O banco liderado por Artur Santos Silva e Fernando Ulrich está cada vez mais enredado nas suas próprias teias. De tal forma, que já ninguém se lembra como tudo começou, nem ninguém arrisca a avançar como tudo vai terminar, sendo que é difícil explicar o que entretanto está a acontecer. O adiamento de uma assembleia cuja realização será decisiva para o futuro do banco português, de 22 de julho para 6 de setembro e de novo adiada para 21 de setembro veio adensar a confusão. Tudo isto com uma OPA do catalão CaixaBank a decorrer, que, a vingar, passará o controlo da gestão do banco português para Espanha.
Mas o processo para assegurar o futuro do banco – que se arrasta há mais de um ano – ata mais do que desata. Ou seja, complica-se cada vez mais.
A culpa é de quem? De todos e de ninguém. Pois cada um terá as suas razões. A VISÃO faz uma leitura da situação a partir do olhar de cada um dos principais protagonistas.
Holding Violas Ferreira: Fazer subir preço da OPA ou manter centro de decisão em Portugal?
Edgar Ferreira e Tiago Violas são, neste momento, olhados como os novos ‘maus da fita’, a quem são atribuídas as culpas do arrastar da situação. Mas a administração da Holding Violas Ferreira (HVF), maior acionista português do banco (cerca de 2,7%), rejeita completamente esta acusação. “Fomos nós que convocamos a assembleia geral para votar uma proposta de desblindagem dos estatutos. Então, porque é que a administração do banco se recusa a votar a nossa proposta? Porque é que o CaixaBank tem pedido a suspensão? Quem está, afinal, a atrasar o processo?”, contra-ataca, em declarações à VISÃO, Edgar Ferreira, administrador da HVF, e que, nessa qualidade, tem também assento no conselho de administração do BPI. Repete: “O adiamento não é provocado por nós. Eles é que não querem votar a nossa proposta!”
O marido de Otília Violas, família que vem da fundação do BPI, não podia estar mais zangado com tudo a que tem assistido ao longo deste processo. “Queremos defender a continuidade do projeto BPI e que o centro de decisão continue em Portugal. Se assim não for, então que o CaixaBank pague devidamente aos acionistas”, reforça. Ou seja, que pague o justo prémio de controlo. E que os pequenos acionistas não tenham um tratamento diferente dos grandes. “Estamos de fora a ver passar um filme que não sabemos interpretar”, diz. Porque o que ele vê são “só negociatas” entre os grandes… “Estão a querer comprar o banco por 60% do valor dele!”.
Sobretudo, custa-lhe ver “como é que a administração do BPI se pôs nas mãos do CaixaBank, “Eu não quero vender. Preferia continuar no projeto. Mas não posso deixar de vender se for para ficar numa sucursal de um banco espanhol. Que liquidez terão depois as nossas ações? Nenhuma.”
A gota de água, porém, foi a intervenção do governo, que promoveu a Lei da desblindagem dos estatutos, “feita à medida e que só tem aplicação no BPI”. O que, neste caso, serve apenas ao maior acionista, o CaixaBank, o único que tem uma participação acima dos 20% (o limite imposto no BPI, enquanto funcionar a blindagem dos direitos de voto). Ora, no entender de Edgar Ferreira, o CaixaBank, que já soma cerca de 45% do capital do banco, sempre soube que ali vigorava a lei do limite de voto até aos 20%. “Por isso, pôde aumentar a sua participação sem lançar uma OPA”, lembra. Logo, se agora quer controlar o banco, tem de pagar o justo valor a todos os acionistas. Daí que a HVF defenda a continuidade da blindagem e se tenha antecipado á administração na apresentação de uma proposta para que os acionistas se pronunciem sobre o assunto. É que de acordo com a nova Lei, se a proposta for dos acionistas, a votação é feita com a blindagem em vigor – logo, e atendendo ao histórico, não deverá cair. Mas, se a proposta for apresentada pela administração, é votada com a participação real do CaixaBank – logo, a desblindagem será aprovada.
Daí a providência cautelar avançada pela HVF para impedir que a proposta apresentada pelo conselho de administração seja votada, alegando mesmo a sua “inconstitucionalidade”. “Pedimos ao juiz a eliminação da proposta da administração e que seja considerada só a nossa. Caso contrário, não há lógica democrática”, defende Edgar Ferreira. Mas o juiz ainda não se pronunciou, motivo porque o CaixaBank tem pedido a suspensão das assembleias.

