Reunidos junto a uma das 231 oliveiras da Amor é Cego, um grupo de estudantes universitários norte-americanos do curso de Sustentabilidade e Justiça Ambiental, da School for International Training, ouve atentamente as explicações de João Rosado. Da árvore ao fruto, das práticas agrícolas à história da marca, tudo é contado com entusiasmo a quem visita este pequeno produtor de azeite alentejano da zona de Évora, um projeto do casal João e Liliana Rosado. “O meu avô vivia aqui, na Azaruja. Tinha uma mercearia e comprou este terreno para ter um rendimento extra para a família. Na altura, só vendia a azeitona e, nos intervalos do terreno, semeava trigo e outras coisas”, conta João.
É a partir deste olival tradicional de sequeiro, plantado pelo avô há mais de 60 anos, que se produz, desde 2015, o azeite virgem extra de produção biológica da Amor é Cego, com um rótulo premiado, desenhado por Rita Rivotti e inspirado no boneco do figurado de barro de Estremoz. De perfil frutado, maduro, com notas de tomate e a frutos secos e um final ligeiramente picante, este azeite casa bem com peixe grelhado, massa e saladas. “Não é para fritar nem para usar em pratos de forno”, avisam os responsáveis, que hão de trazê-lo à mesa para a prova técnica e enquanto ingrediente de vários pratos de almoço.
No início, familiares e amigos diziam ser uma ideia louca sem viabilidade económica, mas a intenção do casal de professores nunca foi viver do olival. “Mais do que vender, contamos uma história e preservamos o que aqui está: um património oleico que tende a desaparecer e que nós queremos passar às nossas filhas e às próximas gerações”, afirmam.
“Os portugueses não valorizam a qualidade do produto nem a origem, mas começam a ter interesse pelo que comem e pelos alimentos. Enquanto gordura boa, o azeite beneficia com isso”
joão rosado, proprietário da amor é cego
Em 2016, abriram o Monte da Oliveira Velha a visitas. “As pessoas procuram experiências genuínas e exclusivas, como as que fazemos”, justificam. É o caso dos encontros Oliveira Velha, feitos em parceria com Francesco Ogliari, do restaurante Tua Madre, em Évora, e de um almoço que traz à mesa a comida de que gostam e que fazem em casa. Duas propostas com muita procura, em que se alia a gastronomia ao azeite.
Os visitantes têm sido essencialmente estrangeiros, mas João afirma que há mercado para estas atividades que são também uma forma de educar. “Os portugueses não valorizam a qualidade do produto nem a origem, mas começam a ter interesse pelo que comem e pelos alimentos. Enquanto gordura boa, o azeite beneficia com isso”, constata.
Um lagar com assinatura
Em Reguengos de Monsaraz, o lagar do Esporão, além de produzir os próprios azeites (oito referências), também trabalha para alguns pequenos produtores, como a Amor é Cego. “Ter um lagar é um investimento muito grande, ninguém lhes faz isto, porque as quantidades são muito pequenas”, diz Ana Carrilho, oleóloga e diretora da unidade de negócio de azeites do Esporão.
Quem visitar a herdade alentejana, vai encontrar um lagar “state of the art”, pensado em comunhão com a Natureza. “Houve uma preocupação com a imagem que representa na paisagem, não é algo em que se aposte pelo mundo fora ou em Portugal”, afirma a especialista em azeite. Construído em 2016 e pensado para produzir os melhores azeites de forma sustentável, o edifício, da autoria do atelier Skrei, destaca-se pelos grandes arcos e zonas abertas que permitem a observação de todo o processo de produção a partir do exterior. Há ainda o edifício de armazenamento, implantado em grande parte abaixo da cota do solo e forrado a cortiça para poupar energia. “A nossa aposta no olivoturismo assenta no conhecimento e na educação. Quem nos visita será embaixador não só do nosso azeite mas também de todo o trabalho que fazemos e do que defendemos: as variedades portuguesas e a identidade do azeite português”, diz.
