Retomar o Passo, a mais recente exposição de Luísa Salvador está prestes a chegar ao fim, mas, pela proposta que faz ao público, vale a pena prestar uma visita à Galeria Foco, onde se encontra patente até quarta feira, 12 de março, dia em que decorrerá a finissage da mesma, com uma visita guiada pela autora do texto de sala, Carolina Trigueiros, às 18h30.
Na fronteira entre a pintura, a escultura, a instalação e a reflexão poética, a prática artística de Luísa Salvador é difícil de cingir a uma única categoria. Retomar o Passo é um convite à deambulação através das várias formas que a artista encontrou de materializar certos pensamentos e reflexões. O objetivo é perder-se para encontrar lugares aos quais só se chega através de uma entrega sincera a breves momentos de espanto.
Ainda que a exposição comece no primeiro andar da galeria, com três telas que, representando montanhas imaginárias, sugerem uma ideia de mapa ou cartografia, é no andar de baixo que, realmente, se toma, ou retoma, o passo.
A ditar o ritmo da caminhada são as palavras. Autora de textos teóricos e de crónicas, a par da sua atividade enquanto artista, Luísa, originalmente formada em escultura, utiliza-as como se de um cinzel se tratassem. “A mão com que escrevo é a mesma com que desenho”, sublinha.
Frase a frase, vai escavando a espuma dos dias, dando uma forma palpável àquilo que os torna dignos de serem imortalizados em obras como O luto das pedras, O sopro das folhas que não voltam ou A perda irreparável das flores, três telas que recebem o visitante mal este acaba de descer as escadas em direção ao piso inferior.
Preenchidas de cima abaixo com o próprio título, desenhado numa caligrafia sulcada através de camadas de acrílico e pastel de óleo, estas telas são rastos plásticos de memórias que, de outra forma, estariam condenadas a morrer com a sua autora.

“É um tríptico de pergaminhos que perpetua obras que desapareceram”, explica Luísa, revelando que, por exemplo, O luto das pedras refere-se a uma instalação, apresentada nos Açores, composta por peças de cerâmica a imitar fósseis, as quais, passados três dias, haviam desaparecido do local onde se encontravam expostas.
Situações semelhantes deram origem também a O sopro das folhas que não voltam e a A perda irreparável das flores. “Foram três desfechos que fizeram repensar uma abordagem de trabalho, o que queria perpetuar e não deixar passar”, aponta a artista.
À medida que prosseguimos pela sala e atentamos nas obras seguintes, percebemos que, esculpindo sobre telas pensamentos “que queria perpetuar”, Luísa entregou-se a uma espécie de arqueologia das memórias. Escreve para enterrá-las sob camadas de tinta, escreve para revelá-las de novo, escreve para transformá-las em pensamento, mas escreve também porque, às vezes, não houve qualquer pensamento que delas conseguisse fazer nascer.

Surge então, na parede do fundo, Caligrafias do deserto. Realizada ao longo de 100 dias, entre julho e o final de novembro de 2025, a maior obra da exposição é um conjunto de 100 tabuinhas cobertas de acrílico de diferentes cores, cada qual com uma frase ou expressão inscrita.
“Arqueologia do todo”, lê-se numa. “Angústia Solar”, diz outra. “A ordem não é cronológica”, avisa a artista, e as cores que mais dificultam a leitura foram destinadas aos pensamentos mais íntimos ou duros de ter.
Memória, tinta, tela, ideias e gestos confluem uns com os outros, oferecendo ao público, simultaneamente, um auto-retrato involuntário da artista e centenas de vias através das quais cada um poderá continuar sempre a retomar o passo, mesmo depois de deixar a Galeria Foco para trás.
Retomar o Passo > Rua Antero de Quental 55A, Lisboa > finissage qua 12 mar, 18h30-21h