A Farfetch é para quem pode. Para quem pode ter uns sapatos Gucci de €530; um vestido primaveril Dolce & Gabbana, de €3 108; ou uma mala Louis Vuitton vintage, de €5 329. Não é para quem quer.
O seu modelo de negócios é simples e tem rendido – esta plataforma online de artigos de luxo serve de intermediária entre as boutiques e os clientes, cobrando uma comissão por cada venda bem sucedida. O risco é muito pouco, uma vez que a Farfetch não tem de investir em acumular stock; vai buscá-lo às marcas sempre que precisa.
A ideia teve-a José Neves em 2007. Nascido no Porto há 41 anos, foi empresário do setor do calçado antes de fundar a Farfetch. Recentemente, foi assim que ele contou à VISÃO como aconteceu:
“Lembro-me bem do dia. Estávamos na Paris Fashion Week, em outubro, a ver as encomendas das grandes empresas que nos tinham comprado a coleção. E dei-me conta de uma série de constatações. Primeira: as empresas que estavam a crescer e que tinham maior saúde financeira eram as que tinham apostado no ecommerce; a Net-a-Porter já era uma empresa com 200 milhões de dólares de faturação; alguns department stores já tinham começado, com grande sucesso, com o negócio de luxo online. Segunda: existiam centenas de empresas, tanto multimarcas como boutiques, que não tinham nem sequer ideia de como começar ou lidar com esta questão do online, estavam entusiasmadas com a oportunidade, mas assustadas com a incapacidade, quer financeira, quer de know how, para construírem esses negócios. Terceira: nenhuma dessas grandes plataformas – eBay, Amazon, Alibaba – seria compatível com a indústria de moda de luxo, porque são mais massificadoras na abordagem e não entendem as subtilezas necessárias deste mercado”.
E continuou: “Estas três constatações levaram-me à ideia de criar uma plataforma que ajudaria as pequenas e médias empresas a ter acesso a esse mercado global. Voltei para Portugal, reuni com os meus engenheiros e disse: ‘Temos um ano, a partir de agora, para avançar com uma plataforma que liga lojas físicas multimarca a um site de ecommerce, em tempo real, com logística integrada’. Já com todas as características essenciais da Farfetch de hoje. Eles acharam que era um projeto maluco, megalómano, mas extremamente interessante. É isso que os engenheiros têm de bom, adoram trabalhar em coisas novas, diferentes e revolucionárias”.
Mais emprego em Portugal
Passaram quase 10 anos e vamos agora encontrar José Neves, neste final de maio, no edifício D. Luís I, em Santos, onde o seu unicórnio, o único português (ou de origem portuguesa, uma vez que tem sede em Londres), ocupa 3 mil metros quadrados.
Com escritórios em Londres, Hong Kong, Tóquio, Xangai, Los Angeles ou Moscovo (entre outros no estrangeiros) e em Matosinhos, Guimarães e Lisboa, a Farfetch emprega, no total, 1 600 pessoas, 900 das quais em Portugal.
Mas José Neves quer contratar mais 500 funcionários no nosso País, sendo que 100 ficarão em Lisboa e as restantes 400 repartidos entre os escritórios de Matosinhos e de Guimarães. “Estamos a crescer 70% ao ano e precisamos de expandir”, diz, otimista.
Em Portugal, realça o presidente da Farfetch, está praticamente toda a parte tecnológica, ou seja, a área das engenharias para desenvolver o software. Em Lisboa, além desta área, também se vai apostar no atendimento ao cliente.
E se o escritório de Matosinhos tem como imagem de marca um escorrega vermelho para os funcionários se divertirem, está visto que, no de Lisboa, a piscina de bolas é incontornável. Além do piano de cauda e da sala de jogos com mesa de snooker, uma máquina flipper e dardos eletrónicos.
O investimento nas instalações de Lisboa foi de um milhão de euros e a empresa espera captar mais talentos na capital. O talento é a palavra-chave nesta startup que já angariou mais de €265 milhões. “Quanto mais barreiras à circulação de talento pior. Por isso, ninguém ficou contente com o Brexit”, vai dizendo José Neves, sem acrescentar mais pormenores aos efeitos da saída da Grã-Bretanha da União Europeia no futuro da sua empresa, que é inglesa.
Como é a loja do futuro
A Farfetch, sendo uma espécie de Amazon do luxo, ainda se confronta com uma dificuldade. Embora o número de pessoas que compra online esteja em franco crescimento, na gama alta, 93% das compras em todo o mundo ainda se processam em lojas físicas e apenas 7% através da Internet.
“A necessidade de ir a uma loja e experimentar e falar com alguém continuará a ser necessária, mesmo que as vendas online atinjam os 25%, altura em que, segundo as nossas teses, estabilizarão. Só que, quando isso acontecer, a experiência de ir à loja será muito diferente daquela que conhecemos hoje e a Farfetch quer estar ligada a essa revolução”, acrescenta José Neves.
E assim nasceu a Loja do Futuro (FarfetchOS), apresentada o mês passado em Londres. A ideia é misturar a tecnologia com a ida à loja física e dar aos clientes o que estes mais querem: a personalização.
“Por exemplo, se o cliente estiver inscrito na plataforma online, o vendedor pode ter acesso aos seus dados, saber o que costuma comprar habitualmente e oferecer-lhe um atendimento mais personalizado, com mais conhecimento”, explica Bernardo Vaz, gestor de produto da loja do futuro.
A experiência vai começar já este ano em Londres, tendo a Farfetch adquirido a conhecida boutique Browns. O próximo passo será Nova Iorque. E da Internet se volta, de novo, à rua. Quem diria?