“Uma agenda transformadora.” Eis como o novo Governo da AD define o seu programa, que se centra em dez eixos fundamentais: um, política de rendimentos; dois, reforma do Estado; três, economia e riqueza; quatro, Imigração (regulada e humanista); cinco, serviços públicos com complementaridade entre oferta pública, privada e social; seis, segurança e combate à corrupção; sete, habitação; oito, infraestruturas: nove, água (mudanças climáticas), e dez, Defesa.

Num primeiro enunciado, encontramos aqui algumas bandeiras liberalizantes, sobretudo se, ao longo do programa de 250 páginas, começarmos a ler as letras pequeninas, como as dos contratos das seguradoras. Na política de rendimentos, valoriza-se o “mérito” e esse conceito parece estar, depois, conectado com as apostas relacionadas com a criação de riqueza e a flexibilização das leis laborais. Na complementaridade prevista para os serviços “de qualidade”, entre oferta pública e privada, esconde-se, como gato com o rabo de fora, a ideia de envolver os privados no espetro de oferta do SNS. Na Habitação, a estratégia é ligar a oferta pública à constituição de PPP, uma receita milagrosa em tempos ensaiada na Saúde, mas também nas grandes obras públicas, como a da construção de autoestradas, lançadas por governos de Cavaco Silva (Ponte Vasco da Gama) ou de José Sócrates. O capítulo da segurança segue as perceções do nosso tempo, onde também encontramos as bonitas palavras do combate à corrupção (embora investigação ao crime de colarinho branco e polícia de giro sejam temas completamente diferentes). Trata-se de dar, de uma assentada, uma resposta à agenda populista ou, melhor dito, da “apropriação cultural” dessa agenda. Tal como acontece no tema da imigração “regulada”, cujo teor populista o Governo bloqueia com a junção do termo “humanista”.

Este programa de Governo não desilude, no sentido em que assume claramente o seu pendor de centro-direita (até na insistência para a baixa do IRC, por exemplo, de que voltaremos a ouvir falar bastante na pré-discussão do próximo Orçamento do Estado), numa mistura curiosa entre tendências sociais-cristãs e influências liberais. E não desilude porque corresponde às opções sobejamente conhecidas de uma área política agora reforçada pelo voto popular. Mas o programa, por isso mesmo – e porque o Governo está relegitimado com uma força eleitoral aumentada –, é o texto mais ideológico de todos os que foram apresentados nos últimos dez anos, governos apoiados pela Geringonça incluídos. E o mais curioso é que, mesmo assim, foi aquele que passou, na Assembleia da República, com menos resistência por parte da oposição (nomeadamente, a do PS), devido às circunstâncias políticas e eleitorais decorrentes do resultado eleitoral de 18 de maio.

O programa situa-se muito à direita dos esboços apresentados, nos anos 90 do século passado, pelos executivos de Aníbal Cavaco Silva. Evidentemente que isso nada tem de errado, na medida em que se trata de um governo legítimo, democrático e de escolha popular reiterada. Em tempos de muita incerteza e fragmentação partidária, os 31 deputados que a AD tem de vantagem sobre o segundo partido mais votado – e os 33 relativamente ao terceiro – parecem ter dado a Luís Montenegro a ilusão de uma maioria absoluta. No fundo, em tempo de perceções, o Governo também tem a sua. E esta perceção “absolutista” é reforçada pelo facto de a AD saber que o PS quer tudo menos eleições, nos próximos tempos, e nada fará, a curto e médio prazo, para derrubar o Governo. Mas também é cimentada pela “blindagem constitucional” que protege o Executivo: haja o que houver, ele encontra-se a salvo de qualquer perspetiva de novas eleições, no prazo de um ano e meio.

Ora, é precisamente esta “blindagem” que, paradoxalmente, também reforça o poder negocial do PS. Os socialistas sabem que, mesmo que o próximo Orçamento seja chumbado, o País não irá para eleições. Assim, se Montenegro quiser impor tudo o que lhe apetecer, o PS pode, portanto, simplesmente, votar contra o próximo Orçamento e obrigar o Chega a juntar-se à AD – um desiderato que, ironicamente, Pedro Nuno Santos, apesar de tentar, nunca alcançou… – ou obrigar Montenegro a ficar bloqueado por um orçamento de duodécimos, coartando boa parte das possibilidades à sua “agenda transformadora”. Foi por isso que a aprovação do programa do Governo, esta semana, não teve história – mas também é por isso que a discussão do Orçamento do Estado para 2026 será muito mais interessante do que agora se imagina.

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A cimeira da NATO em Haia, a 24 e 25 de junho de 2025, surge num momento de viragem histórica para a Aliança Atlântica e para a própria arquitetura de segurança europeia. Com Donald Trump de regresso à presidência dos Estados Unidos da América, o futuro da NATO encontra-se numa encruzilhada: entre a reafirmação do compromisso transatlântico e a possibilidade de um novo paradigma, mais europeu, para a defesa coletiva.

O grande elefante na sala de Haia será, sem dúvida, a exigência de Trump de que os aliados aumentem as suas despesas de defesa para 5% do PIB. Esta proposta, que mais do que duplica a já ambiciosa meta dos 2%, é vista por muitos na Europa não como um apelo à partilha de encargos mas como uma prova de lealdade transacional. A Europa enfrenta, portanto, um desafio que implicará escolhas políticas difíceis e, possivelmente, impopulares.

A lógica de Trump é simples: os EUA querem libertar-se do fardo da segurança europeia para focar-se no Indo-Pacífico e nas suas fronteiras. Ao questionar o compromisso norte-americano com a NATO, sobretudo face a aliados que investem pouco em defesa, reabre-se o debate sobre a fiabilidade do guarda-chuva nuclear dos EUA.

