Quando Sara Barros Leitão descobriu os diários da Assembleia da República (AR) – que registam todos os discursos, intervenções, apartes, insubordinações e até os gestos feitos na sala de sessões –, quis imediatamente criar uma dramaturgia a partir deste material. “Os diários parecem guiões de teatro… Não escrevi uma única palavra para esta peça, o meu trabalho foi de colagem, tudo o que está no texto foi dito no Parlamento, por mais insólito que às vezes possa parecer”, conta.
Juntamente com a sua equipa, leu centenas de páginas e, sabendo da impossibilidade de concentrar os 50 anos do regime democrático português em 1h40 de espetáculo, construiu cenas a focar aspetos como a disciplina regimental, as estreias nervosas, as despedidas comoventes, o lado invisível, os momentos inusitados, as pequenas e grandes votações. Naturalmente, muitos episódios e figuras importantes ficaram de fora, mas o que ressalta de Guião para um País Possível é, sem dúvida, uma celebração da democracia. “Devemos orgulhar-nos de tudo aquilo que construímos em conjunto”, sublinha a encenadora.

Vestidos com um fato-macaco à operário, os atores João Melo e Margarida Carvalho desdobram-se na interpretação de deputados e membros do governo de diferentes cores políticas, mudando apenas a casaca. Enquanto movem os púlpitos pelo cenário semelhante a uma folha amarrotada, onde se vislumbra a arquitetura do Parlamento, recorrem a variados estilos teatrais, do clown à tragédia, passando até pelo teatro de marionetas.
“Há um lado muito performativo, que é usado cada vez mais na Assembleia, por causa da maior mediatização. Não senti o empobrecimento do debate parlamentar – continuamos a ter discursos maravilhosos –, mas antes uma degradação das instituições, pela entrada da extrema-direita”, aponta Sara Barros Leitão. O desafio, agora, é combater “a desonestidade intelectual e a utilização de dados e argumentos que são falsos”. Finalizado o guião, garante: “O respeito que sinto pela AR, enquanto órgão de soberania e guardião da democracia, é ainda maior.”
Após a estreia em Viana do Castelo, o espetáculo terá uma longa digressão em 2024, tendo já agendadas 15 paragens por todo o País.
Guião para um País Possível > Teatro Municipal Sá de Miranda > R. Sá de Miranda, Viana do Castelo > T. 258 809 382 > 7-10 dez, qui-sex 21h, sáb 19h, dom 16h > €4 a €10