“No ano passado, foi um ano incrível de azeite, mas só se falou na quantidade. Convido as pessoas a explorar o que se produz no resto do País. Há um mundo incrível por descobrir”
Ana carrilho, oleóloga
As visitas estão disponíveis durante o ano inteiro, mas se forem feitas aquando da campanha, de outubro a dezembro, é possível acompanhar-se todo o ciclo, da apanha manual à transformação no lagar. O percurso começa na zona do enoturismo, onde estão o wine bar, o restaurante e a loja, passa por um dos olivais de azeitona galega – o Esporão tem 120 hectares de olival em modo de produção biológica certificada – e segue até ao lagar, onde também se dá conta da história da casa. Por fim, provam-se três azeites, todos muito diferentes entre si. O Olival dos Arrifes, essencialmente de cobrançosa, é um azeite de terroir, mas que não parece ser do Alentejo. “É confundido com o de Trás-os-Montes, por causa do aroma intenso e complexo”, explica a oleóloga. O Seleção é de autor, no sentido em que reflete o ano agrícola e quem o produz. “No ano passado, foi um ano incrível de azeite, mas só se falou na quantidade. Convido as pessoas a explorar o que se produz no resto do País. Há um mundo incrível por descobrir”, desafia Ana.
Em Portugal, existem seis regiões de azeite DOP (Denominação de Origem Protegida): Trás-os-Montes, Beira Interior (Beira Baixa e Beira Alta), Ribatejo, Moura, Alentejo Interior e Norte Alentejano. Um dos produtores ribatejanos é a Casa Anadia, em Alferrarede, no concelho de Abrantes. Em março, lançou-se no olivoturismo com um programa que se desdobra em três visitas, entre as quais a Olive Experience (a mais completa), apenas disponível durante a campanha porque inclui a apanha da azeitona pela mão dos visitantes. “A nossa ligação ao azeite vem do século XVII. É isso que contamos aqui, a par da evolução da produção como se mostra no lagar-museu”, explica Dylan Pires, responsável pela qualidade e também guia.
A visita começa no jardim com oliveiras Galega, Picual, Arbequina e Cobrançosa, Hojiblanca (Espanha), Koroneiki (Grécia), Frantoio (Itália), todas produzidas na Quinta do Bom Sucesso. Também se aprende a ativar o olfato e a distinguir aromas, com o cicerone a convidar-nos a macerar com a mão uma folha de oliveira e a cheirar. Ao mesmo tempo, descobre-se a história da casa dos Almeida de Abrantes.
O programa inclui passagem pelo olival, lagar-museu, solar do século XVII, e paragens na capela e no castelo de Alferrarede. No final, a prova é feita com todos os preceitos: deita-se o azeite no copo azul-escuro (para que a cor do azeite não nos influencie), e tapa-se com o vidro de relógio (ligeiramente côncavo). Depois roda-se o copo na mão para aquecer o líquido (os 28 graus são a temperatura ideal para libertar o aroma), cheira-se e, por fim, bebe-se um trago. “É importante que percorra toda a boca até à garganta e que se inspire algum ar para se ter a perceção das sensações retronasais”, explica Dylan. Se forem cumpridas as indicações, surpreender-se-á com as notas, os aromas e as diferenças entre os azeites. E ficará a saber como usá-los melhor.