Perante a imprevisibilidade de Washington, cresce na Europa a urgência de uma NATO mais autónoma, menos dependente dos EUA. A famosa “autonomia estratégica” está no centro do debate; ambígua para uns, essencial para outros. Já não basta gastar mais, é preciso gastar melhor. É preciso reforçar a produção industrial, a logística, a inteligência e o comando europeus. França, Reino Unido e outros países europeus lideram esforços para apoiar a Ucrânia e, no futuro, garantir a defesa europeia, mesmo sem envolvimento total de Washington.

Este cenário traz riscos e oportunidades. Por um lado, uma NATO mais europeia pode reforçar a coesão e a resiliência do continente, tornando-o menos vulnerável a mudanças de políticas em Washington. Por outro lado, a ausência dos EUA significaria perder, a curto prazo, acesso a recursos, inteligência e capacidades militares sem paralelo, o que poderia enfraquecer a dissuasão face à Rússia.

Mas será que Paris e Londres estarão verdadeiramente disponíveis para complementar, ou, em último caso, substituir, a dissuasão nuclear dos EUA na Europa? E qual será o papel da Alemanha neste contexto? São tudo questões que a curto e médio prazo não têm uma resposta concreta.

Não obstante, no passado dia 5 de junho, em Bruxelas, e no âmbito da preparação da próxima Cimeira da NATO, os ministros da Defesa da Aliança acordaram, em princípio, aumentar a despesa relacionada com a segurança para 5% do PIB até 2032. Deste montante, 3,5% serão alocados diretamente a despesas militares, enquanto os restantes 1,5% serão destinados a áreas conexas, como infraestruturas e cibersegurança. Esta decisão constitui uma resposta direta às exigências dos EUA e à pressão exercida pelo Presidente Donald Trump.

Para Portugal, membro fundador da NATO, o dilema é claro: alinhar com as exigências norte-americanas, mesmo à custa de pesados investimentos, ou apostar numa maior integração europeia na defesa, sem perder o vínculo transatlântico. A resposta não é simples. O País depende do equilíbrio entre a solidariedade atlântica e a construção de uma Europa da Defesa, capaz de responder autonomamente às ameaças do século XXI.

Se a NATO confirmar, na próxima cimeira, a meta de destinar 5% do PIB à Defesa até 2032, uma expectativa do secretário de Estado Marco Rubio nas felicitações do Dia de Camões aos portugueses, Portugal enfrentará uma transformação profunda na gestão orçamental. Este esforço exigirá mais do que vontade política. Será preciso implementar reformas estruturais, investir em projetos na área da Defesa e aumentar a eficiência. Além disso, será essencial alinhar-se de forma mais estreita com a estratégia europeia para a Defesa.

Um instrumento que poderá ser relevante neste contexto, como solução imediata, é a Cláusula de Escape Nacional do novo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ao abrigo do artigo 26 do Regulamento (UE) 2024/1263, os Estados-membros poderão aumentar temporariamente a despesa em defesa até 1,5% do PIB por ano, mesmo ultrapassando o défice de 3%, sem incorrer em sanções. Portugal já sinalizou a intenção de recorrer a este mecanismo.

A defesa nacional está, assim, a emergir como prioridade orçamental. Mas o verdadeiro desafio será garantir que este investimento não compromete outras áreas sociais fundamentais. Um equilíbrio delicado que exigirá, por parte de Portugal, uma maior coordenação entre parceiros europeus, sem comprometer a sua relação transatlântica.

Além do aumento da despesa em defesa, não se pode ignorar como a Aliança lidará com as ameaças. Destaca-se, em particular, a aproximação sino-russa no xadrez geopolítico global. Esta transição de poder desafia a preeminência dos EUA e do Ocidente na ordem mundial, bem como a sua influência em regiões como a África e a América do Sul. À luz de possíveis negociações de cessar-fogo entre Washington, Kiev e Moscovo, importa ainda perceber como a Rússia continuará a ser classificada. Qual é o grau de ameaça à segurança euro-atlântica? E a China? Passará a integrar essa mesma avaliação? A resposta poderá estar no Communiqué final da Cimeira de Haia.

Neste contexto, a questão do apoio à Ucrânia continuará a ser central. A relutância de uma administração Trump em manter o nível de ajuda a Kiev é uma preocupação palpável. A Europa terá de demonstrar em Haia, se assim o quiser, que está preparada para assumir uma maior fatia do fardo, não apenas financeiramente mas também no fornecimento de equipamento militar e no treino das forças ucranianas. A cimeira de Haia será portante um teste decisivo à capacidade europeia de transformar discurso em ação.

Por último, urge uma reflexão estratégica sobre os novos desafios tecnológicos. O que decidirá a Aliança sobre a ameaça aos sistemas de defesa de mísseis, especialmente em relação aos mísseis hipersónicos adversários? Qual será o impacto da Inteligência Artificial e da tecnologia quântica nos processos de tomada de decisão no futuro próximo? E nas rules of engagement da NATO (ROE)? Que resposta dará a cimeira a estas questões? Ou se dará de todo.

A cimeira de Haia será, portanto, um momento decisivo para a NATO responder a estas questões e pôr à prova a sua capacidade de se reinventar num mundo cada vez mais multipolar e imprevisível. Embora não se esperem respostas definitivas, as discussões e decisões ali tomadas irão moldar de forma determinante o rumo da Aliança para a próxima década.