Rafael Marchante / Reuters
Governo: Queria contribuir para a solução, acabou a fazer parte do problema
Ao avançar com a Lei da Desblindagem (não por acaso, também apelidada de Lei BPI), o governo de António Costa pensou estar a criar uma solução para acabar com o impasse no BPI. Tem sido a blindagem dos votos em vigor no banco liderado por Artur Santos Silva e Fernando Ulrich a impedir que sejam aprovadas decisões importantes para o futuro da instituição: quer a cisão dos ativos africanos (medida que poderia satisfazer as exigências do BCE quanto á exposição do banco a Angola), quer o avançar da OPA do CaixaBank.
Mas a lei é omissa em muitos pontos e, talvez, não se safe de ser apreciada quanto à sua constitucionalidade. Ao estabelecer métodos de contabilidade de votos diferentes consoante seja proposta pelos acionistas (com blindagem) ou pela administração (sem blindagem), criou omissões e fragilidades agora a ser exploradas. Se a mesma proposta for apresentada por acionistas e também pela administração, e obtiver resultados diferentes – probabilidade muito forte de acontecer no BPI, qual é a que vinga? A que entrou primeiro? A da administração tem supremacia sobre a dos acionistas? Há entendimentos diferentes e ninguém sabe ao certo. Daí que a administração do banco e CaixaBank esperem uma decisão do juiz para avançar com a votação na assembleia geral.
Outro ponto frágil é o de, neste momento, só se aplicar, de facto, ao BPI e, portanto, ser inconstitucional, por se entender ser feita “à medida” de um caso concreto. No BCP também impera a blindagem, mas nenhum acionista detém atualmente uma participação acima do limite em vigor. Se a blindagem vier a cair, ninguém se sentirá prejudicado.
Angola também não gostou, encarou-a uma ingerência do Governo num assunto privado e ameaçou retaliar ao mesmo nível relativamente aos investimentos do BPI no BFA, instituição angolana onde o banco português é sócio de Isabel dos Santos.
A verdade é que a blindagem dos estatutos é vista pelo BCE como coisa do passado, não comportável com a vida de hoje nas instituições financeiras. E o governo mais não fez do que dar um empurrão a algo que terá de acabar por acontecer. Como disse à VISÃO um advogado próximo do processo: “Com o BPI blindado, não se consegue captar o interesse de mais nenhum investidor. Por isso, é que está dependente e nas mãos do CaixaBank.”

Rui Duarte Silva
Isabel dos Santos: De força de bloqueio a Bela Adormecida
Nem sim, nem não. Portanto, a melhor palavra que, neste momento, define o comportamento de Isabel dos Santos, segunda maior acionista do BPI, é “nim”. Começou por ser ela a má da fita e força de bloqueio às propostas apresentadas pela administração. E até há uns meses atrás era conhecida a sua oposição à desblindagem. Mas nas ultimas assembleias gerais, deu o palco todo à família Violas e tem-se mantido o mais discreta possível. Nas decisões de adiamento, o seu voto foi de abstenção – o que é uma forma velada de protelar a situação e ganhar tempo. Edgar Ferreira, da HVF, não percebe este comportamento. A administração do banco hesita na interpretação: publicamente tem interpretado esta decisão como uma abertura que lhe pode ser favorável, mas teme a sua posição dúbia.
Isabel dos Santos (e a sua empresa, Santoro), até há pouco a grande pedra no sapato, transformou-se na Bela Adormecida. Está a gerir o tempo e a jogar em dois tabuleiros: não quer facilitar a queda da blindagem (que lhe retiraria o poder de veto nas decisões), mas também não quer que a OPA desapareça. Entretanto, vai negociando, sem resultados, sem se comprometer e sem embarcar em ultimatos. Logo verá o que lhe será mais favorável: permanecer no BPI? Vender, receber o dinheiro (importa quanto) e investir mais no BCP? Comprar o controlo do BFA em Angola? Mantém as opções em aberto
CaixaBank: Agarrem-me que estou a perder a paciência
É reincidente. Já abandonou a OPA lançada em Fevereiro de 2015 e arrisca-se a ver esta ficar também pelo caminho. Entretanto, o banco perdeu valor e o CaixaBank, do grupo espanhol La Caixa, baixou também o preço: dos €1,329 por ação para os €1,113 agora. E foi comprando em bolsa o que pôde, estando agora muito perto dos 45% (antes tinha cerca de 44%).
