Quando recebeu o Prémio Artista do Ano 2011 na feira de arte Frieze London, Yto Barrada fez um gesto simbólico: ao ser entrevistada junto de uma obra sua, representando o mapa-múndi como se fosse um jogo de blocos amovíveis para crianças, ela juntou o Sul da Europa ao topo africano, sublinhando que, apesar da proximidade geográfica, a distância burocrática, social e política era incomensurável. Isto é, qualquer jovem sonhador de Tânger ou refugiado africano estava impossibilitado de dar este salto, que ela, portadora de passaportes marroquino e francês, pratica sem dificuldades. O trabalho de Yto explora precisamente a dupla herança cultural, a história colonial, as relações de poder, o silenciamento.
O título desta exposição (Moi Je Suis la Langue et Vous Êtes les Dents) ela encontrou-o nas anotações da etnóloga Thérèse Rivière (1901-1970) na sua expedição à etnia berbere chaouis nas montanhas do Aurès, na Argélia (entre 1934 e 1936), onde esta relatou a história de uma avó dominadora, desejosa de ter um escrito de um peregrino, que será enganada pelo neto – este rabisca-lhe um mero papel em francês, idioma dos colonizadores. O amplo estudo será ignorado: o irmão de Rivière é um poderoso pioneiro da museologia, mas ela morrerá num hospital psiquiátrico.
Yto Barrada mastiga, através de fotografia, vídeo e instalação, todas estas relações de poder: as dos berberes colonizados, as da família Rivière, as dos preconceitos científicos ou de género, as da visão deturpada dos ocidentais sobre Marrocos, cruzando-as com a sua árvore familiar (a experiência da mãe enquanto estudante socialista em viagem pelos EUA e o “empoderamento das narrativas emergentes” dos anos 1960 como o movimento dos direitos civis ou, ainda, as fotografias das agendas de telefones organizadas pela avó analfabeta). Uma malha complexa, exposta em obras como o filme Hand-Me-Downs (2011) sobre roupa passada de geração em geração; Objects Indociles – Supplément à la vie de Thérèse Rivière”, (2016), fotos dos objetos coletados pela etnóloga francesa; ou Jeu de Construction Thérèse (2018), “jogo” de blocos de encaixar em que aborda os “alfabetos do poder” e da “resistência poética”.
Moi Je Suis la Langue et Vous Êtes les Dents > Museu Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna, Espaço Projeto > Av. de Berna, 45A, Lisboa > T. 21 782 3461 > 8 fev-6 mai, qua-seg 10h-18h > grátis