O destino da Aliança Atlântica joga-se, mais do que nunca, na encruzilhada entre Trump e a Europa. Haia será o palco onde se decidirá se os EUA continuarão a ser o pilar quase exclusivo da segurança e defesa coletiva europeia, ditando as suas regras, ou se a NATO se transformará, finalmente e progressivamente, numa verdadeira aliança de iguais entre os EUA e a Europa.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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Em média, um cidadão europeu consome, em cada ano, 30 000 kW de energia. Um americano, mais do dobro. O número per se é difícil de alcançar ‒ não é tangível. Numa tentativa de materializar o valor, fazem-se cálculos. Um dos mais expressivos é calcular em força humana o que tal significa. O que representaria ter as mesmas comodidades, sem energia barata, mas apenas com força braçal. Cada europeu teria, no mínimo, ao seu serviço 500 homens, 10 horas por dia… segundo estimativas conservadoras.

Multiplique-se esse valor por milhões de pessoas e não admira que estejamos a viver uma catástrofe climática (ora que os termos “aquecimento global” ou “alterações climáticas” nos parecem eufemismos, quando diariamente nos chega mais uma notícia de uma inundação de proporções bíblicas ou de um glaciar que colapsou sobre uma aldeia nos Alpes).

Este consumo de energia está agora à beira de aumentar exponencialmente em resultado da Inteligência Artificial e, de acordo com a informação mais recente, não será com energia limpa. Estima-se que alimentar os data centers ‒ onde são treinados os modelos de LLM (Large Language Models) e processados os pedidos dos utilizadores – implicará, até 2028, um aumento de 20% do consumo de energia, só nos Estados Unidos da América. Embora as Big Tech anunciem o seu compromisso com a neutralidade carbónica nas próximas décadas, tal não é coerente com os projetos de construção de centrais de gás natural em marcha, para garantir uma utilização 24 horas, 7 dias por semana. E sendo certo que em média tais centrais têm uma vida útil de 30 anos, irão certamente manter-se em funcionamento, mesmo que no entretanto as centrais nucleares planeadas sejam efetivamente construídas. Curiosamente, a energia nuclear é agora apresentada como “limpa” e “segura”, não obstante os problemas conhecidos com o tratamento dos resíduos em Fukushima e Chernobyl serem acontecimentos relativamente recentes, cujas regiões continuarão, para sempre, como zonas interditas, dado os níveis de radiação.

Mas é inevitável que assim seja? Na verdade, não. É um tema de planeamento de fontes de produção e regras de utilização. A produção elétrica encontra-se dimensionada para os picos de utilização e, em média, apenas 53% da energia produzida é efetivamente utilizada. Igualmente os picos de grande intensidade de utilização não representam mais de 80 a 90 horas ao longo do ano (dados do Electric Power Research Institute – um centro de investigação norte-americano).

Um estudo recente, da Duke University, demonstra que uma utilização mais flexível da energia pelos data centers permitiria absorver o aumento do consumo, sem aumentar significativamente a capacidade de produção. Mas para tal será necessário os reguladores intervirem, pois as Big Tech insistem em poder oferecer os seus serviços 24 horas, 7 dias por semana, sem flutuações, interrupções ou limitações. Mas sendo a segurança energética e a sustentabilidade climática um problema de todos, é razoável que as políticas de produção energética sejam determinadas por um número restrito de empresas, apostadas apenas em maximizar o lucro?

A Europa prepara-se para investir na sua própria infraestrutura de data centers, de forma a treinar os seus modelos LLM (assegurando autonomia estratégica), e as Big Tech norte-americanas já anunciaram investimentos nos seus data centers localizados na Europa. É, por isso, fundamental assegurar que tal não implicará um aumento do consumo de energia fóssil que ponha em causa os compromissos de descarbonização. Igualmente importa compreender como será determinada a tarifa aplicável às Big Tech. Nos EUA, as Big Tech estão a celebrar contratos privados de forma a garantir tarifas especiais, na prática, transferindo para o retalho o custo das novas estruturas. Importa exigir transparência na efetiva energia consumida (a treinar modelos, a responder a questões, a gerar fotos e vídeos) e regular as fontes de energia, de forma a planear adequadamente; agora que a utilização da Inteligência Artificial se torna cada vez mais presente e o seu uso impossível de evitar.

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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Inicia-se uma nova legislatura e, com ela, uma renovada oportunidade. Depois de termos assinalado (num artigo aqui publicado a 8 de maio de 2025, sob o título “A conversa do costume”) que a campanha eleitoral pouca ou nenhuma importância tinha dado às questões da Justiça, eis que se conhece o que o Governo tem programado para esta área. Ao longo de catorze páginas, o novo programa para a legislatura foca diversos objetivos que vão desde a valorização das carreiras, à gestão do património da Justiça e dos seus recursos financeiros, à transformação digital, passando pela celeridade processual, sublinhando os direitos das vítimas de crime, a que acresce a questão da organização judiciária, do sistema prisional e de reinserção social, da segurança, da revisão do Código de Execução das Penas, finalizando com o combate à corrupção.

São muitos temas, com muitas metas e, portanto, um conjunto vasto de frentes tendo em mente aquilo que o Governo começa por enunciar de forma lapidar: “A Justiça precisa de uma reforma sólida.”

