Zacarias, o avô de João Nuno Pinto, passou semanas à procura de uma guerra imaginada. O realizador fez disso um raro filme de guerra português, em que a maior das batalhas se trava do lado de dentro. Mosquito é a guerra de um homem só, que nos oferece uma perspetiva simbólica e histórica sobre o desnorte da presença portuguesa em África no século XX.
Tal como Sam Mendes, em 1917, João Nuno Pinto usou a história do seu avô, que serviu Portugal, durante a Primeira Guerra Mundial, em Moçambique. Um raro filme de guerra português que teve a honra, em janeiro, de abrir o Festival Internacional de Cinema de Roterdão.
Se poucos são os filmes e os livros que retratam a presença portuguesa na Primeira Guerra Mundial, mais raro ainda é debruçarem–se sobre a frente africana. Esse é logo o primeiro mérito de Mosquito: apontar o holofote da História na direção de uma guerra que, para muitos, parecia invisível. Tal como já havia feito Hugo Vieira da Silva, recuando ainda mais uns anos na História, em Posto Avançado do Progresso (2016), Mosquito mostra que a Guerra Colonial não foi o primeiro ponto de desequilíbrio na frágil estrutura colonialista europeia; há uma antecâmara devastadora. Durante a Primeira Guerra Mundial morreram mais soldados em África do que na Europa;e morreram mais com doenças do que em combate.
Tal como Sam Mendes, em 1917, se inspirou na história do seu avô Alfredo Mendes, João Nuno Pinto recorda a vida do seu avô Zacarias. Uma história caricata de um jovem e empenhado patriota que se alistou no exército com o sonho de combater em França, mas foi enviado para os confins de Moçambique, onde não havia trincheiras, apenas feras e mosquitos. Zacarias apanhou logo malária e ficou retido na retaguarda. Quando se curou, partiu, por livre iniciativa, mato afora à procura do seu batalhão.
Mosquito é um road movie pedestre em terreno acidentado, uma intensa batalha interior contra preconceitos e frustrações. O filme tanto apresenta uma estrutura clássica como entra, sem pudor, por caminhos de grande abstracionismo que mostram a fragilidade e a demência do próprio Zacarias, alucinado pelas doenças e pela fome. Vale pela história que conta, e também pelo risco e pela ousadia do olhar.
Mosquito > De João Nuno Pinto, com João Nunes Monteiro, Filipe Duarte, Miguel Borges João Lagarto > 125 minutos