Oliveiras centenárias
“Esta oliveira centenária é uma lentisca, mas aqui em Trás-os-Montes chamam-lhe ‘chorona’”, aponta Francisco Ataíde Pavão, enquanto caminhamos pela Casa de Santo Amaro (335 anos), situada a poucos quilómetros de Mirandela, que ele gere com o irmão, António, oitava geração da família. Dos 160 hectares de olival que possuem, espalhados um pouco por todo o concelho (na maioria em modo biológico), 50 hectares são de árvores centenárias plantadas pelo bisavô, das quais se extrai o Grande Escolha (das variedades Madural e Verdeal Transmontana). “São oliveiras com muito potencial. Aquilo que se faz hoje com as vinhas velhas, pode ser feito com o olival”, diz Francisco, também presidente da Associação dos Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Que não restem dúvidas: uma visita à Casa de Santo Amaro é uma aula de olivicultura. Ao mesmo tempo que caminhamos desde o viveiro, onde se multiplica a planta, até ao olival e ao lagar (de 1890), aprendemos sobre variedades e sabores do “puro sumo de azeitona”: mais e menos picante, frutado, com notas de banana verde, tomate, frutos secos, maçã ou erva…
“O azeite não é todo igual nem temos os mesmos perfis todos os anos. Por isso, a melhor maneira de vendê-lo é dá-lo a provar”
francisco ataíde pavão
Do olival de Francisco e de António saem cerca de 60 mil garrafas por ano, e a grande maioria (90%) vai para exportação, sobretudo para o Brasil e a Polónia. “O azeite não é todo igual nem temos os mesmos perfis todos os anos. Por isso, a melhor maneira de vendê-lo é dá-lo a provar”, reforça o produtor que se tem dedicado a ensinar sobre azeite, um pouco por todo o mundo, e também faz provas na Casa, acompanhadas de pão transmontano. “Viajo muito lá para fora e, quando se fala em Portugal, todos sabem que é um país com azeites de excelência, mas os portugueses pensam que azeite é azeite. Temos de reeducar o consumidor.”
Durante a visita, percebe-se a paixão dos irmãos pela olivicultura: “Separamos os lotes por pontos cardeais. Queremos fazer azeite terroir. Sabemos que não podemos aumentar a produção porque não temos água, mas tentamos especializar-nos na qualidade.” A prova está nos muitos, centenas, de prémios conquistados em concursos internacionais, dos Estados Unidos da América ao Japão.
A 30 quilómetros de Mirandela, já no concelho de Vila Flor, a Quinta do Prado tornou-se a menina dos olhos de Joaquim Moreira, dono da empresa têxtil Tetribérica. Em 2004, o empresário decidiu investir “em algo ligado à terra” e que o ajudasse a desanuviar do “mundo desgastante da moda”. Acabou por criar a marca de azeites biológicos Acushla (palavra de origem celta que significa “bater do coração”).
Hoje, quem visita os 300 hectares da quinta (200 de olival novo, 14 de oliveiras centenárias) depressa perceberá a filosofia que rodeia o negócio: há vinha, campos de romãzeiras, colmeias, ninhos para aves predadoras e até um rebanho de ovelhas, numa aposta em agricultura biodinâmica. Em nome de uma economia circular, o bagaço de azeitona é reaproveitado para compostagem e para tingimento natural da roupa produzida pela Tetribérica.
Na Acushla, a apanha já começou, mas deverá prolongar-se por mais dois meses. “A azeitona é colhida por parcelas e transformada no próprio dia”, explica o engenheiro-agrónomo João Andrade já no lagar, onde também se fazem as provas acompanhadas de pão barrado com azeite e mel, a remeter para tradições antigas.
Ao destapar uma das cubas, sentimos o cheiro do azeite aromatizado com limão (uma das novidades). Neste verão, abriram dois alojamentos integrados em pleno olival: uma casa reabilitada (para 2 pessoas) e outra construída de raiz (a Golden House, com 5 quartos para 10 pessoas), revestida de cortiça. Para breve está a demarcação da propriedade com trilhos pedestres. Tudo pensado a partir da Natureza e do azeite, claro.
GUIA DE PASSEIO
Acushla > Quinta do Prado, Lodões, Vila Flor > T. 278 107 372 > Visitas e provas a partir €25 (seg-dom, marcação prévia) > Alojamento a partir de €120 (casa 2 pessoas) e €550 (10 pessoas)
Amor é Cego > Monte da Oliveira Velha, Azaruja, Évora > T. 96 011 7714 > visitas e provas a partir de €25 (marcação prévia)
Casa Anadia > Quinta do Bom Sucesso > Al. do Ramal, Alferrarede, Abrantes > T. 93 295 1119 > visitas e provas a partir de €7,50 (seg-sex, marcação prévia)
Casa de Santo Amaro > Lg. do Eirol, 1, Sucçães, Mirandela > T. 278 979 132 > visitas e provas a partir €12,50 (seg-sáb, marcação prévia)
Esporão > Reguengos de Monsaraz > T. 266 509 280 > visita e provas €15 (marcação prévia)