A confiança das famílias está a regressar aos tempos eufóricos da adesão ao euro, o desemprego deverá ficar abaixo dos dois dígitos já em 2017 e a economia começa a crescer acima da média da Zona Euro. Tudo isto é sustentável ou ameaça colapsar perante os ventos instáveis que sopram da Europa?
1 – Turismo: uma aposta a dar grandes frutos
Os números mostram um setor que cria emprego e atrai investimento
As cidades fervilham, as ideias atropelam-se e os negócios florescem a um ritmo que não se via há muito. Há centenas de prédios reabilitados e milhares de empregos criados. Portugal tem muito para oferecer na hotelaria, na arquitetura, na moda, no design, na gastronomia, na cultura. Nós, portugueses, sabemo-lo, e agora os estrangeiros também, à medida que cidades como Lisboa e Porto acumulam distinções de “best destination of…”.
Haverá poucas coisas no mundo a crescer tanto como o turismo em Portugal.
A receita aumentou 10,7% em 2016, para 12 680 milhões de euros, e o setor vale já 7% do PIB nacional.
Quase um terço das empresas nascidas no último ano, em número de 11 mil, destinam-se a atividades ligadas ao turismo, como o alojamento, restauração, construção e imobiliário.
No ano passado, os recordes no setor caíram como peças de dominó: 19 milhões de hóspedes, 53 milhões de dormidas. Estão a ser lançadas as infraestruturas para que estes números possam ser ainda maiores.
O novo aeroporto do Montijo, que deverá abrir no virar da década, duplicará a capacidade da Portela dos atuais 25 milhões para 50 milhões de passageiros por ano.
O turismo traz estrangeiros a Portugal e alguns acabam por comprar casa. Mas este boom tem um preço. Nas grandes cidades, o valor das casas sobe dois dígitos ao ano. Multiplicam-se as críticas que o alojamento local estará a pressionar o fecho de lojas históricas e a empurrar os portugueses para fora dos centros urbanos fenómeno que, sem ser novo, intensificou–se nos últimos tempos.
O País que está a dar certo também tem o seu reverso. E não é bom.
2 – Adeus à crise?
Só o acesso ao crédito está a atrasar a retoma
O setor ainda não está recuperado da crise de 2008, mas mostra um novo fôlego com a reabilitação urbana que, de acordo com dados da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas, subiu 10% no ano passado. Mas os bancos ainda não confiam e o crédito não flui.
Os sinais de otimismo são dados pelos pedidos de licenciamento de construção nova, de reabilitação dos centros urbanos e até pelo lançamento de concursos públicos. A retoma também se mede pelos números do emprego.
O setor criou quase 23 mil postos de trabalho em 2016 quase um em cada quatro novos empregos a nível nacional e o número de desempregados registados nos centros de emprego caiu para pouco mais de 75 mil, o valor mais baixo desde o início da crise.
Os números do INE sobre a recuperação do investimento, no quarto trimestre do ano, também dão pistas sobre a saúde do setor. Depois de três trimestres consecutivos a encolher, o investimento aumentou 2,6%. É uma boa notícia, mas um único trimestre de recuperação não relança a economia nem a construção. Mas as perspetivas são animadoras. No plano interno, a política de juros zero seguida pelos bancos desviou as poupanças de muitos portugueses para o imobiliário, à procura de taxas de retorno mais elevadas. No plano externo, a atribuição de Vistos Gold e o estatuto de residente não habitual (os cidadãos europeus paga apenas 20% de IRS e os reformados ficam isentos), contribuíram para um tal aumento da procura que a Federação da Indústria da Construção e Obras Públicas estima em 2,6% a recuperação da atividade em 2017, depois da quebra de 3,3% em 2016.
