Talvez se esperasse um filme sobre uma sociedade em ebulição, a luta pela democracia, a divisão entre maduristas e revoltosos, a miséria nas ruas de Caracas, a claustrofobia económica e crispação social. Nada disso. A longa-metragem de estreia do venezuelano Lorenzo Vigas, À Distância, invade-nos e leva-nos por outro caminho, na linha dos mais acutilantes cinemas dos seus vizinhos latino- -americanos, sobretudo do Chile e da Argentina. À Distância é um autêntico quebra-cabeças moral, escondido numa elegância estética, em várias camadas, que nos obriga sucessivamente a rever ou a questionar princípios.
Confrontamo-nos com Armando, um técnico de próteses dentárias que gosta de engatar rapazes pobres em locais públicos. Oferece-lhes dinheiro, leva-os para casa e pede-lhes que se dispam. É um voyeur. Não lhes toca, apenas observa. A tara sai-lhe cara quando se cruza com Elder, um jovem agressivo, delinquente que, em vez de tirar as calças, prefere golpeá-lo com um bibelot e fugir com o dinheiro.
E a história ainda só está no princípio – porque Armando, por masoquismo ou por amor, na mais estranha das suas formas, não desiste. Investe a fundo no rapaz, seduzindo-o no mais generoso dos modos, arriscando a vida para alcançar os seus objetivos. Essa dedicação amorosa acaba mesmo por ser compensada, numa espécie de síndrome de Estocolmo sem cárcere involuntário – há, no entanto, algo parecido com um cárcere social, em que qualquer rapto para fora da realidade crua das ruas de Caracas tem boas hipóteses de se tornar bem-sucedido.
À Distância é um daqueles filmes que incomoda. Cria no espectador um desconforto ético, entre conceitos e preconceitos, num constante desafio moral, à procura de um lado certo que nem sequer tem de existir. Estas fronteiras morais vão sendo ultrapassadas, em busca de novas regras, até que a personagem, de moralidade duvidosa, acaba por revelar onde fica o seu limite ético.
Mais um papel extraordinário do chileno Alfredo Castro, sem dúvida um dos melhores atores sul-americanos da atualidade, que se tem destacado sobretudo nos filmes de Pablo Larraín.
À Distância foi o primeiro filme venezuelano a ser nomeado para a competição oficial de Veneza, onde acabaria por ganhar o Leão de Ouro. Esta é, ainda, a primeira longa-metragem de Lorenzo Vigas, 51 anos, licenciado em Biologia Molecular e produtor de filmes como As Filhas de Abril, que se estreou recentemente em Portugal.
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À Distância > De Lorenzo Vigas, com Alfredo Castro, Luis Silva, Jericó Montilla > 93 minutos