A grande caminhada de Andreas Noe – ou será melhor chamar-lhe pelo seu nome virtual? – vai quase a meio, mas o ânimo permanece intacto. Ao fim de 25 dias a percorrer a costa portuguesa, de norte para sul, sem folgas, este biólogo alemão, que se intitula The Trash Traveler (literalmente, o “viajante do lixo”), completamente apaixonado pelo mar português, está na praia do Sul, na Ericeira, junto a um grupo de jovens aprendizes de surf.

É no meio de uma roda de pranchas da escola 3 Surfers, em que todos, instrutores e alunos, estão de fato a meia haste, que voltamos a ver Andreas (já o tínhamos conhecido em fevereiro, na praia de Carcavelos, onde na altura vivia na sua carrinha azul e branca de 1982). Sentimo-lo menos livre que nessa altura, mais assoberbado, mais profissional. Há câmaras apontadas para ele, enquanto discorre sobre a sua missão – chamar a atenção para o uso desmedido de plástico e para a forma como o descartamos, lembrando que muitas vezes ele vai parar às praias e ao mar.
Nem vale a pena ouvir mais do seu discurso em inglês, porque numa frase, ele resume toda a essência desta caminhada pelo litoral de Portugal: “Não me agradeçam por estar a limpar as praias, agradeçam-me antes por ajudar a tomar consciência de que a mudança de comportamento é necessária.” E a mudança pode começar por pequenos gestos, como rejeitar palhinhas, andar com uma garrafa reutilizável para a água, munir-se de sacos de pano, ter um cinzeiro portátil.
Não me agradeçam por limpar as praias. Agradeçam-me antes por ajudar a tomar consciência de que a mudança de comportamento é necessária
E nisto pega no seu ukulele, oferecido por um amigo ainda antes deste projeto, e toca uma canção, algo pueril, em português, sobre os oceanos: “O mar começa aqui… o mar é nosso amigo.” Foi com músicas simples e engraçadas como esta, e também com vídeos por ele montados, mas cheios de ritmo, que começou a sua página no Instagram, depois de se despedir de um emprego num laboratório, no Tagus Park, nos arredores de Lisboa. A mensagem, essa, já era a mesma – lutar contra o abuso de plásticos, mostrando o que ia encontrando nos areais. As beatas têm sido as suas piores inimigas.

No final da palestra informal, focada no plástico, os ouvintes acabam de vestir os fatos de neopreno e metem-se na água, outra vez em círculo. Andreas junta-se ao grupo de cerca de 15 surfistas, com a sua prancha especial. É feita de lixo apanhado na praia de Peniche e isso consegue-se ver através da placa de fibra de vidro que lhe dá consistência – beatas, montes de beatas, um pedaço de calças, tampas e outros resíduos plásticos mais pequenos. Trata-se de uma peça única, que não só não se afunda como permite apanhar ondas, ou não tivesse a mão de um shaper da região aonde Andreas se refugiou do Corona. Mais tarde, Andreas há de ir surfar à Foz dos Lizandro, para que o filmem em cima deste exemplar e assim poder candidatar-se com ela a um concurso internacional, cujo prazo termina dentro de dois dias.
De noite, cansado, mas satisfeito
Esta Plastic Hike, como decidiu chamar à caminhada de 832 quilómetros em 60 dias, foi organizada durante a quarentena, parte dela passada na Alemanha, em casa dos pais, o restante tempo em Peniche. É por isso que não pode dar-se tréguas, nem mesmo nos dias em que os seus tornozelos se queixam, depois de lutarem contra o declive dos areais das praias a norte. Estabeleceu o dia 11 de outubro como a meta da aventura, selada com um mergulho no Guadiana. E não quer falhar.
A Plastic Hike prevê uma caminhada de 832 quilóimetros em 60 dias, com final a 11 de outubro. Será selada com um mergulho no Guadiana
Há de terminar este dia já sem o sol para lhe iluminar o caminho, na praia do Magoito, de boné que lhe prende o cabelo loiro comprido, ténis verdes confortáveis, calções escuros, t-shirt preta com o logotipo que criou para este projeto, mochila às costas, saco de compras ao ombro e a pinça que evita que se dobre na mão do lado contrário. Já será de noite, estará estafado de um dia cheio de compromissos, mas satisfeito por ter cumprido mais esta meta estabelecida.

Com ele, segue sempre uma pequena equipa de apoio. Desde logo, Gonçalo Lemos, 31 anos, o indispensável motorista, que também dorme na carrinha, e vai percorrendo os mesmos 16 a 18 quilómetros diários, mas por estrada, para o apanhar quando ele precisa de descansar e guardar os 60 a 70 quilos de lixo que entretanto juntou. É aí que entra Maria Soares de Oliveira, para fazer a ponte com artistas locais que possam utilizar esses resíduos para peças de arte ou até objetos úteis, como instrumentos musicais – na realidade, não se trata de pôr o lixo na reciclagem, mas sim de o aproveitar, dando-lhe nova vida.
No início do próximo ano haverá uma exposição com o resultado destas interações e encontros com as comunidades e associações locais. Também será nessa altura que o documentário que está a ser feito pela dupla Augusto e Carolina (produtores e realizadores que dão pelo nome de Camera With No Name) estará pronto e poderá ser visto pelo público.
Até ao dia 25, mais ou menos a meio caminho, Andreas colheu 925 quilos de plástico (muitas beatas) e 300 máscaras descartáveis. Dá que pensar, não?