Em primeiro lugar, cumpre saudar e louvar o ímpeto de ação que o Governo proclama pretender imprimir ao setor da Justiça. Ao longo dos últimos anos tem-se assistido com perplexidade que, apesar dos contributos sólidos, consistentes e aprofundados que as várias profissões jurídicas têm dado nesta matéria, o que sucessivamente se constata é que os mesmos não têm chegado ao porto desejado. E desta forma gera-se, não apenas, uma enorme frustração por parte de quem trabalha no sistema, como daqueles a quem o mesmo deve servir. Em contraponto, quem tem a real competência para realizar as tão necessárias alterações, fica-se, quase sempre, pelas proclamações. Contudo, diga-se, em jeito de alerta, que a vontade não pode toldar a prudência, o equilíbrio e a ponderação, motivo pelo qual, sobretudo em matérias nevrálgicas para a vida dos cidadãos, como é a Justiça, impõe-se que as ditas reformas não sejam fruto do impulso do momento ou, pior, de uma vontade populista ou justiceira de mudar para responder a intuitos que não sejam o de servir as pessoas reais.

Neste contexto, saúda-se como positivo que o Governo coloque suficiente água na fervura quando assinala que uma reforma deve ser executada com um horizonte temporal alargado que vá para além de uma legislatura. A variável geometria parlamentar das últimas legislaturas, bem como a “queda” de sucessivos Governos, não tem, de facto, permitido o estabelecimento de linhas de continuidade nesta área, sendo certo que isso não é o mais desejável numa democracia madura. Com efeito, não é sem algum desânimo que se constata que, desde o malogrado “Pacto para a Justiça”, passando por outros contributos mais recentes, como a Agenda da Reforma da Justiça, acabando na “Carta para a celeridade e melhor Justiça”, todos os estudos, mesmo que muito aprofundados, têm sido simplesmente colocados na prateleira.

Ainda assim, o Governo propõe-se “constituir um [novo] grupo de trabalho composto por especialistas (Universidade, Magistrados e Advogados), para elaboração de anteprojeto para impulsionar a celeridade processual”. Não obstante os recomeços “a partir do zero” permitam antever resultados mais longínquos e não necessariamente consequentes, no que se reporta aos juízes, tal como sempre tem vindo a suceder, a disponibilidade para intervir e colaborar é total, sendo que uma reforma sem os «inputs» de quem está no terreno estaria sempre fragilizada por não contemplar todas as variáveis. Pretende-se, em todo o caso, que se legisle menos, mas com mais acuidade. Que se reforme a Justiça de forma cirúrgica e certeira, mas que se testem os resultados, dando tempo para que os mesmos se consolidem. E, já agora, que se exijam resultados, mas após se fornecerem os efetivos meios e recursos.

Nesta linha de pensamento, também registamos o realismo do Governo quando assinala “a falta de recursos como um dos problemas a ter em conta”, bem como a necessidade de “gestão racional do património da Justiça”. Não é, pura e simplesmente, admissível que órgãos de soberania como os tribunais atuem, em grande percentagem, em edificados arrendados, com altos custos para o Estado, correndo, em certos casos, risco de despejo por estarem sujeitos à possibilidade de um qualquer senhorio não lhes renovar o contrato. Tal como não é admissível que se perpetue uma cultura em que os edifícios dos tribunais são levados até ao limite da sua utilização, sem manutenção de espécie nenhuma, levando a que qualquer intervenção corretiva, porque feita em cenário extremo, seja brutalmente mais dispendiosa para o erário público.

Por outro lado, não podemos deixar de assinalar uma vontade muito clara de “transformar digitalmente” a Justiça. Todavia, cumpre assinalar que não há revolução tecnológica que nos valha quando, por exemplo, os computadores distribuídos aos magistrados estão no limite do obsoleto, com baterias sem qualquer autonomia e com sucessivos recondicionamentos.

A casa não se constrói pelo teto, mas pela base. E os pilares prioritários para o bom funcionamento da Justiça devem assentar no primeiro ponto que o Governo, e bem, assinala: “Dar condições a quem nela trabalha”. Neste âmbito, começa a ficar gasta a expressão “aumento da atratividade das carreiras”, mas a verdade é que sem a preponderância deste elemento, o sistema fica fragilizado de raiz. No que se reporta às magistraturas, cumpre sublinhar de forma muito clara que o respetivo sistema de progressão está estagnado há demasiado tempo. E esse é um fator de desmotivação nos tribunais, como seria em todo e qualquer setor de atividade. A abertura de um novo polo do Centro de Estudos Judiciários é uma medida positiva a montante, mas não resolve tão cedo o gigantesco problema que está a jusante e que se prende com o pouco que se pode almejar quando, por exemplo, o acesso aos tribunais superiores se alcança cada vez mais tarde e sempre, ano após ano, à desesperante velocidade de um conta-gotas. E se as assessorias seriam em tese uma solução de futuro, nunca as mesmas assim se podem chamar no modelo em que estão implementadas. A realidade nua e crua é que os juízes da primeira e segunda instâncias estão a trabalhar, na quase totalidade dos casos pendentes, sem qualquer assessoria, inexistindo um investimento nesta área que realmente tenha impacto com significado na atividade dos tribunais.

Por outro lado, o Governo propõe-se “aumentar o recurso a meios alternativos de resolução de litígios”. Ora, quando a Justiça mais precisa de investimento, cremos que a “desjudicialização” nunca é a melhor solução. A Justiça pública, enquanto direito fundamental dos cidadãos e enquanto função soberana do Estado, se dotada dos meios necessários, indubitavelmente que alcançará melhores resultados. Teimar em desviar recursos para outros mecanismos quando os tribunais insistentemente reclamam por meios materiais, logísticos e humanos é, a nosso ver, um mau princípio que apenas legitima a perpetuação do discurso da necessidade da própria reforma.

Já no que se reporta ao acesso à Justiça, é positivo que o Governo assinale que o montante elevado das custas constitui, frequentemente, um obstáculo para os cidadãos. Importa por isso que as mesmas sejam revistas e ajustadas, penalizando as ações processuais comprovadamente abusivas, mas também beneficiando os cidadãos que, uma vez em tribunal, logram alcançar, com a mediação daquele, uma solução consensual para os seus litígios, fazendo corresponder as custas aplicáveis à dimensão da atividade jurisdicional num critério de justa proporcionalidade.

