O emprego acabará por aparecer
David Autor é um dos maiores especialistas do mundo em matéria de trabalho. Na sua apresentação na conferência “O Trabalho Dá que Pensar”, o economista mostrou-se otimista em relação aos efeitos da robotização, mas avisou que existem sinais que nos devem preocupar. Entre eles está o esvaziamento dos empregos com qualificações intermédias. Utilizando o exemplo dos EUA, referiu que existe a criação de emprego nos extremos, mas não no centro, o que alimenta uma polarização do mercado de trabalho. Nos salários, isso é claro, com os licenciados a ganharem mais e os restantes a perderem poder económico. Ainda assim, Autor não vê sinais de alarme, pedindo que nos lembremos da agricultura. Há 150 anos, mais de metade da mão de obra norte-americana estava no setor primário. Hoje, são apenas 2%. Isso não implicou uma redução de postos de trabalho nos EUA. “Não existem indícios de que estejamos a ficar sem empregos”, indicou. Aqueles que dizem que o trabalho está em risco de acabar “presumem que as pessoas não vão conseguir pensar em coisas para fazer”. “Não sei qual será o emprego do futuro, mas sei que haverá bastante”, concluiu.
O desafio de uma educação diferente
Mesmo que tenhamos dúvidas quanto às mudanças que aí vêm, é bastante claro que serão necessárias novas competências. Qualificações que são hoje muito valorizadas poderão deixar de ter procura. No painel que discutiu o impacto de empresas como a Uber, Jean Pisani-Ferry, coordenador do programa eleitoral de Emmanuel Macron, disse temer que “o nosso sistema educativo esteja a ficar para trás”. “Costumamos dizer que a resposta à automação é a educação, mas não é isso que tem acontecido. A economia está a criar empregos para qualificações elevadas e baixas, mas não para as médias”, acrescentou. Luis Garicano, professor na London School of Economics, defendeu que a escola deve afastar-se das tarefas repetitivas e tentar concentrar-se mais no desenvolvimento de capacidades criativas. Juan Dolado, do Instituto Universitário Europeu, concorda. “A educação deixou de ser algo dos 6 aos 20 anos. É para a vida. Teremos de subsidiar as empresas para investirem nos trabalhadores.”
Mais Senhor Spock do que Capitão Kirk
À medida que as máquinas ficam mais inteligentes, será necessário ser mais cauteloso em relação àquilo que permitimos que elas façam. Precisaremos de desenhar um código de conduta? Para Luís Moniz Pereira, nós podemos não ser o melhor exemplo: “Como iremos lidar com problemas morais se nós próprios não conseguimos lidar bem com eles?” Norberto Pires, fundador da Sociedade Portuguesa de Robótica, avisou que, em breve, será possível imprimir metal. “Teremos robots com capacidade para pegarem nos seus desenhos e produzirem-se a si próprios. Isso levanta problemas éticos”, sublinhou, lembrando que “a entidade mais temida da Natureza se chama Homem e que este fez as maiores barbaridades ao Planeta”. Será que, mais do que o perigo de uma invasão de máquinas, nos devemos preocupar com a nossa desumanização e dependência de dispositivos eletrónicos? “Somos cada vez mais o senhor Spock e menos o capitão Kirk”, brincou o jornalista Paulo Bastos, que moderou o debate.
Tributar as máquinas pode ajudar
A Pirâmide de Gizé demorou 20 anos a ser construída por 100 mil escravos. Se pusesse um deles no meio da Avenida da Liberdade, ele não compreenderia o nosso mundo. Será que os nossos netos olharão para nós como nós olhamos para os egípcios? Sérgio Rebelo acha que existe esse risco. “A maior diferença nesta revolução é a velocidade”, sublinhou o professor da Kellogg School of Management. Essa rapidez significa que as pessoas têm muito menos tempo para se adaptarem. “Para alguns será difícil mudar de emprego. Talvez isso tenha que ver com um rendimento mínimo. Estes processos vão aumentar a produtividade, e haverá muito rendimento que pode ser distribuído”, afirmou na sua intervenção sobre o impacto da automatização no trabalho. Que outras soluções podem ser consideradas? Num estudo que publicou neste ano, Sérgio Rebelo argumenta que pode valer a pena pensar em tributar robots, uma vez que se trataria de uma subsidiação indireta dos empregos com tarefas de rotina, ajudando a atenuar as desigualdades que o economista antecipa que se irão agravar com uma vaga de robotização.
Nem a arte está segura dos robots?
Com as máquinas a invadirem cada vez mais áreas consideradas exclusivas do Homo sapiens, procuram-se campos onde a Humanidade continue a deter o monopólio. Talvez o mais citado seja a Arte. Contudo, ainda antes da chegada dos robots, esse campo já começa a estar contaminado por alguma “automação”. A atriz Ana Padrão dá o exemplo da televisão, em que “é necessário fazer muito em pouco tempo e em que o espaço criativo é cada vez menor”, o que fez nascer “uma espécie de ator-robot”. No mesmo painel estava o artista Leonel Moura, cujo trabalho utiliza robótica e Inteligência Artificial, permitindo, por exemplo, pintar de forma autónoma. “Nós, humanos, temos um problema. Tudo foi feito para nós, somos os mais inteligentes, os mais criativos – mas não somos”, afirmou. “Não me parece que os artistas, em particular, sejam mais humanistas.”
As pessoas precisam de factos
O fundador da Wikipédia foi à conferência da Fundação Francisco Manuel dos Santos falar da importância dos factos e do futuro do jornalismo, argumentando que este passa por uma menor dependência da publicidade. Como exemplo, Jimmy Wales deu o projeto que fundou no ano passado: o WikiTribune – um site noticioso que junta jornalistas e membros da comunidade online. Os primeiros escrevem as notícias, os segundos verificam os factos e sugerem alterações. O projeto tem fins lucrativos, mas não terá publicidade nem PayWall. Como a Wikipédia, viverá dos donativos dos leitores. Wales reconheceu que existem alguns motivos para otimismo, referindo o crescimento das subscrições online do New York Times, que já ultrapassam os três milhões. As pessoas começam a perceber que, “se quero notícias [de qualidade], eu tenho de pagar por elas”. Além disso, a maior facilidade e rapidez de subscrição está também a impulsionar estas vendas online. Tal como as assinaturas do NYT aumentaram, “os donativos da Wikipédia também dispararam após a eleição” de Trump. Porquê? “As pessoas sentem que precisam de factos.”
O combate à pobreza funciona?
A apresentação de Martha Bailey não abordou diretamente problemas do mercado de trabalho, mas refletiu acerca de soluções políticas que possam dar armas à população para enfrentarem os desafios da vida adulta. Ao analisar o programa Head Start, criado na década de 60, nos EUA, visando incentivar a entrada de crianças no Ensino Pré-primário, a professora da Universidade do Michigan conclui que os jovens que entraram nesse programa tiveram quase mais 20% de probabilidades de ingressar no Ensino Superior e registaram uma redução de 12% dos índices de pobreza. Outra das boas notícias é que, a longo prazo, estes programas mais do que se pagam a si próprios. “Contribuem para os cofres públicos, não os esvaziam”, sublinhou, e isto até em casos de programas com fragilidades. Segundo os dados do estudo, “mesmo programas mal desenhados ou com financiamento insuficiente tiveram algum impacto”, o que significa que isso não nos deve desincentivar.