3 – A nossa aldeia global triplicou
As exportações continuam a crescer e a diversificar os seus destinos
De 2015 para 2016, as exportações portuguesas para Angola caíram 30 por cento. O tombo, aparentemente catastrófico para a nossa economia, deve-se à conhecida crise financeira em que mergulhou aquele país africano por causa da baixa do preço do petróleo. Entre 2010 e 2014, Angola chegou a ultrapassar os EUA no ranking dos clientes de Portugal, posicionando-se no top cinco e chegando a comprar 7% do total das nossas vendas. Com a queda de Angola, como ficaram as nossas exportações? Cresceram. Em 2016 aumentaram 2%, chegando agora aos 75,8 mil milhões de euros. Ainda exportamos mais do que aquilo que importamos, estando o saldo, positivo, na ordem dos 4 mil milhões de euros. Angola foi um desastre, tal como Moçambique (queda de 33,1%) e a Venezuela (-27,3%)? Mas Espanha cresceu 5,7% e a França 7,8%, sendo estes os dois principais destinos dos nossos bens. Outros países revelaram-se boas apostas como o Luxemburgo, a Roménia ou a Eslováquia (com crescimentos acima dos 20%). A diversificação de destinos e de produtos parece ser o que mantém as nossas exportações à tona ainda que o seu crescimento possa desacelerar, há pelo menos 20 anos que elas não param de crescer. Em 1996, as nossas exportações renderam-nos 25 mil milhões de euros, três vezes menos do que em 2016. A crise económica e financeira, em Portugal, acabou por dar um empurrão para muitas empresas, nos anos mais negros da “era troika”, havia o mercado estrangeiro ou a morte. Na exportação de serviços, a categoria viagens e turismo não tem rival à altura, arrecadando 12,7 mil milhões de euros o ano passado, nos bens vendemos mais máquinas e aparelhos, veículos e materiais de transporte. O vestuário subiu 8% em relação a 2015, os produtos agrícolas 6,4 por cento. Foi um mau ano para os combustíveis e para os minérios; um bom ano para a propriedade intelectual e para as telecomunicações… Sim, contas finais, as exportações são mesmo um dos motores mais potentes da nossa economia.
4 – Um setor a renascer
Receita agrícola cresceu 300 milhões de euros ao ano
Portugal regressou à terra… para a cultivar. Depois de décadas de abandono dos campos, muitos foram os portugueses que voltaram a apostar na agricultura.
A produção agrícola passou os 7 mil milhões de euros em 2015 (último ano com dados oficiais disponíveis), um aumento de 10% em dois anos. As exportações têm crescido e, no ano passado atingiram os 1,2 mil milhões de euros. E a aposta não se centra apenas nos produtos tradicionais de cultura intensiva. Há um investimento muito grande no cultivo de novos produtos exigidos pelo mercado, como os hortofrutícolas. Outro dos grandes trunfos dos novos agricultores foi o associativismo.
Em Portugal as explorações agrícolas têm em média 12 hectares. A média da União Europeia é de 20. Para conseguir economias de escala e produções que satisfaçam as necessidades das grandes redes de distribuição, muitos agricultores constituíram associações que definem o que cada um faz, em que altura e a quantidade. E não se pode falar do desenvolvimento agrícola em Portugal sem mencionar o Alqueva. O projeto, que demorou 21 anos para ser construído, fornece água para 120 mil hectares de terrenos agrícolas. E poderá alargar esta área em mais 47 mil. No total, o Alqueva abastece 3 500 agricultores, 157 dos quais estrangeiros.
5 – O cultivo das ‘startups’
Por ambição ou necessidade, na falta de empregos, os portugueses fazem-se patrões. Ou empreendedores, como agora se diz
Vamos primeiro separar o trigo do joio e dizer que, das mais de 37 mil empresas que foram criadas no último ano, nem todas são startups. Quer isto dizer que nem todas são empresas tecnológicas ou potenciadas pela tecnologia com algum fator inovador que as distingue. Um restaurante ou um pronto-a-vestir não são startups se nada tiverem de inovador ou tecnológico. Olhando para os números gerais, vemos que, depois dos anos duros entre 2009 e 2012, o nascimento de empresas cresceu bastante em 2013 e foi-se mantendo estável nos anos seguintes. Nos últimos 12 meses diminuiu um pouco, -0,8%, mas menos do que os encerramentos (-3,5%) ou as insolvências (-22,3%). O barómetro da base de dados Informa D&B mostra que os serviços, o alojamento e a restauração e o setor retalhista representam 57,2% das novas empresas. E o setor da construção vai recuperando com mais nascimentos (2 982 novas empresas no último ano) do que encerramentos (1 876). Mas o grande fenómeno, nos últimos anos, é mesmo o das startups. O português José Neves criou, em Londres, em 2008, uma empresa chamada Farfetch que hoje está avaliada em mais de mil milhões de dólares é o nosso primeiro e, até agora, único unicórnio. Miguel Santo Amaro, um dos cofundadores da Uniplaces, portal de arrendamento a estudantes que já emprega mais de 140 pessoas, é destacado na revista Forbes como um dos 30 empresários com menos de 30 anos na área da tecnologia.
