
Os vagabundos, que alimentaram um imaginário na literatura e no cinema do século XX, servem agora de instrumento de reflexão social, política e filosófica
Jose Caldeira
Vagabundo, marginal, desalinhado, pobre escravo, parasita, pequeno pilantra… Poderíamos recorrer a vários termos para descrever um rogue, figura capaz de “infringir as regras da sociedade sempre com grande humor e presença de espírito” (como se diz em palco) e que cativou tantos autores. É a partir deste imaginário e de uma série de ícones literários, históricos e populares do século XX, que se constrói o novo espetáculo do Teatro Experimental do Porto, What a Rogue Am I! (excerto de Hamlet). Trata-se de “uma espécie de revisão da matéria dada que vai desde a Revolução Russa, em 1917, até à queda do Muro de Berlim, em 1989”, descreve Gonçalo Amorim, responsável pela encenação.
O texto do dramaturgo Rui Pina Coelho centra-se no género literário que elege o rogue como protagonista. “Estas figuras surgem, tal como dizia Arthur Miller na sua tragédia do homem comum, esmagadas pelo rolo compressor do capitalismo, são aqueles que vão ficando para trás”, sublinha Gonçalo Amorim. Um casal ao estilo Bonny e Clyde, formado por uma atriz (Ana Brandão) e um videasta (Cláudio da Silva), decide viver no campo para criar. Mantêm o contacto com a civilização desdobrando-se na realização de vídeos para o YouTube, feitos à custa da eletricidade roubada ao vizinho.
O cenário, desenhado por Catarina Barros, é uma espécie de capoeira/horta/caravana, jogando com a ideia de que estas personagens têm tanto de raposas (de ladrões de ovos inteligentes) como de galinhas (de trabalhadores precários, marginais, comidos pelos patrões). “Estamos sempre numa zona entre a realidade e a ficção, com a vida dos atores também a intrometer-se na peça”, conta o encenador. “São alter egos que, no fundo, representam toda a equipa.” O artista enquanto rogue, outsider, precário, que, mesmo durante uma tempestade, precisa de recuar e de ter tempo para refletir.
What a Rogue Am I! > Teatro Municipal Rivoli > Pç. D. João I, Porto > T. 22 339 2201 > 18-19 nov, sex 21h30, sáb 19h > €7,50