A revisitação cénica de clássicos da literatura universal tem sido recorrente no percurso do Ensemble. No ano do quarto centenário da morte de Shakespeare, a companhia portuense regressa ao autor com Rei Lear (dele, já tinham levado à cena Coriolano e Hamlet), com um dos seus fundadores, o ator Jorge Pinto, no papel principal. “A substância comportamental desta personagem, com um peso e um carisma enorme, faz com que tenhamos de aprofundar as suas escolhas”, conta Jorge Pinto, que tem um dos seus maiores desafios profissionais nesta coprodução com o Teatro Nacional São João. Escolhas com resultados desastrosos, que uma crença em poderes ilimitados não soube medir, que conduzem o monarca por um doloroso percurso de humanização.
A derrocada começa quando Rei Lear decide dividir o reino pelas três filhas, para se livrar do peso da responsabilidade da coroa. Fá-lo pedindo a cada uma delas que expressem o amor e gratidão que sentem pelo pai. As mais velhas, Gomeril e Regan, desdobram-se num pomposo jogo de linguagem, mas a mais nova, Cordélia, recusa-se a entrar em comparações e limita-se a afirmar que o ama “como corresponde a uma filha, nada mais, nada menos”. Acaba deserdada e expulsa do reino e, a partir desse momento, desenrola-se uma trama repleta de traições, hipocrisias, cegueira e ambições. Lear descobre, de maneira trágica, que a única coisa verdadeiramente ilimitada é o sofrimento. Sem mais nem menos.
A encenação de Rogério de Carvalho e a cenografia depurada de Pedro Tudela deixam que as palavras de Shakespeare e o trabalho dos atores (Elmano Sancho, Ivo Alexandre, António Parra, entre muitos outros) dominem o espetáculo. E assim se percebe a resistência do texto à passagem do tempo.
Rei Lear > Teatro Nacional São João > Pç. da Batalha, Porto > T. 22 340 1910 > 30 jun-17 jul, qua 19h, qui-sáb 21h, dom 16h > €7,50 a €16