Antes dele, já Tiago Paiva e Cristina Fonseca, fundadores da Talkdesk, tinham merecido o mesmo destaque dessa revista. O ambiente tecnológico em Portugal começou a desenvolver-se com a multiplicação de incubadoras e aceleradoras, além de inúmeros concursos de empreendedorismo. Como ponto alto na vida deste ecossistema temos a deslocação da Web Summit, o maior evento europeu de tecnologia, de Dublin para Lisboa. O seu grande impacto consiste em fazer com que os olhos dos investidores se virem para Portugal. Um estudo europeu, relativo a 2015, mostrava que Portugal tinha, na altura, 40 scaleups tecnológicas, ou seja startups que já angariaram mais de um milhão de dólares.
6 – As vanguardistas
Há 20 660 empresas de alta e média-alta tecnologia em Portugal. O que fazem?
Laboratórios farmacêuticos, indústria automóvel, telecomunicações, fabrico de aeronaves e equipamento relacionado, fabricação de instrumentos médico-cirúrgicos, veículos militares, armas e munições, produtos eletrónicos e óticos, máquinas e equipamentos… A alta tecnologia está em (quase) todo o lado e gera um volume de negócios anual na ordem dos 31 mil milhões de euros, o que representa 25,5% de toda a indústria transformadora portuguesa. Estamos a falar de uma área altamente exportadora. As máquinas e os aparelhos, por exemplo, são o bem que mais vendemos ao estrangeiro, representando mais de 10% do total das exportações. E não faltam exemplos de empresas bem sucedidas. A Critical Software, com sede em Coimbra, que colabora com a Agência Espacial Europeia e com a NASA, atua nas áreas da segurança, da saúde, da informática e do espaço, entre outras. A Bial, farmacêutica fundada em 1924, com sede na Trofa, distinguiu-se com um fármaco para a epilepsia, comercializado na Europa e nos EUA.
A Vision Box vai agora equipar o aeroporto internacional de Toronto com uma nova tecnologia de reconhecimento facial. A esta realidade não é alheio o aumento do número de portugueses diplomados, que levam algumas multinacionais a instalar aqui os seus centros de engenharia. Em 2005, 1 199 estudantes concluíram o seu doutoramento. Em 2015, foram 2 351.
7 – Desemprego abaixo dos dois dígitos?
Espera-se que a taxa desça abaixo dos 10% já em 2017
A taxa de desemprego fechou o ano em 10,5%, um valor impensável quando, em 2013, no pico da crise, atingiu os 17 por cento. A este ritmo só no ano passado, recuou 1,7 pontos percentuais, poderá ficar abaixo dos dois dígitos já em meados deste ano. Será o fim de um ciclo de oito anos, desde que em março de 2009 a taxa de desemprego em Portugal atingiu os 10 por cento.
Em janeiro, a estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontou para 10,2%, o valor mais baixo desde esse longínquo mês de março de 2009. São menos 95 mil desempregados do que em igual mês do ano anterior, quando a taxa atingiu 12,1 por cento.
Como se explica esta descida? A emigração, por um lado, e a criação de novos postos de trabalho (82,1 mil durante o ano passado), em setores como a construção e o turismo, estão a contribuir para a redução do desemprego a nível nacional.
Contudo, a taxa entre os jovens continua bastante elevada, acima dos 25%, o que significa que um em cada quatro jovens não conseguem encontrar um emprego. Ao todo, existiam, no final de janeiro, 96,2 mil jovens, entre os 15 e os 24 anos.
Já a taxa de desemprego dos adultos (25 aos 74 anos) subiu de 8,9% em dezembro para 9% em janeiro, segundo a estimativa provisória do INE.
A taxa de desemprego continua mais elevada entre as mulheres, com 10,5%, do que entre homens (9,9%).
Em suma, o número de desempregados apurado pelo INE em janeiro estava em 521,8 mil pessoas.
Apesar do otimismo revelado pelos números do INE, Pedro Braz Teixeira nota uma discrepância entre a criação de emprego em Portugal e o crescimento não tão expressivo, apontando para a “criação de emprego pouco produtivo”. E dá como exemplo o turismo, um setor onde haverá criação de muitos postos de trabalho não qualificados.
