A política não faz nada bem à saúde. E, cuidado, ser primeiro-ministro é algo que pode roubar dois anos de vida. Um alerta que o diário espanhol El Mundo colocou na sua primeira página de 15 de dezembro. Baseando-se num estudo do British Medical Journal, a prosa arranca com este sério aviso aos quatro homens que, em teoria, podem vir a liderar o próximo Governo de Espanha: Mariano Rajoy, Pedro Sánchez, Albert Rivera e Pablo Iglésias.
O problema é que o atual momento político do país já é impróprio para cardíacos, quaisquer que sejam os resultados das eleições legislativas deste domingo. As sondagens indicam que 40% dos 36 milhões de espanhóis com direito a voto continuam sem decidir onde vão pôr a cruzinha. E os que já se decidiram estão de tal modo divididos que todos os exercícios de previsão podem sair gorados.
A única certeza é que nenhum partido alcançará uma maioria no Congresso dos Deputados, de 350 lugares, a câmara baixa do Parlamento. Mais grave. Os dois partidos que há mais de três décadas monopolizam o voto dos espanhóis habilitam-se a obter os piores resultados de sempre. Tanto o Partido Popular (PP), no poder e liderado por Mariano Rajoy, como o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), a maior força da oposição e com Pedro Sanchéz como secretário-geral, se habilitam a perder muitos mandatos. Quantos ninguém sabe, mas os estudos de opinião apontam para perdas conjuntas superiores a uma centena de parlamentares e a 10 milhões de votos.
Esterco e paradoxos
Uma tendência que, a confirmar-se, vem pôr fim ao “bipartidarismo imperfeito” de socialistas e populares. E tudo indica que à morte anunciada deste “duopólio de poder” pode suceder um “quadripartidarismo imperfeito”, graças à meteórica ascensão do Podemos de Pablo Iglésias e do Cidadãos (C’s) de Albert Rivera.
As incertezas são tantas que alguns analistas preferem nem discutir cenários pós-eleitorais, invocando uma famosa citação de Ramon Llull, o filósofo e poeta maiorquino do século XIII: “Como ignoras muito mais do que aquilo que sabes, não fales muito.” Uma abordagem sensata mas que não evita uma outra constatação: Mariano Rajoy é o primeiro-ministro mais impopular da Espanha democrática. O que também não o impede de ser o candidato mais bem colocado para vencer as legislativas de domingo. Confuso? Sim, apesar do desgaste do poder nestes últimos quatro anos, apesar da austeridade e dos inúmeros casos de corrupção com figuras do e na órbita do PP, Rajoy é quem aparece à frente nas sondagens – com margens reduzidas e anuláveis caso os indecisos preguem a todos uma enorme partida, mas em todo o caso sempre à frente dos rivais. E este paradoxo é apenas um dos pormenores que tornam esta eleição na mais imprevisível desde 1977, quando se realizaram as primeiras legislativas após a morte de Francisco Franco.
Um dos grandes polemistas de Espanha, o jornalista e escritor Gregorio Morón, na sua tribuna semanal do La Vanguardia, descreveu como poucos o que está em jogo: “[Em 1977] a sociedade saía de quarenta anos de ditadura (…). A 20 de dezembro está convocado para as urnas um país exausto, desanimado, perplexo face à corrupção, à crise e à falta de alternativas. De um lado, os restos de todos os naufrágios, representados pelo PP e pelo PSOE, dispostos a tudo para não perderem o último vagão da sua história. Do outro, duas formações sem pedigree mas com um inquietante futuro, Cidadãos e Podemos. Não têm passado, ou seja, ainda não tiveram que nadar na merda, porque os passados em Espanha medem-se pelo seu nível de esterco”.
A campanha parece dar-lhe razão, incluindo o único debate televisivo em que o primeiro-ministro aceitou participar. Na noite de segunda-feira, 14, nos ecrãs da TVE, Mariano Rajoy e Pedro Sánchez protagonizaram um Cara a Cara em que ambos se insultaram de forma nunca vista. O líder do PP queria falar de recuperação económica e capitalizar os seus feitos no Palácio da Moncloa. O seu rival do PSOE enfrentava o duelo como a derradeira oportunidade de abordar os desvarios de figuras afetas ao PP, caso de José Luis Barcenas, antigo tesoureiro do partido.
Resultado: acabaram ambos a trocar mimos: “Usted no es decente”, disse Sánchez; “Usted es ruin y miserable”, retorquiu Rajoy. Um diálogo que os líderes dos dois partidos emergentes aplaudiram e à custa do qual esperam tirar todo o tipo de dividendos.
Soraya à frente de ‘Laranjinhas’?
Pablo Iglésias e Albert Rivera acreditam estar em condições de integrar o futuro Executivo. Tendo em conta que o PP até pode ganhar mas está condenado a perder a maioria absoluta, Podemos e C’s fazem já contas às coligações possíveis. Já ninguém acredita num entendimento entre PP e PSOE depois do desaguisado Rajoy-Sánchez. E, portanto, sobram poucos cenários. O primeiro é uma solução à portuguesa: o PSOE (ainda que sendo o segundo partido mais votado), a liderar uma equipa ministerial com o apoio do Podemos e do C’s. Uma aliança que não deixaria de ser contranatura, já que vários dirigentes do Podemos descrevem Albert Rivera como um “novo Aznar”.
Na impossibilidade de Pedro Sánchez imitar António Costa, o mais provável é que o líder do PSOE se demita e escancare novamente as portas do poder à direita. Nesse caso, o PP e os “laranjinhas” de Albert Rivera poderiam definir uma clara maioria parlamentar e formar Governo. A grande questão é saber se Rajoy aceitaria liderar um tal elenco. Na Calle Génova, sede dos populares, já se invoca a possibilidade do ainda primeiro-ministro ir gozar uma reforma dourada na sua casa de Pontevedra. Assim, alegam, ficava garantida a “regeneração de Espanha”, com o poder a ser entregue a uma mulher: Soraya Saénz de Santamaría, 44 anos, até agora vice-primeira-ministra. Uma personagem que vive para a arte da política e que jamais se irá preocupar com estudos mais ou menos científicos sobre os efeitos da governação sobre si própria.