
Treblinka, de Sérgio Tréfaut, é povoado de fantasmas, de vultos, de figuras difusas, que viajam num comboio vazio de tudo menos da memória
Em Treblinka, Sérgio Tréfaut sai da sua zona do conforto temática, em direção a um tema drasticamente universal, à volta do qual já se gastaram quilómetros de película. Contudo, o realizador consegue encontrar um registo próprio, cativante e inteligente, transmitindo a urgência e contemporaneidade do seu filme. O que aconteceu em Treblinka não se pode trancar a sete chaves num passado incrivelmente recente, tem recorrentemente ecos na atualidade (com maior ou menor dimensão), quando, por exemplo, olhamos para os modernos comboios, a percorrer linhas equivalentes, carregados de refugiados sem culpa nem destino certo.
Ao abordar os campos de extermínio de Treblinka, Tréfaut recusou-se a fazer uma reconstituição histórica. Não há qualquer visita ao campo, exibição de corpos gaseados, panorâmica sobre sobre rostos em agonia e desespero. É um filme sobre tudo aquilo que não se vê. Treblinka, de Sérgio Tréfaut, é povoado de fantasmas, de vultos, de figuras difusas, que viajam num comboio vazio de tudo menos da memória. Fantasmas que pairam na nossa consciência histórica, do passado para o presente, para redenção do futuro. O mais importante é tudo aquilo que está fora do ecrã, que somos convidados a imaginar.
Sérgio Tréfaut filma apenas o interior desse comboio fantasma, com personagens etéreas, que ocupam o espaço em nome da memória. Essas imagens ancoram o texto narrativo, construído através de relatos de sobreviventes de Treblinka. São relatados em off, entre outros, testemunhos de Chil Rajchman, sobrevivente, autor da obra O Último Judeu. Não precisamos de outras imagens senão as do comboio. O texto vale por todo o resto. Não vai no mesmo sentido do extenso documentário de Claude Lanzmann, em que cada relato é uma corda que nos apertam na garganta, mas usa um dispositivo simples e eficaz, densamente poético e inquietante, com um aprimorado sentido estético, não em termos exibicionistas, antes pelo contrário, como veículo para a transmissão de um mundo obscuro e assustador.
Treblinka é um grande filme, com um mise-en -scène avassalador, que viaja até aos nossos dias. Como escreveu Marceline Loriden-Ivens, outra sobrevivente do holocausto: “É como se todos os comboios levassem a Auschwitz”.

Foram muito poucos, os sobreviventes de Treblinka. Os nazis desenvolveram o campo de extermínio metodologicamente enquanto fábrica da morte, com uma eficácia avassaladora. Calcula-se que executaram cerca de 750 mil pessoas.
Treblinka > de Sérgio Tréfaut, com Isabel Ruth e Kirill Kashlikov > 61 min