Por outro lado, o Governo coloca especial ênfase na questão da celeridade processual, sobretudo direcionando as suas medidas para a jurisdição penal e para a jurisdição administrativa e fiscal. No que diz respeito à primeira, importa notar que já existem contributos muito relevantes, designadamente provenientes da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e do Conselho Superior da Magistratura no que respeita às questões relativas ao desenho da fase de instrução em processo penal, em matéria de recursos e seus efeitos e também e matéria dos chamados “megaprocessos”, pelo que boa parte das reflexões e das possíveis soluções já estão há muito pensadas. Por outro lado, no que diz respeito à justiça administrativa e fiscal, espera-se por melhor concretização sobre o que pretende o Governo quando aponta como meta a preparação de “alterações legislativas tendentes à simplificação e agilização da tramitação processual na primeira instância”, sendo certo que há muito que se reclamam mais meios para esta jurisdição, e também ao nível da segunda instância com a instalação, em definitivo, de um Tribunal Central Administrativo na zona Centro.

Finalmente, vê-se com muito bons olhos que se inscreva na agenda um conjunto de medidas para promoção dos direitos das vítimas de crime, que criem maior justiça e melhor reparação sobretudo na criminalidade que maiores danos provoca, bem como um conjunto de medidas de organização judiciária, que há muito são reclamadas, e que garantirão maior eficiência no sistema (designadamente com a abolição do sistema de controlo presencial das operações de distribuição), bem como a sua subsistência no longo prazo (com o alargamento da base de recrutamento para o Supremo Tribunal de Justiça).

A tarefa é árdua, mas merece empenho e colaboração, pois que é tempo de se deixar o perpétuo discurso da reforma da justiça para, finalmente, se começar a sua implementação efetiva.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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Os céus do Irão e de Israel continuam a ser palco de uma escalada militar sem precedentes, desde que Israel lançou um ataque-surpresa sobre instalações nucleares e militares iranianas, aumentando ainda mais a espiral de confronto, medo e incerteza na região do médio oriente. Recolhemos os testemunhos de diversos cidadãos iranianos, que, por razões de segurança, foram identificados com nomes fictícios. 

Em Teerão, Navid, um empresário na área da logística de 40 anos, descreveu como “bastante violento” o primeiro ataque israelita, que vitimou várias figuras de topo do regime iraniano. “Estamos bem, mas foi um grande ataque e houve muitos generais mortos. Deviam era ter matado o Khamenei, o líder supremo, era um favor que nos faziam e isto resolvia-se de imediato”, afirma com ironia.

Segundo Navid, os sistemas de defesa aérea iranianos foram hackeados pelos israelitas na véspera dos ataques e “foi por isso que mataram tantos generais e cientistas nucleares”. Enquanto falava, sons de explosões podiam ser ouvidos ao fundo.

Teerão Os habitantes da capital iraniana têm demonstrado a sua resiliência perante as adversidades
Foto: Abedin Taherkenareh/ LUSA

Ainda na capital, a engenheira informática Shirin, 31 anos, falou de uma noite “muito stressante”, mas destacou a resiliência da cidade. “É muito interessante ver a calma com que Teerão acordou, como se nada tivesse acontecido.”

A professora Zahra, 29 anos, realçou também que não se sentiu em perigo durante os ataques: “Vivo próximo das embaixadas ocidentais, por isso acredito que estou segura. Israel não se vai atrever a atacar esta zona.”

Fora da capital, Ramin, um motorista de 37 anos residente em Shiraz, no Sudoeste do país, descreveu o impacto inicial como “um choque muito grande”. Devido a compromissos profissionais, deveria ter partido para Teerão nessa manhã, mas ao ouvir as notícias percebeu logo que já não ia. Apesar de tudo, realça, “as pessoas estão calmas, mas há uma grande preocupação quanto ao escalar do conflito”.

No centro do país, em Yazd, o chefe de cozinha Bijan, 35 anos, relatou que, pela primeira vez, sentiu que o país estava em guerra. “Vi as luzes dos mísseis a cruzar o céu de Teerão através dos vídeos que o meu irmão me enviou e foi uma sensação muito estranha, porque parecia um espetáculo de luz, mas era mesmo a guerra a chegar até nós.”

Kourosh, um comerciante de 51 anos em Kashan, uma cidade a pouco mais de 200 km de Teerão, expressou uma dor mais existencial: “Aqui estamos todos bem, mas as nossas almas não. Não entendo o porquê desta guerra. Netanyahu está a transformar esta região num inferno.”

Receio da escalada

No segundo dia, a tensão manteve-se. Navid descreveu novamente “ataques a bases militares e casas de generais”, reconhecendo ainda que, no meio do caos e do medo, a guerra transformou-se também num imenso debate nacional. “Ninguém gosta deste regime, mas toda a gente ficou de certa forma satisfeita quando repelimos ataques e contra-atacámos Israel. É uma sensação muito estranha, porque nos sentimos realmente divididos nesta questão”, assume.

Telavive Alguns mísseis iranianos têm conseguido ultrapassar o sofisticado sistema de defesa israelita
Foto: Abir Sultan/ LUSA

Shirin confessou que ainda se sentia segura, apesar do som das explosões ao longe. “Acredito que tudo se vai resolver, mas viver estes momentos é muito difícil.” Já Zahra, que inicialmente se sentia protegida, admitiu não se sentir tão segura ao segundo dia de guerra. “Ouvimos muitas explosões, inclusive uma no centro de Teerão. Não consigo dormir.”

