Os ataques contra imigrantes, em Portugal, atingiram um ponto absolutamente inaceitável com o recente caso de violência no Porto. Mas numa altura em que o discurso xenófobo e racista toma conta da praça pública, vale a pena observar países para os quais olhamos como exemplo de prosperidade e qualidade de vida.
Por exemplo, sabia que o Reino Unido já foi o principal destino dos emigrantes portugueses – lugar que perdeu graças ao Brexit? E que as mesmas terras de Sua Majestade ocupam o quarto lugar entre os países do mundo com maior número de imigrantes residentes nascidos em Portugal?
Ou seja, creio que podemos dizer com alguma segurança que é território pelo qual nós, portugueses, nos sentimos atraídos. E faz sentido: é a sexta maior economia do mundo, a taxa de desemprego subiu, em 2023, mas está pouco acima dos 4%, e o setor agrícola, representante de 0,8% do PIB britânico, consegue produzir o suficiente para satisfazer cerca de 60% da sua procura de alimentos. Tem uma economia relativamente sólida, a língua materna é um idioma que aprendemos desde pequenos e, não fosse pelo tempo sempre cinzento, garantidamente tinha ainda mais adeptos. E, claro, apesar do Brexit, a capital britânica continua a ser o maior centro financeiro da Europa.
O que me leva à questão seguinte: saberão os portugueses que o Reino Unido é uma nação de imigrantes? Precisamente o tipo de residentes que nós dizemos não querer cá?
Em março, a revista americana The Economist agregou, em mais do que uma peça, vários números que mostram como o Reino Unido é, atualmente, não apenas um país feito de imigrantes, mas também o melhor para eles viverem. O título de um dos textos era, precisamente: “Sem se aperceber, o Reino Unido tornou-se numa nação de imigrantes”.
Pegando no exemplo de uma cidade próxima de Londres, Reading – que se tornou famosa, também, pela prisão que encarcerou personalidades como Oscar Wilde ou Amelia Dyer – a publicação mostra como as três grandes vagas de imigração, que chegaram ao Reino Unido após a II Guerra Mundial, foram fundamentais para fazer dele o país próspero que é hoje.
Atualmente, o hospital público de Reading emprega 1800 pessoas que não são de nacionalidade britânica. Os portugueses, a par dos filipinos, indianos, nigerianos e quenianos, representam um dos maiores grupos de assalariados.
“O Reino Unido é excelente a fazer com que os estrangeiros evoluam económica, social e culturalmente. É (pelo menos neste apeto) um modelo para o resto do mundo”, escreve a The Economist, num outro artigo, intitulado “O Reino Unido é o melhor lugar da Europa para se ser imigrante”.
Os filhos dos imigrantes conseguem, genericamente, superar o desempenho escolar dos seus congéneres descendentes de britânicos em disciplinas como a Matemática e Inglês. E apesar daquilo que apregoam alguns políticos – e das mais recentes determinações do Governo de Rishi Sunak, que passou a deportar imigrantes ilegais para o Ruanda – a verdade é que o Reino Unido tem uma das maiores taxas de sucesso no que à integração de residentes de outras nacionalidades diz respeito.
É claro que há uma série de fatores que contribuem para estes resultados, e nem todos podem ser replicados – como o facto de o território estar longe de zonas de guerra e de quase toda a gente falar um bocadinho de inglês. Mas há duas outras explicações para isto, aponta a The Economist, que podem facilmente ser copiadas por outros países. Como Portugal: uma delas é um mercado de trabalho flexível. Muito mais flexível do que na generalidade dos restantes países europeus, o que torna mais fácil para os imigrantes estabelecerem uma base económica sustentada. Para isto contribuem ainda os níveis de xenofobia significativamente mais baixos do que em outros Estados – sobretudo depois do Brexit. Na verdade, e contrariamente ao que acontece em países como o nosso, a taxa de emprego entre os imigrantes com qualificações no estrangeiro é praticamente idêntica à dos que têm qualificações nacionais. Há países da UE onde a diferença entre uns e outros é de mais de 20 pontos percentuais, para termos noção.
Na reportagem especial que publicámos na VISÃO há uns meses, intitulada: “Imigrantes: os invisíveis que nos alimentam”, explicámos em detalhe alguns dos condicionalismos do mercado de trabalho e da burocracia que este enfrentam em Portugal. Olhar para o que se faz no Reino Unido pode ser uma boa ideia. Os imigrantes representam atualmente 7,5% da população total que vive no nosso País, e desengane-se quem acha que as pessoas estão cá para se ir embora, entretanto. A maioria está cá para ficar. O que significa que temos de arranjar soluções para muitos dos problemas que eles enfrentam – e que se refletem na sociedade.
No mesmo sentido, e tomando como exemplo novamente o país liderado por Carlos III, há outra variável que pode ser replicada – embora desconfie de que, no estado atual da nossa nação – seja mais complexa. É que os britânicos são muito mais ‘open-minded’, ou pessoas de mente aberta do que a generalidade dos congéneres europeus.
Segundo o mais recente World Values Survey, também citado pela The Economist, apenas 5% dos britânicos admitiram que se oporiam a viver ao lado de um imigrante (vale acrescentar que os filhos dos migrantes relatam sofrer menos bullying na escola do que os filhos dos nativos, também). Mas não é apenas isto que contribui para o bom ambiente para a imigração: os britânicos aliam a intolerância à discriminação com expectativas elevadas. Quer isto dizer que desejam que os migrantes aprendam a língua, garantam qualificações, adotem a cultura e se tornem cidadãos de pleno direito. Consegue ver as diferenças?
É certo que para isto acontecer, precisamos, e com urgência, de mudar algumas regras – desde o acolhimento até à agilidade dos processos de legalização, passando pela regulação séria dos contratos de trabalho destas pessoas. Sobre isso, vale a pena, também, ler esta entrevista que a subdiretora da VISÃO Alexandra Correia fez, recentemente, a Hein de Haas, sociólogo e geógrafo holandês, durante a qual o especialista sublinhou que “os mesmos governos que, oficialmente, dizem que não querem mais imigrantes, na prática, toleram o facto de os imigrantes estarem a ser explorados”.
Mas também precisamos, todos, de olhar para o mundo que nos rodeia e perceber que a Europa que temos é diferente daquela que conhecíamos. E ser sérios quanto às avaliações e reivindicações que fazemos. Se achamos que países como o Reino Unido são dos melhores para emigrarmos, o que é que nos mete tanto medo nos imigrantes que nos chegam?