Passa pouco das nove da manhã e o cheiro a pão fresco invade a Rua Padre Luís Cabral, uma das artérias estreitas da Foz Velha, que outrora foi vila piscatória e serviu de morada a escritores e artistas, como Raul Brandão ou o escultor Teixeira Lopes. Quando ali se instalaram há pouco mais de um ano, para abrir a padaria de fermentação lenta Madan, Marcella Fazio e Daniel Rebelo, 33 e 38 anos, desconheciam este passado, mas apaixonaram-se por estas ruelas quando aqui vinham entregar pão a casa dos clientes, durante o primeiro confinamento. Assim que viram uma loja para arrendar, não hesitaram: “Na Baixa [do Porto], seria impossível abrir a padaria por causa do preço das rendas. Este lugar é maravilhoso. Fomos abraçados pelas pessoas, que nos ajudaram no passa-palavra”, conta-nos Daniel, enquanto tira mais uma fornada.
Pão de trigo com ou sem sementes, integral, cacete, ciabatta e, aos fins de semana, brioche, cinnamon roll, massa de pizza e focaccia… Tudo é feito com massa mãe, ou melhor, a partir do isco natural a que deram o nome Dionísio (o Deus do vinho na mitologia grega, porque o fermento começou por ser feito com cascas de uva, farinha e água). Não pudemos aguardar pelo pão de queijo que sai todas as tardes, “feito do jeitinho do Brasil” – o casal é natural de São Paulo –, mas prometemos voltar.
Novos negócios, como o Madan, têm ocupado a geografia da Foz do Porto nos últimos tempos, especialmente no pós-pandemia, desde a longa Avenida do Brasil voltada ao Atlântico, até à antiga zona portuária da Cantareira, onde desagua o rio Douro. Ir ao encontro de um “público mais consistente” foi o que motivou os sócios da champanheria Champ’s, nascida na Baixa, em 2011, a abrir uma segunda casa na Rua do Passeio Alegre, há pouco mais de um ano.
“A retoma ia ser lenta no centro da cidade, e as pessoas preferiam a linha do rio e espaços ao ar livre”, constatou Bruno Gomes, um dos sócios da Champ’s Palmeiras. E não se arrependeu. Na congénere da Foz, situada em frente ao Farolim da Cantareira, têm tido a sala bem composta de dia e de noite (ao contrário da casa-mãe), seja para o brunch à carta, servido todo o dia (panquecas, tostas, tacos, ovos, tábuas de queijos e enchidos), seja para beber uma das célebres sangrias (de morango, frutos tropicais ou vinho do Porto).
Neste largo, que por aqui já é conhecido como “a praça da alimentação da Foz”, têm nascido novos negócios: aos pioneiros Casa de Pasto da Palmeira, Pisca, Camélia Brunch Garden (chega a receber gente de Braga a Leiria, para saborear os ovos Benedict ou a tosta de frango), juntaram-se, só nos últimos meses, o restaurante Habitat (cozinha de fogo), a gelataria Cremosi, a loja de chocolates Arcádia e, desde maio, o italiano Fozzini. “Notámos que tinha potencial”, aponta Catarina Mendes, uma das sócias do restaurante pertencente ao grupo Traça (dono do Pisca, uns metros abaixo, e dos Traça e Cozinha Cabral, na Baixa da cidade) e que serve comida italiana: focaccias, massas e pizzas de massa fina, acompanhadas por Aperol Spritz, Limoncello ou Bellini. “Há menos sazonalidade, no que toca aos clientes, do que na Baixa, e os estrangeiros também já chegam a esta zona”, diz Catarina, referindo-se ao elétrico da linha 1, que traz muitos turistas.
Há dois meses, também Vasco Mourão – dono do emblemático Cafeína e de restaurantes como Terra, Casa Vasco, Portarossa e Lucrécia – saiu da sua zona de conforto, no quarteirão da Rua do Padrão, e abriu o Al Mare num lugar com “uma localização excecional, entre o rio e o mar”, dizia-nos na altura. O restaurante fica na esquina do antigo edifício dos Socorros a Náufragos, paredes-meias com o Clube de Minigolfe do Porto.
