Quando nada bate certo, o corpo não joga com o espírito, os movimentos se descoordenam e o sexo é uma descoberta em forma de obsessão. A adolescência é o tema de dois filmes que se estreiam em simultâneo nas salas portuguesas. Ambos primeiras obras de jovens realizadores, nomes a fixar no panorama do cinema independente. Uns Belos Rapazes é realizado pelo francês Riad Sattouf, cujo nome não esconde a origem árabe (nascido em Paris), e esteve em competição no último Estoril Film Festival, sem ganhar qualquer prémio. Afterschool é do novíssimo (apenas 25 anos) realizador americano António Campos, cujo nome não esconde a origem latina (portuguesa?), e deu que falar no DocLisboa 2008, apesar de não se tratar de um documentário. As perspectivas são diametralmente opostas. Partindo do mesmo tema, os filmes estão tão distantes como Paris de Nova Iorque.
O primeiro é uma comédia francesa dos tempos modernos, bem desenhada, com bons momentos de humor, e uma actuação fabulosa de Vincent Lacoste. O segundo é um deprimente drama norte-americano, filme de autor, que tem a habilidade de construir uma semântica interna original. O primeiro decorre numa multi-étnica escola secundária parisiense da classe média ou média-baixa. O segundo, num colégio interno americano, frequentado por filhos de famílias abastadas. O primeiro é indagador, o segundo doentio. O primeiro tem borbulhas, o segundo está cheio de acne. O primeiro é um bom filme de Natal, o segundo uma das melhores obras estreadas em Portugal em 2009.
Mas comecemos por Uns Belos Rapazes, a comédia francesa que vai bem mais longe do que nos fazer rir. Faz um retrato preciso de uma idade por natureza misteriosa, em que as grandes descobertas são feitas. Ao ponto que o filme poderia ser apresentado nas escolas, ao abrigo do programa de Educação Sexual (Afterschool seria interdito). O que subsiste, acima de tudo, é uma curiosidade ilimitada, que faz com que os rapazes (a perspectiva masculina impera) descubram os seus corpos e procurem o sexo oposto, sobretudo em revistas e vídeos. Paradoxalmente, quando uma rapariga real, possível, da sua idade, se aproxima, estes mesmos rapazes tremem, como se de uma ameaça se tratasse. Por algum motivo lhes chamamos a idade do armário, em que o parecer se sobrepõe ao ser, e a imaginação à realidade. São anos de enormes borbulhas no rosto, que nunca mais passam. E as borbulhas são ampliadas em angústias. Mas logo depois se desfazem entre beijos longuíssimos de língua irrequieta, que integram a exploração do corpo. Épocas de excessos e de preliminares, em que uma amizade vale mil amores e a vida se descobre em grupo. Dá para entender os gestos desajeitados da adolescência, naturalmente imberbe, mas sempre em busca de uma lógica para o amor. Uma idade em que tudo é imensamente intenso e quase fatal, mas simultaneamente volátil, numa quase aleatoriedade de sentimentos.
Em Uns Belos Rapazes, o sexo domina o texto e o subtexto, tal como em Afterschool, diga-se. Só que no filme de António Campos o fanatismo sexual, o que vai na mente de um miúdo, é dado de forma sublime e persistente no subtexto, através de enquadramentos pouco convencionais. Há uma cena fabulosa, na mesa do refeitório, em que em pano de fundo só passam estudantes decapitadas pelo enquadramento, de forma a salientar os seus seios. Noutras cenas, o mesmo jogo é feito através das pernas. Que serve também de antevisão do que está para acontecer. Mamas e pernas dominam o cenário. Mamas e pernas e mamas.
Há também uma inteligente ligação aos webvideos, do género do Youtube, apresentados em sequência logo no início do filme, perspicazmente mostrando a confusão mental, ou o aleatório de emoções a que nos sujeita a sociedade tecnológica-visual: tão depressa aparece um gato a tocar piano, como o enforcamento de Saddam, e termina numa cena obscenamente pornográfica, como que afirmando: tudo isto é pornografia, tudo isto é voyeurismo, tudo isto é obscenidade.
Há vasos comunicantes. Uma aproximação clara ao universo de Bret Easton Ellis, com os seus traços de Elephant bebé (Gus Van Sant). Mas a única homenagem e citação clara é ao documentarista Frederick Wiseman (Juvenil Court). No filme, o professor Wiseman é o instrutor de vídeo, que lhe encomenda um filme de homenagem às falecidas gémeas. Tudo o resto é António Campos, um jovem realizador que soube inventar um novo cinema, mostrando-se como um nome a ter em conta na cena independente norte-americana. Quanto ao jovens… Comparados com estes betinhos norte-americanos, os ‘marginais’ franceses parecem flores de estufa. Enquanto o filme francês mostra uma adolescência saudavelmente perversa, o americano deixa-nos depauperados, com um universo perversamente demente.