Itamar Vieira Júnior é o grande vencedor do Oceanos — Prémio de Literatura em Língua Portuguesa, organizado pelo Itaú Cultural, no Brasil, anunciado numa cerimónia transmitida ao vivo, através do canal YouTube. Torto Arado (Leya, 2019), espécie de manifesto com uma genealogia literária que reclama a influência dos clássicos, é uma epopeia intimista rural que retrata as condições de quase escravatura vividas pelos trabalhadores das fazendas brasileiras no sertão da Baía. Romance poderoso e de grande maturidade, narra uma história profundamente humanista, através das irmãs Bibiana e Belonísia, cujos destinos simbolizam caminhos diferentes: a resignação e a aspiração à liberdade.
Itamar Vieira Júnior nascido em 1979 em Salvador, é geógrafo de formação, doutorado em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia com estudos feitos sobre a formação de comunidades quilombolas no interior do Nordeste brasileiro. Antes do romance agora distinguido pelo Prémio Oceanos, publicara os livros de contos Dias (2012) e A Oração do Carrasco (2018), este último finalista do Prémio Jabuti.

Torto Arado está a fazer um percurso marcante, tendo sido anteriormente distinguido com o Prémio Leya, galardão dedicado a obras originais de escritores de língua portuguesa, com o valor pecuniário de cem mil euros.
Na altura, o júri presidido por Manuel Alegre justificou a escolha “pela solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil, colocando ênfase nas figuras femininas, na sua liberdade e na violência exercida sobre o corpo num contexto dominado pela sociedade patriarcal. Sendo um romance que parte de uma realidade concreta, em que situações de opressão quer social quer do homem em relação à mulher, a narrativa encontra um plano alegórico, sem entrar num estilo barroco, que ganha contornos universais. Destaca-se a qualidade literária de uma escrita em que se reconhece plenamente o escritor.”
Nesta edição a que concorreram 1872 obras publicadas em dez países, o júri do Oceanos – Prémio de Literatura em Língua Portuguesa distinguiu para os segundo e terceiro lugares, as obras A Visão das Plantas de Djaimilia Pereira de Almeida (vencedora da edição passada com Luanda, Lisboa, Paraíso) e Carta à Rainha Louca de Maria Valéria Rezende, numa edição curada por Adelaide Monteiro (Cabo Verde), Isabel Lucas (Portugal), Manuel da Costa Pinto e Selma Caetano (Brasil).
A presença dos três autores agora distinguidos fez-se através de um vídeo transmitido na cerimónia. Aí, Itamar Vieira Júnior sublinhou que este livro que fala do passado é também um retrato do Brasil do presente, “um país anacrónico, que avança em alguns sentidos e retrocede noutros.” “Percebi que o Brasil é um país ainda marcado pelo seu passado colonial, pelo sistema esclavagista que deixou um legado, a vulnerabilidade das pessoas do campo, pessoas que têm muitas vezes as suas vidas exploradas”, um país que ainda vive uma grande violência entre lideranças camponesas e ambientalistas. Mas, sublinha o autor residente na Baía, este livro-retrato não fala apenas dessas coisas terríveis: “Fala de uma solidariedade que atravessa transversalmente as pessoas, as famílias, as comunidades.”