Na onda dos movimentos de empoderamento, do #MeToo e das reivindicações igualitárias das mulheres, foram muitos os que desataram a trautear Respect. O icónico tema cantado por Aretha Franklin, em 1967, subira aos tops musicais da altura, mas transfigurara-se, ao longo das décadas, num hino feminista e dos direitos humanos – passe a ironia de ter sido cantado primeiro por um homem, Otis Redding. Mas Aretha fê-lo seu, com aquele vozeirão de bradar aos céus, aquela presença monumental – e invertendo os papéis na letra.
Respect será agora cantado por outros. Aretha Franklin morreu, esta quinta-feira aos 76 anos, em Detroit, junto da família. No ano passado, a cantora avisara que ia retirar-se dos palcos. Afinal, contava com uma carreira de mais de cinquenta anos. “Mas não pensem que vou sentar-me, sem fazer nada…”, avisou.
Estrela mais brilhante na constelação da soul e do R&B ao longo do século XX, Aretha Franklin ganhou dezoito prémios Grammy, vendeu mais de 75 milhões de discos, distinguiu-se como a primeira mulher a integrar, em 1987, o Rock & Roll Hall of Fame. Foi uma cantora que uniu brancos e negros, republicanos e democratas, americanos de norte a sul: foi condecorada por George W. Bush com a Medalha da Liberdade, em 2005, e subiu ao palco para a tomada de posse de Obama (tal como também já o fizera para Jimmy Carter e Bill Clinton). Mas só o 44º Presidente dos EUA chorou de emoção – era um momento importante para a comunidade afro-americana, mas era também a crença de Obama em como Aretha Franklin simbolizava o melhor da grande nação stars and stripes. A História incluiu-a várias vezes na sua banda sonora: foi Aretha que cantou igualmente no funeral do símbolo do movimento dos direitos civis, Malcolm Luther King.
“I have a dream”, era algo que a cantora também poderia dizer, lá atrás, quando tudo começou no coro da igreja, tinha Aretha dez anos e cantou uns hinos de gospel na congregação do pai, em Detroit. Nomes grandes como Oscar Peterson, Duke Ellington ou Mahalia Jackson eram visitas de casa, e foram influências assumidas para a Franklin mais jovem da família. Dama Dinah Washington chegou a dar-lhe lições de canto.
Aos 14 anos, Aretha grava o seu primeiro álbum, de gospel, claro, Songs of Faith – que se revelou um bilhete de ida para a cena novaiorquina e parao interesse da Motown Records em que integrasse o seu prestigiado catálogo de música negra. Mas Franklin escolheu a Columbia Records, para trabalhar de perto com John Hammond, produtor de lendas como Count Basie e Billie Holiday.
Mas seria na editora Atlantic que, a partir de 1967, Aretha Franklin construiu a sua própria lenda, com temas como Respect, I say a little prayer, Chain of fools, (You make me feel like) a natural woman. Em décadas recentes, ela aproximou-se de novos públicos, ao interpretar artistas como George Michael (com quem Aretha cantou o célebre dueto I knew you were waiting for me, em 1986), ou Adele, (fez um cover de Rolling in the deep, no disco Aretha Franklin sings the great diva classics, de 2014).
Chamavam-lhe a Rainha da Soul. Também poderiam tê-la batizado como rainha do povo, tão consensuais foram os elogios àquela a quem a revista Rolling Stone nomeou “the greatest singer of all time” – “uma força divina”.
“Não há praticamente nenhum artista vivo que não tenha sido influenciado por Aretha, e não consigo pensar em alguém que não tenha ficado tocado pela sua luta, pelo seu trabalho, pela sua música”, disse Kanya King, CEO dos prémios Mobo ao The Guardian, em 2017. Nascida em Memphis, a cantora teve quatro filhos e dois divórcios. Em 2010, enfrentou o diagnóstico de cancro no pâncreas, nos últimos anos o corpo operático começou a capitular. Mas a monumental Aretha, cuja voz não falhava com a passagem das décadas, o “dom de Deus”, continuou a resistir e a cantar. Aretha Franklin partiu. Respect.