Em Shiraz, Ramin admitiu dificuldades de acesso à internet em certas regiões do país: “Nas zonas mais bombardeadas nem sequer há internet. Aqui em Shiraz está tudo normal, à exceção dos VPN, que estão a falhar. Afinal, parece que a guerra vai durar mais algumas semanas e teremos de nos habituar a esta nova realidade.” A mesma incerteza que Kourosh, em Kashan, também refere: “Há uma calma muito tensa na cidade, mas continuamos bem, embora sem sabermos ao certo o que esperar.”

A guerra chegou

Ao terceiro dia de ataques, Navid sublinhou a escalada do conflito, tal como muitos já previam. “Israel atacou reservas de combustível e o Irão respondeu com o maior ataque desde o início da guerra. As pessoas estão assustadas. Ninguém quer este regime, mas também não queremos ser atacados por um país estrangeiro.”

Teerão Os habitantes da capital iraniana têm demonstrado a sua resiliência perante as adversidades
Fotos: Abedin Taherkenareh/ LUSA

Em Teerão, Shirin revelou que “a população já foi aconselhada a refugiar-se no metro, pois os ataques estão a aproximar-se das áreas residenciais”, Tal como Zahra confirmou: “Israel atacou alguns depósitos de petróleo em Teerão e, neste momento, oiço as explosões enquanto falo.”

Navid acrescentou ainda que “algumas pessoas já deixaram Teerão e foram para as aldeias”. Garante sentir-se “ainda seguro, por viver longe dos alvos israelitas”, mas os cidadãos comuns que vivem nos mesmos bairros dos generais ou perto de bases e instalações do governo também estão a ser vítimas dos ataques.

Uma sociedade dividida

Entre os relatos recolhidos, emerge uma sociedade dividida entre a rejeição de um regime opressor e o receio legítimo de uma intervenção estrangeira. E se a guerra trouxe, como habitualmente, destruição e morte, também desencadeou reflexões profundas sobre identidade, soberania e esperança num futuro melhor.

Enquanto as bombas continuam a cair e os céus se iluminam com mísseis, os iranianos tentam manter alguma normalidade, entre sirenes, abrigos subterrâneos e redes de VPN instáveis. As vozes aqui ouvidas mostram acima de tudo a complexidade de um país em guerra e raramente ouvido, mas que nem por isso deixa de ser resiliente e, principalmente, humano.

Aniquilar as ameaças

O ataque ao Irão é a mais recente etapa de uma estratégia israelita para fazer desaparecer os principais inimigos na sua vizinhança

Em apenas dois dias, Israel não só conseguiu destruir as principais instalações nucleares do Irão e decapitar o seu comando operacional, mas também alcançou uma proeza que a Rússia, de Vladimir Putin, está há mais de três anos e meio a tentar obter na Ucrânia: ter superioridade aérea sobre metade do país.

O ataque ocorreu de acordo com um plano que, segundo o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, tem sido executado de forma “sistemática e organizada” para eliminar todos os inimigos na região, após os atentados de 7 de outubro de 2023. Tudo começou com a eliminação de vários líderes do Hamas (um deles, há cerca de um ano, num ataque em Teerão) e, em seguida, dos dirigentes do Hezbollah, no Líbano.

A verdade é que Israel conseguiu, desta vez, apanhar os iranianos de surpresa, já que o regime de Teerão se preparava para iniciar uma nova onda de negociações com os EUA, acerca do seu programa de desenvolvimento nuclear. Isso explica que muitos dos alvos tenham sido abatidos quando ainda se encontravam na cama, em suas casas, através de ataques cirúrgicos de grande precisão, que terão contado com uma rede de informadores no terreno.

Segundo o jornal turco Hürriyet, a operação terá sido planeada pela Mossad ao longo de oito meses e teve três fases. A primeira foi a de neutralizar os meios antiaéreos iranianos usando armas guiadas de precisão. A segunda foi a da introdução de “armas modernas” no interior do território. E, finalmente, a da instalação de uma base secreta de drones equipados com explosivos, para neutralizarem as plataformas de lançamento de mísseis iranianos.

Palavras-chave:

1. Pertencendo à geração que nasceu na época da II Guerra Mundial, ou na sua imediata sequência, após a vitória do “mundo livre” sobre o nazi-fascismo, confesso nunca ter pensado viver um tempo em que se verificasse tamanha regressão em termos de humanismo, valores, democracia. Em termos de Direitos Humanos. Ou, por outras palavras, desrespeito pelos direitos e pela dignidade de pessoas e povos, violência e crueldade levadas ao limite, até contra inocentes indefesos, violação grave e constante de princípios básicos de honestidade intelectual, boa-fé, compreensão, tolerância.

Logo depois daquela vitória, em 1945, a criação da ONU, juntando todos os países do mundo para garantir a paz, tomar medidas sobre as grandes questões universais e ajudar ao desenvolvimento, foi uma grande conquista e representou uma grande esperança. Mas o cumprimento do Direito Internacional constituía pressuposto essencial para a prossecução do seu primeiro objetivo. E o desprezo pelas normas desse Direito foi sendo cada vez maior e mais grave, sem a ONU ter meios para o impedir ou sancionar.

E assim chegamos aonde chegamos. Não por acaso sendo Israel o país que na ONU ao longo dos anos mais decisões violou e recomendações incumpriu. Agora, o genocídio em Gaza e a proibição da ajuda humanitária aos que aí vão morrendo de fome, mormente crianças, são a mais trágica e expressiva imagem do que hoje se passa no mundo. Mas não a única, há outras, entre as quais a da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Entretanto, a outro nível, só político, sem “extermínio” ou conflito armado, a imagem mais expressiva deste dramático tempo é Donald Trump: um misto explosivo de sede/ostentação de poder, ausência de formação cívica/cultural e de espírito democrático. De par com outras características, tudo fazendo dele, à frente da maior potência planetária, uma ameaça para o mundo.

