Até há pouco tempo, seria improvável ver em Favaios, Alijó, uma obra de Vhils (Alexandre Farto) e de outros artistas da plataforma cultural Underdogs. Mas a adega-galeria Quanta Terra, nascida em 2022 na antiga Destilaria nº 7 da Casa do Douro – já nessa altura, mostrava obras de Joana Vasconcelos –, conseguiu pôr Alijó no mapa cultural, juntando a arte ao vinho. Neste verão, mais de meio milhar de pessoas visitou este projeto de enoturismo dos enólogos Celso Pereira e Jorge Alves – a casa da marca de vinhos Quanta Terra que criaram há 25 anos –, premiado há dias com o galardão Douro+Sustentável pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, um ano depois de ter recebido o Best of Wine Tourism na categoria arte e cultura.
“Há aqui um altruísmo. Isto custa-nos dinheiro, não temos subsídios do governo, mas lançámos uma perspetiva diferenciadora daquilo que se pode fazer em prol da dinamização do vinho, da arte e da cultura no Interior”, aponta Celso Pereira, 68 anos. Na única adega-galeria do Douro, o visitante tanto aprende sobre a região demarcada mais antiga do mundo como aprecia obras de arte junto a barricas em estágio (a exposição Técnica Ancestral pode ser vista até ao final do ano), enquanto faz uma prova de vinhos ou saboreia o pão tradicional de Favaios.
“Estar associada à arte é fundamental: traz notoriedade para a marca, para a adega, para Alijó, e põe o vinho num patamar mais elevado. Temos de acrescentar valor, o enoturismo é fundamental para dar sustentabilidade à região e trazer mais gente a trabalhar no Douro”, sustenta a dupla de enólogos, já a planear a próxima exposição (há uma por ano) e o lançamento, em 2025, de 250 garrafas de cinco litros desenhadas por Vhils.
Lá fora, enquanto se vivem os últimos dias de vindima, num ano em que os viticultores lamentam as dificuldades na venda das uvas, a aposta no enoturismo tem crescido (e muito) sobretudo nas sub-regiões Baixo Corgo e Cima Corgo, nas margens direita e esquerda do rio Douro, com acessos facilitados após a construção do Túnel do Marão em 2016.
Adegas para todas as bolsas
Descemos de Favaios em direção a Covas do Douro, Sabrosa, percorrendo mais de 20 quilómetros entre curvas e vinhas pintadas de tons amarelo e laranja do outono, rumo à Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, que renovou uma das mais antigas adegas da região (1764). O arquiteto Arnaldo Barbosa manteve o exterior do edifício, mas todo o seu interior foi reformulado para receber as 32 cubas de cimento (entre dez mil e 12 500 litros) em duas cotas, inspiradas nas vinhas em socalcos da região, recuperando-se ainda dois lagares de granito onde se pode fazer a pisa a pé. “Fazia sentido trazer os socalcos e o serpentear do Douro para a adega”, aponta Marta Teixeira, coordenadora de enoturismo da Quinta Nova durante a visita guiada (realizam-se todos os dias), que começa na cave das barricas – também ela renovada – e termina com uma prova de vinhos no Patamar Wine Shop com vista para os vinhedos.
A “reorganização da adega” permitiu ampliar a oferta de enoturismo com a abertura do Winery Lounge, vocacionado para o mercado de luxo. Em três salas e um bar, decorados pela designer de interiores Inês Rodrigues, onde cabe uma cortina em cortiça, fazem-se provas de vinhos (€210 a €250) cruzando o Douro e o Dão, a Quinta Nova e a Taboadella, ambas propriedade de Luísa Amorim. Cada vinho é servido num copo Riedel adequado a cada perfil, e harmonizado com snacks preparados pelo chefe de cozinha André Carvalho. “Ninguém nos aparece aqui porque se enganou na estrada. Os norte-americanos e brasileiros já vêm informados sobre os nossos vinhos e castas. Desde que integrámos a cadeia Relais & Chateaux em 2019, o nosso posicionamento mudou para o mercado de luxo de alta qualidade”, reconhece Susana Pinho, responsável pelo enoturismo da Quinta Nova. A construção de mais seis suítes e uma villa, uma piscina e uma área de bem-estar serão os próximos passos.
Junto a Peso da Régua, também na margem direita do rio Douro, a Quinta da Vacaria (cuja história remonta a 1616, adquirida pelo grupo português Marec) abriu uma adega construída de raiz pelo arquiteto Luís Miguel Oliveira, coberta de xisto e integrada na encosta de vinhas, a poucos metros do novo hotel de cinco estrelas da mesma marca, cuja exploração foi entregue ao grupo Torel Boutiques. Aberta a visitas e com provas diárias de vinhos DOC e do Porto (a partir €15) ou almoços exclusivos na Casa da Vinha – situada numa cota mais alta, aonde se acede de jipe –, a adega terá ainda um museu e um restaurante de cozinha portuguesa a lenha com assinatura de Vítor Matos.
Atrair mais portugueses
Se é certo que muitos dos visitantes do Douro são estrangeiros, como um grupo de suíços que encontrámos, encantado com as “paisagens deslumbrantes”, no caso de Ana Maria Pinto – que há cinco anos deixou a banca para ser guia turística na região onde nasceu – são sobretudo os portugueses (90%) que aderem às caminhadas que organiza. “Nunca andei com bandeirinhas ou microfone. Os meus clientes querem passar um bom momento e ouvir histórias sobre a região. Quase nunca me perguntam quantas castas existem, por exemplo. Hoje em dia, o Douro é romântico, mas recordo-me de o meu pai e tios andarem na vindima com o cesto às costas. As pessoas gostam dessas histórias autênticas”, diz sobre os seus tours Time Off pelas vinhas, com almoço típico e que podem incluir um passeio de barco ou de comboio.
