As obras de Paula Rego são morte por todo o lado. Morte e sexo. Morte na condição de nascer-se mulher, morte na estigmatização social, morte na invisibilidade do frágil, do demente. E erotismo – enquanto provocação e não subjugação, enquanto ato político. A exposição que se inaugura esta sexta-feira, 7, na Casa das Histórias, em Cascais, forma um todo com o documentário realizado pelo filho da pintora, Nick Willing (com estreia esta quinta-feira, 6). Aliás, filme e exposição partilham o mesmo nome: Histórias & Segredos.
Paula Rego desenhou em 2007 uma série de desenhos que purgaram uma fase de depressão, guardada durante dez anos, e que é agora exibida pela primeira vez numa das oito salas da retrospetiva. Paula Rego sabia das amantes do marido, o também pintor Victor Willing que conheceu enquanto estudava Belas Artes em Slade, Londres, e, no filme, fala sobre os seus próprios amantes e os vários abortos que fez. Recorda ainda os tempos em que viveu com o marido e os três filhos numa quinta na Ericeira e, depois de terem ficado falidos, a mudança para Londres onde a sua carreira ganhou novo fôlego e reconhecimento internacional. Fala também de como ser pintora e ser mãe são duas Paulas que não se misturam.
Todas estas histórias e segredos estão revelados no documentário do filho e também nas paredes do museu, juntamente com telas, fotos, recortes de jornais, passaportes, uma pintura da mãe (que lhe incutia as regras de bom comportamento exigidos na altura a uma mulher da classe média alta). A avó chegou dizer-lhe que a sua função era obedecer ao marido sem qualquer questionamento. Refugiava-se na complacência do pai, que lhe lia em miúda O Inferno d‘A Divina Comédia, de Dante, e lhe mostrava ilustrações que a marcariam para sempre.
“As harpias são um dos vários objetos escultóricos que compõem a sala do museu dedicada a recriar o ateliê da pintora”, conta à VISÃO Catarina Alfaro, curadora da exposição. “Há também um momento em que o trabalho de Willing e Rego se tocam. Uma estrutura-
-biombo dá a ver os dois lados de uma tela: primeiro pintada por ele, o reverso depois aproveitado e pintado por ela.”
No documentário, ouvem-se canções de Amália. E não é por acaso. As duas têm o mesmo porte feminino, o mesmo queixo de traço forte, o mesmo eyeliner grosso a acentuar a coragem do olhar.
Paula Rego: Histórias & Segredos > Casa das Histórias – Paula Rego > Av. da República, 300, Cascais > T. 21 482 6970 > 7 abr-17 set > ter-dom 10h-18h