E também Trump não é único. Recorde-se, por exemplo, Jair Bolsonaro, que está a ser julgado por tentativa de golpe de Estado – depondo, com um ar cordato, quase de “cordeiro manso”, jurando, contra as evidências, que sempre jogou dentro das “quatro linhas” da Constituição.

2. Longe e perto, há muitos a apoiar aqueles e outros crimes, numa lamentável passividade ou num indesculpável silêncio a seu respeito. Longe e perto, há quem tenha em Trump um farol: e alguns, se chegados ao poder, poderiam ser ainda piores. O que por um lado é consequência e por outro potencia o clima de ódio, violência, intolerância, mentira, que se vive em várias latitudes. Reduzidos a zero ou à expressão mínima, como estão no Ocidente, regimes criminosos e totalitarismos de sinal oposto, tudo isto se traduz em ressurgimento e ação de grupos nazi-fascistas, e/ou crescimento exponencial de uma extrema-direita que às vezes deles se aproxima e sempre lhes constitui fator propício. 

Vêm estas obviedades, que não resisti a trazer à colação, para “enquadrar” os recentes atos de violência e as ameaças de cariz fascista, racista, que ocorreram também entre nós. Enquanto nos EUA, além do resto, uma senadora democrata e o marido são assassinados por um desses “produtos” extremos do terrível momento que atravessamos. E a que se impõe resistir, cujas causas é imperioso combater.

De facto, não é tolerável mais a complacência, a passividade, a inação. As diferenças entre direita e esquerda continuam a existir, embora não as mesmas do passado. Mas na atual situação a primeira clara clivagem, e a primeira linha do combate, em todas as frentes, deve ser, tem de ser, entre os que defendem a democracia e os que querem destruí-la; entre os que advogam a tolerância, o respeito pelos outros, e os semeadores de ódio; entre o humanismo e a lei da selva; entre a decência e a indecência.

E quando se praticam crimes como os referidos, que líderes políticos e mentores ideológicos daqueles setores extremistas se veem obrigados a condenar, não podem alijar a sua responsabilidade na criação da situação e do clima de ódio em que se inserem, ou que poderão estar mesmo na sua base.

À MARGEM

Começar a “agir”

No quadro do combate a que se refere o texto ao lado, uma das primeiras medidas indispensáveis é aprovar uma legislação que permita evitar, quanto possível, a ação criminosa dos grupos que ali se referem, bem como a impunidade de que atualmente gozam os que mentem, insultam, difamam, através das redes sociais. Não sou frequentador, mas pelo que leio é verificação/opinião unânime ser assim – e não poder continuar assim.

No Brasil o Supremo Tribunal Federal acaba de tomar, quase por unanimidade, uma importante decisão nesse domínio, para a qual remeto os governantes e legisladores portugueses. Também concordo com o que Pedro Marques Lopes diz no seu magnífico texto da nossa última edição.

Tem-se falado muito da “reflexão” necessária após os resultados das legislativas. Os responsáveis pelas televisões são dos que mais precisam de “refletir”, e mudar. Mas há muito mais.

Depois de três edições a realizar-se nos primeiros dias de setembro, quando encerrava a temporada dos grandes festivais, o Kalorama passou este ano para o fim de semana que dá início ao verão, tornando junho na nova época alta da música.

Apesar da mudança no calendário, mantém-se a excelência do cartaz, como se comprova logo no primeiro dia (esta quinta, 19), no Parque da Bela Vista, com o Palco Meo (o principal) a ser inaugurado pelo português David Bruno, seguindo-se Father John Misty, os icónicos Pet Shop Boys e The Flaming Lips, com a histórica banda norte-americana a interpretar na íntegra o aclamado álbum Yoshimi Battles the Pink Robots, editado em 2002.

Também no Palco San Miguel, a iraniano-holandesa Sevdaliza e os franceses L’Impératrice, com os portugueses Capital da Bulgária e Cara de Espelho, mantêm a fasquia bem alta, tornando mais complicada a escolha do público, na hora de decidir o que ver.

The Flaming Lips. Foto: Lucília Monteiro

Na sexta, dia 20, FKA twigs lidera o alinhamento do palco principal, onde também brilham Azealia Banks e Scissor Sisters, de regresso à estrada após mais de uma década de ausência, enquanto no San Miguel brilharão Boy Harsher, os norte-americanos Model/Actriz, que lançaram já este ano o segundo álbum, Pirouette, e a veterana Róisín Murphy, nome que é sempre garantia para uma noite eletrizante.

No último dia de festival, Damiano David, vocalista dos Måneskin, que atua em nome próprio, promete um final apoteótico, mas pelo meio também há Jorja Smith, Noga Erez e jasmine.4.t, além de Badbadnotgood e Branko no palco secundário.

Haverá ainda um terceiro palco (o Panorama Lisboa), dedicado à música eletrónica, por onde passarão nomes como 2manydjs, Helena Hauff, Ryan Elliott, Kelly Lee Owens e Daniel Avery.

Meo Kalorama > Parque da Bela Vista, Lisboa > 19-21 jun, qui-sáb 17h > €55 a €105

E se a Mossad – apanhada de surpresa a 7 de Outubro – juntamente com a CIA, a DIA, a NSA e os serviços secretos britânicos, franceses e de outros aliados, estiverem enganados, e o Irão já possuir urânio enriquecido a 90%, o grau mínimo para fins militares? E se, ao longo de todos estes anos, os iranianos tiverem conseguido o que pretendiam?

