Palavras, interrupções, respirações, silêncios. Todos se juntam torrencialmente em Foi Assim, um monólogo do ator José Raposo que, ao longo de uma hora, sozinho em palco, expõe as dúvidas, as inquietações e as fragilidades de um homem à beira da morte. Triste? Nem por isso.
A vida é assim, já se sabe; e o final da vida, então, ainda mais se sabe, é o menos incerto de tudo o que temos neste mundo. Nas palavras do autor do texto, o escritor norueguês, sério “candidato” ao Nobel da Literatura, Jon Fosse: “Se é que tenho alguma esperança/ sim/ em mim é que não tenho/ esperança nenhuma/ isso é certo.”
José Raposo está deitado numa cama. Numa encenação feita de (poucas) luzes e de (muita) escuridão, vamos sabendo que foi (é?) pintor, casou três vezes, divorciou-se outras tantas, deixa descendência.
Os últimos momentos da vida, passa-os à espera dela – sendo que este “ela” tanto pode ser a morte como uma enfermeira que o vai ajudando no dia a dia (“e desde que ela/ quando chegar/ não comece a perguntar/ pelos meus filhos/ claro que vai perguntar/ pergunta sempre”). Durante a peça, há de levantar-se, dar pequeníssimos passos, apoiando-se numa bengala, num andarilho e, por fim, numa cadeira de rodas.
Para o encenador António Simão, nesta peça, que mais parece uma pauta musical, existe “uma ponta de esperança, de conhecimento”. “O texto foi escrito em verso livre, mas com tempos, e são estes que vão abrindo significados”, explica à VISÃO Se7e. No final, abundam as referências à espiritualidade, numa alusão clara à recente conversão de Jon Fosse ao catolicismo: na plateia, estamos vivinhos da silva, mas somos nós que ficamos sem saber como respirar com tamanha vulnerabilidade humana.
Para José Raposo, Foi Assim é também “uma espécie de encontro depois da vida” com Jorge Silva Melo, escritor, encenador, fundador e alma dos Artistas Unidos, desaparecido em março de 2022.
Raposo diz que está sempre “a encontrar coisas novas no texto” e lembra que “o teatro é repetição”: “Alguém me ouve/ alguém me ouve a dizer ah!/ Não ninguém/ claro que ninguém/ quem havia de ser/ Eu estou só/ Estou sempre só.” Também lhe agrada que, por vezes, seja o humor a “lidar com o lado trágico da vida”. E os silêncios, que deixam perpassar todos os ruídos em redor da sala. São ruídos deste mundo, certo?
Memórias Em 2000, os Artistas Unidos apresentaram-se no espaço A Capital, no Bairro Alto, com Vai Vir Alguém, de Jon Fosse, que então assistiu ao espetáculo e orientou um debate. Agora, no Teatro da Politécnica, voltam ao escritor norueguês: José Raposo interpreta o monólogo Foi Assim, com encenação de António Simão.
Foi Assim > Teatro da Politécnica > R. da Escola Politécnica, 54, Lisboa > T. 96 196 0281 > até 15 abr, ter-qui 19h, sex 21h, sáb 16h e 21h > €10