Na próxima terça-feira, o navio bacalhoeiro Coimbra sairá do porto da Gafanha da Nazaré, em Aveiro, com uma carga muito especial: três mil garrafas de Doc Douro. Não se trata de um embarque para exportação, mas da retoma de uma tradição há muito desaparecida.
A ideia é que o vinho ande quatro meses (regressa em finais de setembro) a navegar pela Terra Nova, Canadá, a estagiar no porão da proa do navio, enquanto este pesca o bacalhau, e volte com características únicas, transformado numa edição de topo, muito voltada para apreciadores e colecionadores. Algumas garrafas poderão aparecer no mercado entre 15 a 20 euros a unidade, lá para novembro, a tempo de acompanhar o bacalhau no Natal.
Isto mais não é do que reviver um costume verificado nos grandes bacalhoeiros que partiam da Gafanha, carregados de sal – para curar o bacalhau – e de vinho, essencial à tripulação. Geralmente, sobrava. Quando regressava a terra, o navio trazia o “vinho da volta”, como ficou conhecido, e era por todos apreciado. Diziam os entendidos, que o liquido voltava melhor do que ía.
Selado pelo IVDP
O desafio para repetir esta experiência, agora numa versão melhorada e estudada, foi lançado pelo Clube de Oficiais da Marinha Mercante à empresa produtora de vinho Lua Cheia em Vinhas Velhas, com sede na Gafanha. Conforme contou à VISÃO Carlos Dias, um dos três sócios da empresa, não houve grande hesitação.
“Escolhemos lotes de topo, utilizado no Lua Cheia Reserva Especial e no Andreza Grande Reserva, e compusemos um lote específico para estagiar no navio”, conta Manuel Dias, 64 anos, também natural de Aveiro. “Escolhemos Touriga Nacional e Touriga Franca, duas castas do Douro, saída de uma série de vinhas velhas, com mais de 25 anos, que temos na quinta de Vale Mendiz.” Porquê o Douro? “Porque é lá que temos os vinhos Doc [Denominação de Origem Controlada] e porque o Douro é uma região conhecida no estrangeiro”.
As 500 caixas de seis garrafas cada, devidamente seladas pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), voltarão em finais de setembro e serão novamente avaliadas pelos técnicos do IVDP, que emitirão os rótulos numerados para ser distribuído.
Mas antes disso, uma prova institucional será feita no porto piscatório de St. John’s, no Canadá, numa cerimónia que contará com a presença de críticos, jornalistas e do cônsul português.
Poseidon, nome de vinho
“O vinho vai acondicionado e armazenado na linha de água, abaixo da superfície do mar, mantendo a temperatura fresca. Mas, apesar de não atravessar o Equador, vai ter diferenças térmicas grandes e irá sempre a mexer dentro da garrafa. Uma boa rolha deixará o vinho respirar, com a entrada de oxigénio”, explica Manuel Dias, que batizou já o vinho de Poseidon, o deus supremo do mar, segundo a mitologia grega.
“Os nossos enólogos acreditam que o vinho, envelhecendo precocemente, vai ficar mais harmonioso, perder as arestas dos taninos e arredondar, ficando mais macio”, acrescenta. E assim, garante, poderá ser “guardado por mais 20 anos”.
A toma da maior parte destas três mil garrafas estará já assegurada pelo Clube dos Capitães da Marinha Mercante, mentor do projeto, que reúne mais de mil sócios e funciona como uma espécie de confraria. Estes já terão assegurado o seu maduro tinto Doc Douro para o bacalhau. Mas se a experiência der um bom resultado, quem sabe se não será repetida.