“Transmitir o Douro e a região através de menus divertidos e com cor” é o desafio de Milton Ferreira, duriense de 34 anos, que neste verão tomou conta do restaurante do The Vintage House Hotel, no Pinhão, desde que o grupo The Fladgate Partnership (dono da Taylor’s) adquiriu a Quinta do Portal, em Sabrosa, onde trabalhava vai para 16 anos. No primeiro hotel de cinco estrelas do Douro, o chefe serve uma “cozinha de memórias e de produção local”, com pratos como a posta maronesa, bochecha de porco, lombo de bacalhau confitado, cuscos transmontanos, queijo Terrincho de Mirandela ou o rabo de boi estufado durante 12 horas com redução de vinho do Porto, um clássico do chefe que, além dos turistas, quer atrair mais portugueses.
Quem anda deslumbrado com o Douro é José Maria Gomes, chegado há quatro meses à cozinha do Six Senses Douro Valley, em Samodães, Lamego, depois de ter passado por restaurantes nas Seychelles, em França ou Hong Kong. “Foi a primeira vez que vim à região, mas estou num sítio que é difícil não se gostar”, diz o chefe de 38 anos, que trouxe a mulher e os filhos. Além dos hóspedes, um dos seus desafios passa por atrair mais passantes e portugueses aos restaurantes deste hotel de luxo. No Vale Abraão e no Cozinha do Douro, tanto serve um estufado de moelas de frango como uma canja de galinha do campo, feijoada de feijoca, posta mirandesa, lombo de bacalhau com migas de grão-de-bico ou cabrito assado (ao sábado). “Queremos que as pessoas saibam que vão ter acesso a um produto nacional, trabalhado de uma forma mais refinada sem ser fine dining, bem como a um serviço e garrafeira espetaculares.”
“A Bela Adormecida está a acordar”
É uma cozinha portuguesa a que encontramos à mesa dos dois hotéis de cinco estrelas que abriram neste verão: o São José Quinta do Barrilário (31 quartos), em Armamar, e o Torel Quinta da Vacaria, a funcionar desde agosto em Vilarinho dos Freires, Peso da Régua. Neste último, no restaurante 16Legoas, Vítor Gomes, com a consultoria do chefe de cozinha Vítor Matos, quer dar a provar “uma cozinha descomplicada e simples, com produtos locais, como o cordeiro, o porco bísaro e o lúcio-perca”, descreve o chefe natural de Sátão, Viseu.
O boutique hotel de luxo – com 33 quartos e suítes decorados pelo Studio Astolfi, um spa com piscina interior e exterior virada para as vinhas, e dois restaurantes (além do 16Legoas, há de abrir o Shistó) – quer distinguir-se na região. “O Vale do Douro é a Bela Adormecida que está agora a acordar. O Douro tem uma identidade única e apresenta-se como um verdadeiro tesouro. Consideramo-nos contadores de estórias e é exatamente isso que queremos homenagear: promover o passado da Quinta e do vale do Douro, os seus vinhos, a Natureza, o silêncio, o tempo”, salienta a austríaca Ingrid Koeck, uma das sócias do grupo Torel Boutiques, responsável pela gestão do Torel Quinta da Vacaria.
Foi também para contar como se faz uma vindima e nasce o vinho com processos manuais que a vizinha Quinta do Vallado, uma das mais antigas da região, originária d’A Ferreirinha, criou uma nova experiência com recurso a óculos de realidade virtual. Durante 10 minutos, o visitante mergulha na vinha, no corte e no desengaço da uva e na pisa a pé, no decorrer de uma visita guiada à adega (inclui uma prova de cinco vinhos, €30).
Mas há outras novidades para quem pretenda pernoitar: aos 13 quartos já existentes, a Quinta do Vallado acrescentou um novo edifício, a Casa da Eira (seis suítes, cinco delas com mezzanine, varanda e sala comum) e o Eira Lodge. Neste coreto decorado com pufes e almofadões, os hóspedes fazem provas a olhar as vinhas e a brindar ao Douro, pois.
VER
Adega Quanta Terra > R. Casa do Douro, Favaios, Alijó > T. 93 590 7557, 259 046 359 > qua-dom 10h-18h > visita e prova €20
Adega Quinta da Vacaria > Vilarinho dos Freires, Peso da Régua > T. 96 443 0091 > seg-dom 9h-18h > visita e provas a partir €15
Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo > Covas do Douro, Sabrosa > T. 96 986 0056, 254 730 430 > seg-dom 10h45, 12h15, 15h30, 17h (até final out); 10h45, 12h15, 15h30 (nov-mar) > visita e prova a partir €36
Quinta do Vallado > Vilarinho dos Freires, Peso da Régua > T. 254 318 081 > seg-dom 12h, 15h30, 17h30 > visita e prova €30
Time Off – Turismo de Natureza > T. 91 881 3459 > caminhadas a partir €35 (6 horas, com almoço) > timeoff.pt
COMER
Restaurante Rabelo > Vintage House Hotel > Lugar da Ponte, Pinhão > T. 254 730 230
Vale Abraão e Cozinha do Douro > Six Senses Douro Valley > Samodães, Lamego > T. 254 660 600
DORMIR
Torel Quinta da Vacaria > Vilarinho dos Freires, Peso da Régua > T. 254 240 242 > a partir €300