Comida e “terapia dos banhos”
Deixamos o Passeio Alegre e a Foz Velha, que o chefe de cozinha Pedro Lemos pôs no mapa dos roteiros gastronómicos da alta-cozinha quando, em 2014, ganhou a primeira Estrela Michelin – e que, sabe a VISÃO Se7e, se prepara para abrir um novo restaurante naquela zona, no final do ano –, para ir ao encontro da mais recente entrada no Guia Michelin.
Em frente ao Atlântico, o Vila Foz, situado num hotel de luxo, nascido há três anos num palacete do século XIX, “passou a ter a sala cheia” desde o prémio atribuído em dezembro de 2021. “Foi o reconhecimento de um trabalho”, confessa Arnaldo Azevedo, o chefe de cozinha de 37 anos, nascido e criado no restaurante tradicional dos pais, o Toca da Formiga, em Ermesinde. Quem queira reservar uma mesa para jantar no Vila Foz ao fim de semana, é melhor apressar-se (há marcações até outubro). Os dois menus de degustação, Maresia (€140) e Rebentação (€105), em que “90% dos pratos são de peixe e marisco”, ou mesmo o Vegetariano (€85), passaram a ser procurados por portugueses mas também por ingleses, franceses, alemães e americanos, os principais clientes do hotel, que tem outro restaurante, o Flor de Lis, também entregue a Arnaldo Azevedo, “com uma carta internacional, num registo mais simples”. “Esta localização, frente ao mar, deu mais visibilidade à minha cozinha”, afirma o chefe, depois de ter passado quase uma década no restaurante Palco, na Baixa do Porto.
Atravessando as avenidas do Brasil e de Montevideu, descemos para o passadiço que acompanha as únicas praias do Porto (são nove, nesta marginal), procuradas no final do século XIX por fidalgos e burgueses endinheirados que vinham de carroça ou de burro à procura da “terapia dos banhos”. A Praia do Aquário, a mais recente com bandeira azul, enche-se de crianças e famílias (e de estrangeiros também!), deitadas ao sol na areia – ou mesmo em cima das rochas de toda esta faixa, que ganha cada vez mais veraneantes. Quem siga o Instagram do cantautor Miguel Araújo já o terá visto a dar o seu mergulho matinal nas águas frias da Praia do Molhe, a correr ou a andar de bicicleta pela longa marginal da Foz, onde vive, com a sua saudação bem-disposta: “Saravá, minha gente benfazeja!”
Mesmo em frente ao pontão, abriu em fevereiro o restaurante de cozinha mediterrânea Olívia no Molhe – o nome é uma homenagem à bisavó de João Fonseca, 23 anos, que gere o negócio do pai. “As pessoas começam a ficar saturadas da Baixa e preferem espaços de convívio mais descontraídos”, afirma, enquanto nos dá a provar as lulinhas fritas com maionese de lima, a burrata com mozarela, pesto e tomate, e a focaccia de salmão fumado, que aqui se acompanham com sumo do dia, sangrias ou cocktails. Da sala interior ou da esplanada, o mar está sempre na nossa perspetiva.
O mesmo acontece mais ao lado, no Lapa Lapa – nascido em 2019, com uma carta do chefe de cozinha Luís Américo –, quase sempre apinhado de gente e que recentemente ganhou mais uma sala e um bar virado para a praia. Já no areal da Praia do Homem do Leme, a novidade deste verão são os chapéus de palha e os almofadões onde nos podemos sentar a beber um copo de sangria azul (a mais pedida), vinho a copo ou um dos muitos cocktails da carta do Leme Beach. Quando por lá passámos, estava um calor de ananases (o termómetro marcava os 36 graus no dia mais quente do ano), mas a brisa do mar aliviou a canícula.