Este “se” vai manter-se até o Irão pedir tréguas. Mas não foi tranquilizador o anúncio de Khamenei – numa gruta (bunker), para todos os efeitos – e da estação televisiva de Teerão, afirmando que vão atacar Israel como nunca antes visto, e que será recordado nos próximos milénios.

Dito assim, isto cheira a arma nuclear, mesmo que apenas uma. Eventualmente, terão pedido ajuda à Rússia, em troca dos drones. Um pouco mais de urânio (é necessária uma quantidade crítica), algum plutónio, e, em particular, a construção de uma ogiva pronta a ser usada.

Há ainda outro factor decisivo: para lançar uma ogiva ou bomba, é necessário ter vectores – aviões, navios ou lançadores terrestres, sendo estes últimos os mais prováveis. E são esses lançadores que Israel destrói todos os dias.

Se o Irão, afinal, tiver uma arma nuclear – basta uma – então tudo ficará dependente da eficácia da Cúpula de Ferro, que terá de interceptar o míssil balístico, ou outro, de forma a impedir o desencadear da reação explosiva em cadeia de uma arma nuclear. É possível, mas nunca ninguém viu ou testou. Está perigoso!

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Há muito que as deputadas do PS Madeira se vêm queixando de serem alvo de atitudes e ataques misóginos no Parlamento Regional. Mas, desta vez, os insultos subiram a um tom nunca antes visto, que ficou registado pelas câmaras.  Eduardo Jesus, secretário regional do Turismo, Ambiente e Cultura, estava no debate do Orçamento Regional para 2025 a ser interpelado pela oposição. Enquanto ia ouvindo as perguntas, ia fazendo comentários. “A pergunta desta gaja” e “burra do cara…” foram expressões que usou durante as questões feitas pelas deputadas do PS Sílvia Silva e Sancha Campanella. No caso do deputado do JPP, Rafael Nunes, as suas intervenções foram brindadas com “bardamerda” e “palhaço-mor”.

A situação levou a um protesto do PS Madeira, que considera que estes factos se revestem “de extrema gravidade” e “atentam contra a dignidade do Parlamento e contra o respeito devido aos deputados eleitos”.

No protesto formal dirigido ao Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, a que a VISÃO teve acesso, o grupo socialista qualifica como “linguagem grosseira, sexista e  absolutamente inaceitável no seio do órgão máximo representativo da autonomia regional” a forma como Eduardo Jesus usou a expressão “burra do cara…” relativamente a Sancha Campanella, que estava no uso da palavra.

“Igualmente, a senhora deputada Sílvia Silva, também eleita pelo Partido Socialista, foi alvo de tratamento desrespeitoso por parte do senhor secretário Regional de Turismo  e Cultura, tendo sido referida como ‘gaja’, expressão que encerra um claro teor de  menorização e desconsideração de género, impróprio de qualquer espaço institucional  e, mais ainda, do hemiciclo parlamentar”, defendem os eleitos pelo PS.

De resto, há muito que as deputadas do PS têm vindo publicamente a denunciar os comportamentos misóginos de que são alvo no Parlamento Regional. “Não se tratam de casos isolados, estes insultos somam-se a outros episódios de  linguagem imprópria, agressiva e provocatória dirigida a outros deputados da oposição,  ocorridos durante a mesma sessão, traduzindo um ambiente hostil, persecutório e intimidatório, que compromete o exercício livre, digno e responsável do mandato dos deputados eleitos pelo povo da Madeira”, lê-se no protesto do grupo do PS, que lembra que “a Assembleia Legislativa da Madeira não pode ficar indiferente, sob pena de se tornar  cúmplice por omissão, normalizar o insulto, o abuso de linguagem e o ataque pessoal  no debate político” e pede “a condenação pública pela Presidência da Assembleia Legislativa relativamente  às expressões proferidas pelo senhor secretário Regional do Turismo e Cultura” e a “garantia do respeito pela dignidade de todosOS deputados,  independentemente da sua cor partidária”.

“O termo utilizado está ao acesso de qualquer um de nós no dicionário de língua portuguesa”

Ao Diário de Notícias da Madeira, o governante desvalorizou a situação: “Os termos que eu utilizei – foi mais do que um – estão no dicionário de língua portuguesa e, como se pode ver, são adjetivos que nós, com muita regularidade, utilizamos e que o léxico popular utiliza frequentemente. Qualquer cidadão refere aqueles termos com a velocidade que anda no seu dia-a-dia”, afirmou.

Para Eduardo Jesus, as expressões insultuosas que proferiu são apenas apartes parlamentares. “Os apartes parlamentares existem na Madeira, nos Açores, a nível nacional – em qualquer parlamento – e há uma determinada cultura político-partidária parlamentar que é permissiva a esses mesmos apartes. É por isso que os deputados no seio do parlamento têm uma proteção própria para evitar que cada vez que façam um aparte sejam chamados por injúria ou por ofensas, senão a justiça não tinha mãos a medir. E, por isso, é preciso não perder este enquadramento. É um enquadramento que tem uma sequência lógica”, argumenta.

De resto, ataca a deputada Sílvia Silva, alegando que reagiu a uma acusação “grave” que a mesma lhe teria feito no debate. “O isolar um episódio não conta a história toda e, além disso, foi um comentário que eu produzi referindo-me a uma pessoa e não dirigindo-me à pessoa. Para além de que o termo utilizado está ao acesso de qualquer um de nós no dicionário de língua portuguesa”, insiste.