “Nós queremos que fiquem, nós valorizamo-vos e obrigada por contribuírem para a nossa vida nacional”, frisou.
O “espírito construtivo” de May foi elogiado por Barnier, num longo comunicado em reação ao discurso de Florença. Mas o francês acaba a pedir mais esclarecimentos aos negociadores britânicos não só em relação no dossier da Irlanda do Norte, como também ao prolongamento da participação britânica no mercado único. “Este novo pedido pode ser levado em conta pela UE e examinado no Conselho Europeu”, refere o chefe da equipa europeia para o Brexit.
As palavras de May também deixaram mais dúvidas que certezas na bancada conservadora do Parlamento Europeu. “Na substância, PM May não trouxe mais clareza às posições de Londres. Estou mais preocupado agora”, comentou Manfred Weber, presidente do PPE na Euro-Câmara, no Twitter.