Saímos da praia e regressamos à Avenida do Brasil. Atravessando a Pérgola da Foz, abrigados do sol, chegamos ao Botella – Food & Wine, aberto há dois meses, na esquina com a Rua do Padrão. O negócio de três amigos (Diogo Magalhães Ferreira e a irmã Margarida, 36 e 27 anos, e João Monteiro, 31 anos) ocupou o lugar da pastelaria O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo e quer ser “um after work, onde as pessoas possam relaxar ao fim da tarde, beber um copo de vinho e comer umas tapas”, diz Diogo. “A Foz precisava de mais vida, os locais não se deslocam tanto ao centro da cidade. Fazia falta um espaço destes”, acredita o enólogo, responsável pela seleção de vinhos de pequenos produtores (75 referências, entre brancos, tintos, rosés e espumantes), servidos a copo (a partir de €2,50). Para acompanhar, há pão de fermentação lenta, queijos, chouriço assado, bacalhau fumado, presunto ibérico, tártaros de salmão e de atum da Peixaria by Euskalduna, carpaccios ou tacos. “São pratos que puxam um copo e vinhos que puxam pela comida”, resume. O bolo de chocolate, esse, continua disponível e cairá bem com um copo de vinho escolhido por Diogo. Tudo isto sem perder a bonita Foz de vista.
ONDE COMER, O QUE VER E FAZER NA FOZ DO PORTO
COMER
Al Mare > O restaurante italiano marca a estreia do grupo Cafeína na marginal. Av. D. Carlos I, 8 > T. 22 976 8661 > ter 19h30-22h30, qua-dom 12h30-15h, 19h30-22h30
Botella – Food & Wine > Vinho a copo, petiscos e garrafeira de pequenos produtores. R. do Padrão, 8 > T. 91 053 9999 > qua, qui, dom, seg 12h-23h, sex-sáb 12h-23h
Champ’s Palmeiras > R. do Passeio Alegre, 398 > T. 22 117 2785 > seg-sáb 10h-24h
Fozzini Ristorante > R. do Passeio Alegre, 390 > T. 93 922 7010 > seg-dom 12h-23h
Leme Beach > Av. Montevideu, Praia Homem do Leme > T. 93 714 6171, 91 683 8115
Padaria Madan > R. Padre Luís Cabral, 973 > T. 22 610 1170 > qua-sex 9h-19h, sáb 9h-17h, dom 9h-14
Olívia no Molhe > Av. do Brasil, Esplanada do Molhe > T. 91 230 4012 > qua-qui 17h-23h30, sex-sáb 12h-23h30, dom 12h30-19h30
Vila Foz Hotel & Spa Num palacete do século XIX, o hotel tem dois restaurantes chefiados por Arnaldo Azevedo: o Vila Foz (uma Estrela Michelin) e o Flor de Lis. Av. Montevideu, 236 > T. 22 244 9700 > Restaurante Vila Foz: ter-sáb 19h30-22h30, Restaurante Flor de Lis: seg-dom 12h30-22h30
COMPRAR
Mercado da Alegria Artesanato, roupa, bijuteria, cosméticos, decoração e petiscos. Jardim Passeio Alegre > dom 9h-19h > Jardim Pérgola do Molhe > até 28 ago, ter-dom 10h-19h
Mercado da Foz Fundado em 1944, e entretanto renovado, tem legumes, fruta, peixe, além de novos negócios de restauração. R. de Diu > seg-sáb 7h-22h
VER
VIII Festa do Livro de São Bartolomeu > Jardim das Sobreiras, Cantareira > 21 jul-21 ago
Cinema Fora de Sítio > Jardim das Sobreiras, Cantareira > 26-27 ago
Cortejo do Traje de Papel de São Bartolomeu Ponto alto das festas: dezenas de pessoas vestidas com trajes feitos de papel terminam num banho no mar. Passeio Alegre > 21 ago