Uma das peças mais emblemáticas do designer italiano Vico Magistretti (1920-2006) é uma súmula original de formas geométricas: Atollo, desenhada em 1977, é a reunião de um cilindro, um cone e um meio círculo, em aparente equilíbrio. Poderia ser uma brincadeira de uma criança imaginativa, construída com blocos de Lego, mas este candeeiro revolucionou a maneira como era então entendida a iluminação doméstica. Objeto de design intemporal, vencedor do prémio Compasso d’Oro 1979, presente na coleção do novaiorquino MoMA, continua a ser uma presença familiar nas casas contemporâneas.
Mas Vico Magistretti não é o criador-de-uma-única-obra. No seu atelier de Milão (que o próprio caracterizou como “a cidade da solidão” quando emergiu a rica classe consumista dos anos 1980 com que não se identificava), ele desenhou, com os traços nervosos e claros de quem começou como arquiteto, muitos outros objetos que serviam o quotidiano com garbo, originalidade, funcionalidade. E alguns estão agora patentes em Svicolando: Homenagem a Vico Magistretti, exposição de homenagem ao mestre italiano que inaugura esta quinta-feira, 1 de março, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Comissariada pelo arquiteto Nadir Bonaccorso, e organizada pelo Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, esta mostra de curta duração revela tanto a criação como o processo criativo e o seu autor singular: esboços, fotografias, apontamentos, cartas e faxes alinham-se ao lado de peças históricas, que continuam em produção. A ideia, anuncia-se, é mostrar “a história de projetos e produtos tendo como fio condutor a relação profissional e pessoal de Magistretti com os criadores das várias empresas com as quais o seu sucesso foi inevitavelmente entrelaçado”.
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Sofá Maralunga, um design datado de 1973
Uma destas marcas foi a poderosa Cassina: para esta empresa com que trabalhou durante trinta anos, (e para cujo fundador, Cesare Cassina, Vico construiria uma elogiada villa), o designer industrial criou Carimate (1959) cadeira que fundia elementos rurais com as exigências contemporâneas, e que se tornaria o seu primeiro grande sucesso Ou o sofá Maralunga (1973), um clássico do design do século XX – e um exemplo dessa simplicidade elegante, funcional e experimental, defendida pelo designer.
Simplicidade? Bem, as peças concebidas por Vico Magistretti ostentam traços enganadoramente simples, cuja fórmula exige inventividade e perícia técnica. Um exemplo é o clássico Eclisse (1967), candeeiro criado para a Artemide que simula um eclipse solar, permitindo a rotação e camuflagem da lâmpada. Ou Dalú, outro candeeiro também criado nos anos 1960, feito em plástico moldado e inspirado nos eventos da era espacial – e que ficaria bem em qualquer episódio de Star Wars… Ou ainda a mesa Vidun (1986), nome que significa grande parafuso em dialeto milanês, e cuja maleabilidade escultórica inspirada pela rotação de um parafuso verdadeiro, exigiu competências extra de vários profissionais.
![foto de Luca Fregoso-ritratto Vico Magistretti.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/11983367foto-de-Luca-Fregoso-ritratto-Vico-Magistretti.jpg)
Vico Magistretti foi arquiteto, designer industrial e professor
Em 2003, em entrevista ao site Designboom, quando lhe perguntaram que trabalho lhe tinha trazido mais satisfação, Vico Magistretti respondeu: “Nunca gosto de regressar a um trabalho que completei. Nunca. É algo semelhante ao criminoso nunca dever regressar ao local do crime. Um projeto de que gostei muito foi [a construção] de um edifício na Piazzale Aquileia. Mas normalmente, quando reflito sobre o meu trabalho, só consigo ver os erros que fiz. Sou indulgente, compreendo que ainda que só identifique os meus defeitos, algo permanece.” E não é o estilo, palavra que, confessou, detestava.
A história deste designer foi marcada pela genealogia familiar e pela circunstância: filho de arquiteto, ele próprio seguiria essa mesma carreira, fortemente influenciado por outro arquiteto, Ernesto Nathan Rogers, cujas ideias humanistas para a reconstrução da Itália do pós-guerra deixaram marcas numa geração inteira e nos projetos então erigidos. A década de 1950 marca a viragem de Magistretti para o design industrial, inspirado pela perícia dos artesãos italianos – caminho que nunca abandonou.
Parte da história deste gentleman italiano, jogador de golfe, professor no Royal College of Arts durante duas décadas, é agora contada em Svicolando: Homenagem a Vico Magistretti. A exposição insere-se nas celebrações do Dia do Design Italiano no Mundo (esta segunda edição dedicada à relação entre o design e a sustentabilidade), iniciativa que visa distinguir a excelência da disciplina neste país. Em cerca de cem cidades do mundo, haverá várias iniciativas simultâneas. Em Portugal, além da exposição, está ainda programada uma tarde de portas abertas no Babled Design Studio de Lisboa, esta quinta-feira, 1: aí, poder-se-ão ver peças de vidro desenhadas por Emmanuel Babled e realizadas para a casa Venini de Murano.
O encerramento dos cinco dias de exposição no CCB será feito, a 6 de março, com a conferência Arquitetura e design italiano na época de ouro, 1947-1959, proferida por Marco Mullazzani (docente de História da Arquitetura na Universidade de Ferrara). Svicolando: Homenagem a Vico Magistretti estará depois patente na Casa do Design de Matosinhos, entre 14 e 26 de março. A luz que criou Atollo ainda brilha.
Svicolando. Homenagem a Vico Magistretti > Casa do Design de Matosinhos > R. de Alfredo Cunha 15, Matosinhos > 14-26 mar, seg-sex 9h-12h30, 14h-17h30, sáb 15h-18h