O género true crime tem legiões de fãs na televisão. O fenómeno não é recente, mas continua de boa saúde. E para isso basta ver as apostas dos serviços de streaming nas várias séries documentais sobre crimes. A investigação de casos, alguns pelo seu desenrolar hediondo, outros por nunca terem sido resolvidos, é igualmente popular entre os criadores de podcasts. Na sua maioria jornalistas, que se dedicam a apresentá-los e a narrá-los em séries com milhares de ouvintes. Escolhemos seis dessas séries.
A Mulher da Casa Abandonada
O género true crime fez furor no advento do universo dos podcasts, sobretudo nos Estados Unidos e, aquilo que prova este A Mulher da Casa Abandonada, investigação do jornalista e guionista Chico Felitti, lançado pela Folha de São Paulo, e com uma avalanche de downloads desde o primeiro episódio, é que se mantém bem de saúde. Narra a rocambolesca história de Margarida Bonetti, habitante excêntrica de uma casa abandonada num bairro rico de São Paulo, que se diz chamar Mari e é na verdade uma foragida do FBI, acusada de ter escravizado uma empregada nos Estados Unidos durante 20 anos. Ao longo de vários meses, o jornalista investiga a história desta curiosa figura que se apresenta sempre com uma grossa pomada de camada branca na cara, acabando por viajar até aos Estados Unidos à procura de pistas sobre o ex-marido e as pessoas que conheceram o casal na época. Deixamos o enredo para os ouvintes, mas frisamos apenas que depois do podcast, as denúncias de trabalho doméstico em condições de escravatura duplicaram no Brasil.

In the Dark
Perdoe-se o recuo no tempo, mas há programas intemporais. Caso deste In the Dark, podcast de investigação que lançou a primeira temporada em 2016. A segunda, estreada em 2018, figurou em várias listas dos melhores do ano da época (Wired, New Yorker, The Atlantic, entre outros) e foi apresentando novos episódios até 2020, como acompanhamento de um caso policial. Produzido pela American Public Media Reports, apresentado pela repórter Madeleine Baran, tem o mesmo efeito que qualquer boa série policial de televisão: a história agarra nos primeiros minutos e entra-se num registo de binge listening (ouvir sem parar) até se chegar ao fim de cada temporada. A primeira temporada debruça-se sobre os erros cometidos pelas forças policiais na investigação do rapto a uma criança ocorrido numa pequena localidade do Minnesota em 1989 – e nem a confissão do raptor a poucas semanas de estreia do podcast, destrói a vontade de o ouvir; a segunda, apresenta Curtis Flowers, acusado seis vezes do mesmo crime e acompanha as reviravoltas com a justiça e os tribunais nos últimos anos.

Serial
Em 2014 nascia o Serial, um dos podcasts de investigação mais populares de sempre. Um trabalho sério de pesquisa sobre um assassinato ocorrido em 1999 e apresentado em 12 episódios, com entrevistas a muitos dos envolvidos no caso – e não só. O programa ganhou uma vasta legião de ouvintes, abriu caminho para a exploração do género de jornalismo de investigação em podcast e, pelo caminho, deu origem a uma série de quatro episódios da HBO. Relata a história de Adnan Syed, condenado em 2000 a prisão perpétua pelo suposto assassinato da namorada, Hae Min Lee, algo que o próprio sempre negou. Sarah Koenig decidiu investigar o julgamento e as provas que levaram à condenação e, graças ao seu trabalho, o caso foi reaberto. Teve desenvolvimentos nos últimos anos, com alguns episódios posteriores feitos pelos criadores do podcast, até que finalmente, em outubro deste ano, após 23 anos encarcerado, Adnan Syed foi ilibado. O momento deu, claro, origem a um novo episódio. O podcast teve mais duas temporadas, com temáticas diferentes, mas nenhuma tão forte quanto a inaugural.

Praia dos Ossos
Com forte cultura de podcasts, do Brasil chega outro programa que mergulha num caso de justiça, ocorrido há quase 50 anos, e que foi de importância extrema no movimento feminista brasileiro. Noite de 30 de dezembro de 1976, discussão feia entre o casal de Ângela Diniz, socialite brasileira, e Doca Street, empresário, em Búzios, na Praia dos Ossos. Doca sai de casa e volta mais tarde para assassinar a namorada com quatro tiros de Beretta. Fugiu à polícia durante semanas, acabou por se entregar mais tarde e foi julgado e condenado pela morte de Ângela, com o processo a sofrer uma enorme reviravolta. O acusado invocou a defesa da ‘morte por amor’ e quase todo o julgamento se desenrolou à volta da moral feminina da vítima. Sem mais spoilers, vale a pena ouvir Praia dos Ossos, onde os autores se debruçam sobre as questões judiciais em torno do tema do femicídio.

Chameleon: Hollywood Con Queen
Considerado um dos melhores podcasts do ano 2020 pela revista Rolling Stone, este inquietante programa conta a história de um esquema fraudulento que atingiu vários trabalhadores de Hollywood nos últimos anos, entre treinadores, stylists e maquilhadores. Tudo partia de um telefonema de uma suposta mulher com um cargo de topo numa produtora de Hollywood a apresentar um filme que ia ser rodado na Indonésia. Depois de algumas conversas iniciais, desafiava os interlocutores a irem até Jacarta – com todas as despesas pagas pelos próprios – para o arranque das filmagens que, claro está, não existiam. Lesados em milhares de dólares, os envolvidos testemunham sobre o sucedido para a investigação dos jornalistas Vanessa Griogoriadis e Josh Dean, que mergulham fundo na história da figura conhecida como Hollywood Con Queen, até chegarem a um surpreendente e revelador final.

Park Predators
O nome vai direto ao assunto: este é um podcast sobre crimes ocorridos dentro de parques nacionais. Os Estados Unidos estão cheios deles (parques e crimes) e a jornalista de investigação Delia D’Ambra aposta nesta ligação – assustadora, diga-se – como base do seu podcast. Park Predators foi lançado em 2020, já vai na terceira temporada, alargou as fronteiras geográficas a outros países, como o Canadá e a Austrália, com cada episódio a dedicar-se a um crime ou desaparecimento, alguns casos ainda sem conclusão definitiva. Com uma frase introdutória muito clara, “sometimes the most beautiful places hide the darkest secrets”, a autora afiança, logo no episódio de apresentação, que os parques naturais são sítios perfeitos para a prática de um crime, e nem os passarinhos a cantar da natureza utilizados como banda sonora em algumas alturas, ajudam a aliviar a tensão de quem está a ouvir.