O Tribunal Provincial de Luanda deu ordem de arresto preventivo de participações detidas por Isabel dos Santos e pelo marido Sindika Dokolo em quase uma dezena de empresas, além das contas bancárias de ambos. A decisão, que consta de um despacho-sentença conhecido esta segunda-feira, 30 de dezembro, resulta de uma providência cautelar apresentada pelo Estado angolano e visa posições em companhias como a Unitel, Cimangola e bancos como o BIC e o BFA.
Segundo um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola, a que a VISÃO teve acesso, também as contas de Mário Leite da Silva, que administra várias empresas de Isabel dos Santos, foram alvo de arresto.
Segundo a providência do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos, os três visados realizaram negócios com o Estado angolano através de duas empresas públicas, a Sonangol e a Sodiam, que terão lesado o Estado em $1,14 mil milhões.
Aquela entidade argumenta que, na criação da Esperaza Holding (detida a 60% pela Sonangol e a 40% pela Exem Energy, ligada ao casal e a Mário da Silva) foi a petrolífera estatal a colocar a totalidade do capital, de €193,5 milhões, emprestando a parte que cabia à Exem. A nota refere que o valor ainda não foi devolvido em euros, como constava do contrato, tendo sido recusada a tentativa dos visados de devolverem a dívida em kwanzas.
Já a Sodiam, empresa de venda de diamantes colocou, segundo a nota, $146,26 milhões na Victoria Holding Limited, veículo detido em partes iguais pela Exem e pela empresa estatal de diamantes que se destinou a investir na empresa suíça De Grisogono – Joalharia de Luxo, que a providência argumenta ter sido “oferecida” pelo antigo presidente angolano José Eduardo do Santos à sua filha e ao genro. O valor colocado pela empresa pública resultou de um crédito concedido ao banco BIC, mediante garantia soberana do Estado angolano, que continua a pagar a dívida “sem nunca ter recebido qualquer lucro até à presente data,” refere o comunicado.
As empresas arrestadas
Entre as empresas arrestadas para pagamento das dívidas (reconhecidas pelos requeridos que, no entanto, dizem não ter condições de pagar, segundo o despacho) está o banco BIC Angola, detido a 42% por Isabel dos Santos, a Unitel (onde tem uma participação de 25%), o banco BFA (detido a 51% pela Unitel), e a ZAP Midia (99,9% de Isabel dos Santos). A estas, juntam-se ainda a Finstar, a Cimangola, a Condis – Sociedade de Distribuição Angola SA, a Continente Angola e a Sodiba – Sociedade de Distribuição de Bebidas de Angola. A PGR sublinha que pretende garantir o normal funcionamento das empresas e que a providência cautelar não afeta os postos de trabalhos nem os compromissos por ela assumidos.
“Ficou igualmente provado que a requerida Isabel José dos Santos tem tentado vender a participação social que tem na sociedade Unitel; SA, tem tentado transferir avultadas quantias em euros para a Rússia a partir de Portugal por intermédio de Leopoldino Fragoso Nascimento, que tem encetado contactos para investir no Japão e que boa parte dos seus investimentos e património não se encontram em Angola,” sustenta ainda o documento que decreta o arresto preventivo. Relativamente às contas bancárias pessoais, o tribunal decretou o seu bloqueio nos bancos BFA, BIC, BAI e Banco Económico.
Numa mensagem colocada na rede social Twitter poucos minutos depois de ser conhecida a notícia, Isabel dos Santos apela à “tranquilidade e confiança” das suas equipas e diz que “o caminho é longo, a verdade há-de imperar”. “Vamos continuar,todos os dias,em todos os negócios,a dar o nosso melhor e a lutar por aquilo que eu acredito para Angola.”. E conclui: “Unidos somos mais fortes #porangola”

“Transferências são falsas”
Em outubro deste ano, numa entrevista à agência financeira Bloomberg, Isabel dos Santos garantiu que não tinha feito nada de errado enquanto era presidente da empresa estatal de petróleo Sonangol, e adjetivou a investigação sobre uma transferência de $38 milhões através da petrolífera de “vingança política”.
“Dizer que houve uma ordem de transferência depois da minha demissão é simplesmente falso”, afirmou Isabel dos Santos em comunicado por e-mail, escrevia a Bloomberg. “A luta contra a corrupção não pode ser usada para alimentar uma agenda de perseguição ou caça às bruxas.”
“Caça às bruxas” em Angola, disse ela
Recorde-se que a empresária deu recentemente uma grande entrevista ao jornal online Observador, durante a qual garantiu não saber quantas empresas tem ao certo, nem quanto faturam ou quanto pagam em impostos. Nas declarações que fez durante essa passagem por Lisboa, Isabel dos Santos aproveitou para reafirmar que as atuais autoridades angolanas estão a levar a cabo uma “caça às bruxas” contra os membros da sua família e admitiu ter medo de voltar a Angola, onde garante que não entra desde 2018. “A situação política em Angola hoje é uma caça às bruxas, disso não há dúvidas. Se me pergunta se há uma perseguição à família do antigo Presidente dos Santos, sim, há, isso é claro”.
Isabel dos Santos lamentou que se parta “do princípio de que em Angola não há leis, que em Angola não há processos, não há procedimentos, ou seja, que há apenas um Presidente que assina um papel e já está”. E lembra que corrupção existe em todo o mundo, rejeitando que seja um problema apenas daquele país: “Agora, a corrupção há em Angola, há em África, há na Ásia, há nos Estados Unidos, há no mundo, é um problema que tem de ser combatido sim. Acho que sim, que é muito importante.”
A imprensa internacional dá conta de que vários membros da família de José Eduardo dos Santos têm abandonado o país desde que o antigo presidente abandonou o cargo político mais elevado de Angola.
Segundo o jornal internacional VOA, a decisão do tribunal provincial de Luanda, datada de 23 de dezembro, só hoje foi publicada nesta segunda-feira, 30 de dezembro, surgindo numa altura em que o diário britânico The Guardian e o Consórcio Internacional de Journalistas de Investigação estarão a preparar a publicação de uma série de artigos sobre a corrupção da família de Eduardo dos Santos.
Segundo o jornal internacional VOA, a decisão do tribunal provincial de Luanda, datada de 23 de dezembro, só hoje foi publicada nesta segunda-feira, 30 de dezembro, surgindo numa altura em que o diário britânico The Guardian e o Consórcio Internacional de Journalistas de Investigação estarão a preparar a publicação de uma série de artigos sobre a corrupção da família de Eduardo dos Santos.
*com Lusa