Madonna vai mostrar aos vizinhos lisboetas, e não só, o que é capaz de fazer em palco, inspirada pelos ritmos e pelas vivências portuguesas, apanhadas pela cantora desde que vive na capital. No palco do Coliseu dos Recreios, o público vai poder contemplar a familiar cenografia de uma casa de fados, com os tradicionais azulejos e guitarras portuguesas, e ouvir a sua interpretação do fado, das mornas, do samba e pop latina, ou do reggaeton, toda uma viagem musical que expressa a história portuguesa, os ecos da lusofonia, as miscigenações entre margens do Tejo, os ritmos espontâneos das living room sessions.
Dividido em quatro partes, o espetáculo Madame X parte do último disco com o mesmo título, mas incluirá também os grandes sucessos anteriores da rainha da pop. Temas como Like a Prayer, Express Yourself, Frozen, Vogue ou La Isla Bonita numa versão medley, farão a sua aparição, recordando às várias gerações de admiradores da cantora de 61 anos que a presença nos tops foi uma constante da sua longa carreira. Mas a expetativa também é grande em ouvir Madonna cantar em português em temas como Crazy, Killers Who Are Partying, Extreme Occident, a que se junta também o espanhol em Bitch, I’m Loca. E se ela respeitar o alinhamento dos concertos americanos da digressão, os oito concertos portugueses poderão ainda contar com uma versão de Sodade, homenagem a Cesária Évora.
A Orquestra das Batukadeiras de Cabo Verde cuja poderosa percussão encantou Madonna vão subir ao palco na terceira parte de Madame X, acompanhando-a em Batuka (tema composto pelo filho David Banda, jogador nos escalões juvenis do Benfica). Mas há mais convidados com sotaque português: Gaspar Varela fará o acompanhamento com guitarra portuguesa de uma versão de Fado Pechincha, tema cantado pela fadista Celeste Rodrigues (desaparecida em 2018) , irmã de Amália e bisavô do músico; o percurssionista Carlos Mil-Homens, a trompetista Jessica Pina, o músico cabo-verdiano Miroca Paris ou o percurssionista angolano Iuri Oliveira também fazem parte deste plantel.
Com início neste domingo, dia 12, a série de concertos prolonga-se ainda pelos dias 14, 16, 18, 19, 21, 22 e 23 de janeiro. Antes da digressão Madame X, a cantora já anteriormente atuara em Portugal, em três ocasiões diferentes: no Pavilhão Atlântico em 2004, no Parque da Belavista em 2008, e no Estádio Cidade de Coimbra em 2012. Mas, desta vez, é diferente: Madonna tornou-se “prata da casa”.
Madame X, um disco aberto à lusofonia
Quem estava familiarizado com os últimos álbuns lançados por Madonna, sentiu-se desconcertado na primeira audição de Madame X (Universal), o 14º álbum da cantora norte-americana. Em vez das sonoridades eletrónicas para pistas de dança planetárias, customizadas por produtores de topo, deparou com uma amálgama sonora na qual coabitam rumbas turbinadas, guitarras nostálgicas das ruelas lisboetas, rap, trap, baladas sentimentais, batuque de Cabo Verde, coros gospel, dance hall, reggaeton, pop dançável e até algum spoken word (com o dedo de Mirwais e de Diplo). Chegados ao sexto tema, Killers Who are Partying, Madonna cantava finalmente em português: “Eu sei o que sou/e o que não sou.” Mais à frente, em Looking for Mercy, pedia compreensão: “Flawed by design/ please empathize.”
Madame X é um disco híbrido, em que coabitam a pop latina e o cantor colombiano Maluma (nos temas Medellin e Bitch, I’m Loca), invectivas sobre o controlo de armas e alusões ao Presidente Trump, manifestos cândidos, baladas confessionais com letras algo frágeis e, claro, pistas portuguesas e lusófonas: uma guitarra aqui, um kuduro ali, o arrebatamento da Orquestra Batukadeiras (Batuka tem letra do filho futebolista de Madonna, David Banda), a desbunda de Faz Gostoso (tema de Blaya, interpretado com a brasileira Anitta). Madonna encontrou novos mapas musicais e quer navegá-los. Por vezes, tropeça, distanciando-se da relevância cutting edge do passado. Mas a viagem é que conta, certo?