As duas foram condicionadas à queda da blindagem, pois este é o único acionista que nitidamente ganha com a desblindagem, uma vez que só assim poderá exercer poder de gestão equivalente ao seu investimento. Esta semana, ameaçou retirar a OPA. Uma posição lida como uma forma de pressão. Mas a OPA poderá estar retirada por natureza, caso a desblindagem não seja aprovada em tempo útil. Por isso, ou sobe o preço, eliminando argumentos de opositores, ou retira-se até… uma terceira oportunidade.
Quem está envolvido no processo, conta como tem sido feito um “grande esforço de diplomacia para que os espanhóis não se desinteressem”. Acionista de longa data, o grupo catalão quer expandir para Portugal, algo bem visto pelo BCE. Mas está a perder a paciência.

© Kai Pfaffenbach / Reuters
BCE: Os prazos, senhores, os prazos
Foi quem começou o principal problema do BPI, ao exigir a diminuição da exposição a Angola, apesar da contestação manifestada pela administração e a oposição de Isabel dos Santos. Numa estratégia mais lata de consolidar o sistema bancário português, favorece também o controlo dos bancos portugueses pelos espanhóis.
Mas a diminuição do risco em Angola é para cumprir, o que obriga o BPI a aumentar capital ou a diminuir a participação no BFA, onde tem 51%, e de onde vem a principal contribuição dos resultados em Portugal. O prazo dado para que o BPI encontrasse uma solução (já foram estudadas meia dúzia, nem todas viram a luz do dia e só uma foi formalmente chumbada em assembleia geral) já passou, mas, estando ainda a decorrer negociações e uma OPA, a entidade reguladora europeia decidiu não aplicar multa ao BPI e protelar o prazo: quatro meses depois de terminar a OPA, que se previa estar concretizada em outubro. Um prazo que já está a resvalar…

Rui Duarte Silva
Conselho de Administração: “Sentimos uma grande intranquilidade”
Artur Santos Silva sempre assegura que o BCE está a par de tudo e a seguir com atenção o desenrolar dos acontecimentos. Admite, porém, que esta não tem sido “matéria do agrado dos supervisores”. Na ultima terça-feira,6, confessou: “Todos sentimos uma grande intranquilidade pelo futuro do banco”. E mostrou esperança de que “desaparecem” os obstáculos que estão a impedir as decisões necessárias. Não se cansa de garantir que nada disso está a impedir o normal funcionamento do banco.
Mas é visível o cansaço e o desgaste nos rostos da administração, remodelada entretanto devido a alguns terem ido gerir a CGD. Além do mais, sabem que guerras entre acionistas podem ser ossos duros de roer. Quer dos grandes, quer dos pequenos. E se não são responsáveis por aumentar o preço oferecido na OPA, certo é que, para resolver o problema em Angola, não foram capazes de encontrar ainda uma solução que reunisse o consenso de todos. E foram apanhados de surpresa com a antecipação da família Violas a pedir a votação da desblindagem. Tentaram apanhar o barco em andamento, anexando a sua própria proposta, mas criaram mais um argumento jurídico para a contestação.
Advogados: Ligações perigosas
No meio de tanta desconfiança instalada, importa perceber quem é quem no tabuleiro institucional. E este foi o motivo da segunda providencia cautelar, apresentada pela família Violas, que impediu que o advogado Osório de Castro assumisse a presidência da mesa da assembleia geral (e fosse substituído provisoriamente por João Serrano, do conselho fiscal).
A questão é que, depois de Miguel Veiga se ter retirado por motivo de doença, foi Cavaleiro Brandão que lhe sucedeu na presidência deste órgão social. Este acabaria também por se demitir, alegando incompatibilidade com a justificação de que o seu escritório passou a trabalhar com o gabinete de José Miguel Júdice, por sua vez, advogado da acionista Santoro, de Isabel dos Santos.
Um procedimento que deu ideias à HVF. Quando foi nomeado Osório de Castro, e como este trabalha para o escritório de António Lobo Xavier, por sua vez administrador independente não executivo do BPI, a família Violas estabeleceu o mesmo paralelismo. Como impera a desconfiança relativamente ao posicionamento da administração em todo o processo, avançou com uma segunda providência cautelar a contestar a nomeação de Osório de Castro. Uma argumentação considerada “disparatada”, sendo absolutamente rejeitada pelos envolvidos, por nenhum deles ser advogado do BPI ou de qualquer um dos seus acionistas. O juiz que decida.