Diz-se que partir é morrer um pouco mas ao ver o seu documentário dá ideia de que quem fica também morre…
Pois, quem vai sofre, quem fica também. Aliás, uma expressão parecida está na boca de algumas mulheres que testemunharam. Muitas sofrem mesmo de stress pós-traumático, mas isso é silenciado. Muitas ficaram e despediram-se dos seus maridos e namorados mas outras, e isso parece estranhíssimo, foram com eles, para o meio do mato, para cenários de guerra, e sofreram ataques, emboscadas com os filhos no colo, o isolamento dos quartéis…
Ao ver muito dos testemunhos das mulheres dá ideia de que a guerra não acabou para elas…
Por isso é que eu não podia terminar o filme com o 25 de Abril, e toda aquela alegria. A guerra não acabou nem para os soldados nem para as suas mulheres. A guerra ainda anda aí, ou então eles é que não regressaram…
Fala-se no filme de mulheres que se deitavam na linha de comboio para impedirem os contingentes de partirem…
O regime não lhes permitia terem voz, eram formatadas pela submissão e obediência. Nas imagens de época nunca se vêem viúvas, quase que não se admitia que existia guerra e morte. A partir de 63 deixa de haver filmagens das partidas de barco. As mulheres choravam, era dilacerante. O Movimento Nacional Feminino chamava a essas mães e mulheres em desespero “as carpideiras” e passaram a filmar só os festejos das chegadas. Os caixões dos mortos, os estropiados, tudo isso era escondido com um manto preto por cima.
Porque colocou as mulheres naquele décor meio fantasmático, cheio de ruína, inquietação e camas de hospital?
A minha ideia era retirá-las do seu espaço doméstico, mas ao mesmo tento criar uma certa tensão desconfortável. Para construir o cenário baseei-me nos seus relatos prévios nas suas vivências e memórias de África…
O seu anterior filme, Lisboa Domiciliária (2009), sobre velhotes que já não saem de casa, tem algum ponto de contacto com este agora?
Não raciocino segundo lógicas de continuidade, mas talvez haja em ambos um lado invisível que achei importante mostrar. Por outro lado, trata-se novamente de uma personagem colectiva.
Ana Margarida de Carvalho