8 – Uma “nova” Autoeuropa
Investimento privado cresceu 6,5% no ano passado
Valha-nos o investimento privado, porque o público mantém-se a níveis do período anterior à adesão de Portugal à União Europeia. No início do primeiro semestre deste ano a Autoeuropa começará a produzir o novo modelo da Volkswagen, o T-Roc, um SUV que irá substituir a Sharan. Este é, por enquanto, o maior investimento estrangeiro previsto para 2017 e que poderá ter um impacto superior a 1% no PIB português. A fábrica de Palmela está a contratar mais de 1 500 funcionários e prevê produzir mais de 200 mil veículos por ano, face aos atuais 90 mil que fabrica atualmente.
Mas há mais. António Costa sugeriu esta semana à Renault que produza baterias de lítio em Portugal “onde se encontra uma das maiores reservas deste minério”. No final do ano passado, o fabricante francês tinha já decidido avançar com um investimento de 100 milhões de euros na fábrica de Cacia.
De acordo com os últimos dados do INE, o investimento privado em Portugal cresceu 6,5%, mais meio ponto percentual do que este instituto tinha previsto. Para 2017, as primeiras previsões apontam para um crescimento de 3,9 por cento.
9 – Consumidores com confiança ao rubro
O otimismo das famílias está de volta aos tempos da euforia da adesão ao euro
Estamos confiantes na retoma da economia e do emprego ou a caminhar para uma nova bolha consumista alimentada a crédito? É cedo para saber, mas os números do Instituto Nacional de Estatística dizem-nos que o indicador de confiança dos consumidores retomou a trajetória positiva iniciada em 2013 e apresentou, em fevereiro, o valor mais elevado desde março de 2000. A melhoria da situação financeira das famílias, a redução do desemprego e o aumento do crédito no segmento habitacional estão a contribuir para tanto otimismo observado desde setembro do ano passado.
Os portugueses terão razões para estarem assim tão esperançosos e confiantes em relação ao futuro? Ricardo Cabral, economista e vice-reitor da Universidade da Madeira, recorda que “um nível de procura interna [cresceu 2,5% no último trimestre] tão elevado não era observado desde a euforia da adesão ao euro, no início do século”. Tantos anos depois, “é natural que haja fatores a empurrar para cima”. Mas “temos tido alguma sorte: a descida do petróleo, as taxas de juro baixas ou o programa de compras do Banco Central Europeu valem alguns pontos do PIB”. E há também o turismo, a crescer à conta da instabilidade em muitos destinos concorrentes do Médio Oriente. No plano interno, bastou que “o Governo tenha deixado de fazer cortes e tenha reposto o rendimento das famílias para que a economia mexesse”, explica o professor universitário.
Com isto, a confiança dos consumidores está em alta, mas Ricardo Cabral não encontra razões para alarme.
“O rendimento nominal dos portugueses ainda está mais baixo do que no início do século, a reposição de rendimentos é marginal, a banca continua a apertar o crédito e não vejo riscos de uma nova bolha consumista.” Os riscos são os mesmos de sempre: “A dívida pública e a dívida externa ainda estão muito elevadas e, embora em trajetória descendente, podem voltar a disparar.”
10 – A crescer mais do que a Europa
Apesar das incertezas, Portugal está melhor que a Zona Euro
A economia na União Europeia, em particular na Zona Euro, está a melhorar mas, de acordo com o economista Pedro Braz Teixeira, “não tanto como nos EUA.
As taxas de juro já estão a subir e, na Europa, continuam negativas”. Mas, mesmo que as previsões de outono da Comissão Europeia sejam mais animadoras (ver gráfico), são muitos os imponderáveis em 2017: “Com a eleição de Trump, assistimos a uma descontinuidade na política americana do pós-guerra de uma forma que ainda não é totalmente conhecida”, alerta o também diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade. Pedro Braz Teixeira enumera ainda as incertezas causadas pelo Brexit, assim como as consequências do previsível reforço dos partidos anti euro e anti-imigração em países como a Holanda, França e Alemanha, nas eleições a decorrer neste ano. “Há grandes incertezas que podem fazer descarrilar o comboio europeu”, resume.
Apesar das incertezas, Portugal cresceu acima da Zona Euro no quarto trimestre de 2016, tanto em cadeia como em termos homólogos. Em relação ao terceiro trimestre, o PIB nacional avançou 0,6%, duas décimas acima da Zona Euro e, em comparação com igual período do ano anterior, a evolução foi de 2%, quando a média dos países da moeda única não passou além de 1,7 por cento.
Já no conjunto do ano, Portugal cresceu menos (1,4%) do que a Zona Euro (1,7%), continuando a divergir face aos parceiros europeus. As perspetivas, contudo, são animadoras.
Artigo publicado na VISÃO 1253