A referência a uma nave extraterrestre surge apenas duas vezes, ao longo de um artigo científico cheio de contas e cálculos complicados: na última linha da introdução e no penúltimo parágrafo do texto. No entanto, todo o bruá em torno do trabalho do astrónomo da Universidade de Harvard, Avi Loeb, publicado na revista científica Astrophysical Journal Letters, tem origem neste comentário lateral.
“A hipótese de se tratar de um objeto produzido por extraterrestres é meramente especulativa. E o autor sabe disso”, sublinha o astrónomo do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, Rui Agostinho. Mas isto não retira valor ao artigo, defende o Diretor do Observatório Astronómico de Lisboa. “Está bem escrito, bem analisado e levanta questões pertinentes.”
Publicado em novembro do ano passado, numa revista que se apresenta como uma publicação “expresso”, destinada a divulgar “investigação relevante e original”, o trabalho descreve o movimento do Oumuamua, um objeto detetado por telescópio do Havai, em 2017.
Até hoje, e com os dados disponíveis, não foi possível explicar o seu movimento. E é por isso que Avi Loeb se dedicou a estudá-lo, para tentar justificar o seu comportamento, contrário a tudo o que é conhecido. “Num objeto distante do Sol [neste caso, para lá da órbita de Júpiter] a força gravítica diminui com a distância à estrela. Por exemplo, num cometa, quanto mais longe do Sol, menor a aceleração e menor a velocidade. No caso do Oumuamua, acontece o contrário, aumenta a velocidade e a aceleração à medida que se afasta”, nota Rui Agostinho.
Uma possível explicação para este fenómeno, avança o astrónomo de Harvard, é a pressão de radiação. Um tipo de força devida à radiação solar e que é tanto maior quanto maior a área de exposição à luz. Tudo está sujeito a esta força, até nós. Mas em objetos de grande massa relativamente à área de exposição o efeito é indetetável. No objeto agora descrito poderá, no entanto, existir um efeito de “vela”, em que existe uma grande área superficial para uma espessura muito pequena.
“Pela órbita do objeto, verificamos que não está preso à órbita do Sol, está a ir-se embora”, reforça Rui Agostinho. Por outro lado, não é nova a sugestão de se usar a pressão de radiação para fazer mover uma nave. “Esta ideia de se usar uma sonda com uma vela, para ser empurrada, já é velha”, refere o astrónomo português.
Mas, como sublinha o professor de Física, “às vezes as teorias demoram muito tempo até serem comprovadas”. E este mistério é bem provável que permaneça, quem sabe se para todo o sempre. “O objeto está a afastar-se, portanto é cada vez mais difícil recolher informação, nomeadamente sobre a sua trajetória inicial e as forças gravíticas a que está sujeito.”
Parece que vamos ter de viver com a dúvida.