O futebol é mesmo assim. Quem tem jogadores carismáticos e de qualidade bem superior a todos os outros tem, obrigatoriamente, novelas em torno da equipa. Ora, quando o caso mete estrelas planetárias, cuja fama e grandeza vão muito para além da dimensão de um só país, a coisa torna-se difícil de controlar. Tudo é notícia e motivo de comentário ou crítica. Esperar que um jogador como Cristiano Ronaldo não seja o centro de todas as atenções depois de entrar para este Mundial a chamar a si todas as atenções com uma entrevista de consequências globais, que até começou a competição com um golo, mas depois “desaparece” de campo, parecendo um corpo estranho ao resto da equipa, que amua quando é substituído e que, no dia em que fica pela primeira vez no banco, vê o seu substituto contribuir com três golos para uma goleada de 6-1 é simplesmente impossível. É evidente que todo o mundo está de olhos postos em Ronaldo, no seu desempenho e no seu comportamento, numa altura em que se percebe que se aproxima, inevitavelmente, o fim de uma era. Tal como não se pode pedir a quem acompanha o fenómeno desportivo que deixe de avaliar a forma como um astro planetário da dimensão de Cristiano lida com o processo. Quem, como ele, construiu toda a carreira assente num talento monstruoso e em desempenhos extraordinários dentro de campo, mas também numa exploração exímia da sua presença nos media e nas redes sociais, não pode agora exigir que toda essa atenção desapareça quando as coisas não correm de feição. É a vida…
Por isso, não faz muito sentido que o selecionador venha a público pedir para que Ronaldo seja deixado “em paz”. Na mesma conferência de imprensa em que reconheceu que teve uma conversa com o capitão para lhe explicar porque o ia deixar de fora da equipa titular no jogo contra a Suíça e e que o jogador não gostou e não aceitou as justificações, Fernando Santos considerou que, “por tudo o que já fez, Ronaldo não merece” ser alvo de tanto escrutínio. Até porque, garante, o jogador “nunca ameaçou abandonar a seleção”, como alguma imprensa noticiou.
Até se percebe que, enquanto líder técnico, o selecionador sinta a vontade de defender o seu jogador, ainda para mais um capitão de equipa com a importância de Ronaldo. Entende-se que queria esvaziar mais uma polémica em torno da equipa, que tem um objetivo bem maior pela frente. Mas não deve confundir o respeito que todo o passado exemplar de Ronaldo ao serviço de Portugal deve merecer por parte de adeptos, jornalistas e comentadores, com a exigência que deve ser pedida a um jogador com esta responsabilidade. E isso não é falta de respeito algum. Trata-se apenas de aplicar a Cristiano Ronaldo a mesma exigência profissional que ele impôs sempre a si próprio a todos os que o rodearam.
Respeitar o legado e a extraordinária carreira de CR7 é esperar que, nesta altura difícil, de menor fulgor competitivo e em que a equipa mostra ser capaz de jogar melhor sem ele, o jogador saiba aceitar a realidade, seja capaz de lidar com ela e aceite o desafio de continuar a ser o extraordinário craque que sempre foi, mas noutras funções: um capitão, um líder capaz de arregimentar e dar o exemplo do lado de fora do campo e que esteja pronto para, quando for chamado, se entregar de unhas e dentes à luta pelo objetivo que é de todos. Porque eu acredito que Cristiano Ronaldo não está acabado. Pode, aliás, ser uma excelente “arma secreta” para os três jogos que faltam (acredito, sinceramente, que Portugal pode chegar à final). Se assim for, será excelente para Ronaldo e, mais importante de tudo, histórico para Portugal.