É uma sensação estranha esta de descer o anfiteatro natural da praia fluvial do Taboão deserto e em silêncio. Por estes dias, caso este fosse um ano igual aos outros, estaria aqui uma multidão, a acotovelar-se dentro de água durante o dia e a cantar e dançar durante a noite, ao som de Pixies, Idles ou Explosions in the Sky, repetindo um ritual iniciado há 27 anos por um punhado de jovens da terra. Mas não, uma pandemia trocou-nos as voltas e o reencontro, mesmo sem música, até pode ser uma oportunidade. “Houve muita gente que, mesmo sem festival, não cancelou as reservas”, diz à VISÃO o vice-presidente da câmara, Tiago Cunha, 38 anos, enquanto nos guia pelo local. Assume-se como “um filho do festival”, que cresceu com ele, tal como a vila, elevada a uma espécie de capital da música alternativa durante alguns dias de agosto. Este ano, tudo é diferente, “o que também pode representar uma oportunidade para dar a conhecer um outro lado de Paredes de Coura”, como sublinha o autarca. Vamos a isso, então.
A pouco menos de oito quilómetros do centro da vila, num planalto no topo da serra, fica um dos mais pitorescos exemplos do modernismo português tentado implementar pelo Estado Novo, entre as décadas de 1940 e 50. A antiga colónia agrícola de Vascões nunca chegou a ser o kibutz à portuguesa que Salazar pretendia, mas ainda hoje continua a marcar a paisagem rural de Chã de Lamas e a memória coletiva da região. Na altura, foram construídas 15 casas geminadas, com dois pisos, casa de banho e cozinha com água canalizada, terreno para cultivo, além de um sistema de combate a fogos e de rega dos campos. Todo um luxo, tendo em conta a realidade da região à época, a que se acrescentavam uma escola primária e a casa do professor. Com a extinção definitiva da colónia, em 1998, ali nasceu o Centro de Educação e Interpretação Ambiental do Corno do Bico, aberto desde 2007 para contar a história do lugar e de onde parte um percurso pedestre, com pouco mais de oito quilómetros, que recria, à escala, o sistema solar ao longo da Paisagem Protegida do Corno do Bico.
O último moleiro de Casaldate
Para os poucos visitantes que ali se deslocam, a maior parte caminhantes que atravessam a Grande Rota da Travessia do Alto Coura, a colónia não passará de um exotismo paisagístico ou arquitetónico, “uma espécie de utopia da aldeia perfeita”, como a define Eurico Pereira, guia e proprietário da Coura Aventura, empresa de passeios (a pé, de jipe ou de bicicleta) recentemente criada por este outro filho da terra “e do festival”. É ele quem nos apresenta a dona São, “verdadeira mestra da broa”, que no forno comunitário da colónia ensina a quem vem de fora essa verdadeira arte, feita apenas de “milho, centeio, trigo, sal e água”, um bocadinho de fermento natural – o “isco”, como lhe chama –, e uma boa dose de mão para a coisa. “Leva tempo a amassar porque são precisas muitas voltas”, explica, enquanto põe mais uma fornada nas brasas, que daí a pouco sairá estaladiça e deliciosa, como teremos oportunidade de provar.
Ali bem perto, fica uma das nascentes do rio Coura. Ainda é pouco mais do que um regato, passando quase despercebido entre a frondosa vegetação da Paisagem Protegida do Corno do Bico, uma das maiores manchas de carvalho português, situada a mais de 800 metros de altitude. Ao cenário, feito de um bucólico verde dos musgos e um sem-fim de líquenes a aguentarem-se até no pino do verão, não falta sequer uma alcateia de lobos.
Um pouco mais abaixo, em Casaldate, onde o Coura se torna rio, já quase não há moleiros, não fosse a teimosia e persistência de Manuel Barbosa, o último da região. Com “90 anos já feitos”, é um exemplo da cepa de que esta gente é feita. Depois de ter corrido mundo a ganhar a vida, “do Brasil à Ásia ou vice-versa, já não interessa”, comprou o moinho aos antigos proprietários, para cumprir o sonho do pai, que sempre ali trabalhara por conta de outros. Vale a pena ouvir o senhor Manuel Moleiro explicar demoradamente a sua arte, com a paciência de quem passou quase uma vida inteira a aperfeiçoá-la. “Duas pedras iguais não fazem farinha”, afirma com um sorriso malandro, enquanto troca por miúdos o funcionamento dos moinhos de água que o próprio mantém a trabalhar, com muita imaginação e força de braços.
Pelos canais da levada veem-se pequenas trutas, a tentarem esgueirar-se para o rio, um pouco mais abaixo, onde vão crescer, como aquelas que são servidas na Casa do Xisto, restaurante em Boalhosa, no interior do concelho, rodeado de Natureza, onde os comensais podem pescar a sua própria truta nas pequenas lagoas em frente ao estabelecimento. As canas de pesca são mesmo feitas de cana, e, no final, a pescaria pode-se levar para casa ou ser comida logo ali, confecionada na cozinha do restaurante, sendo o preço calculado de acordo com o peso.
E já que aqui estamos…
Há quem aproveite a viagem até Paredes de Coura para rumar a outras paragens, à descoberta do Alto Minho. Ponte de Lima passou, há algum tempo, a servir de base a Luísa e às amigas, durante os dias de festival. Este ano, esta médica de 36 anos vai voltar à casa de sempre e manter as mesmas rotinas, como dar um mergulho na bela e muito menos concorrida praia fluvial de Estorãos, na fronteira entre os dois municípios, junto a uma ponte romana. “É um sítio pouco conhecido, perfeito para descansar”, revela Luísa. Este ano, não haverá noites longas, mas isso apenas significa que poderá ficar mais tempo naquele pequeno pedaço de paraíso.
Ali bem perto, junto à aldeia de Cerquido, paz e sossego é também o que não falta aos hóspedes do Cerquido Village & Spa, no sopé da serra de Arga. Conta com três bungalows e cinco casas, às quais se acede através de passadiços, e duas piscinas (uma interior, outra exterior), ambas com vista panorâmica para o vale. À volta, são diversos os trilhos e percursos existentes que permitem, segundo a relações-públicas Vanessa Gomes, “explorar paisagens muito distintas numa área geográfica bastante reduzida”.
Em Ponte de Lima, além do centro histórico, merece também visita a paisagem protegida das lagoas de Bertiandos e São Pedro d’Arcos, bem como a Quinta dos Pentieiros, uma quinta pedagógica e parque florestal com piscina, parque de campismo e bungalows em madeira, em jeito de casas na árvore.
Se é Natureza que se procura, nada como rumar até ao concelho de Arcos de Valdevez, para conhecer a Porta do Mezio, uma das entradas do Parque Nacional da Peneda-Gerês, à volta da qual existem vários percursos pedestres ou cicláveis, como a Ecovia do Ermelo, mesmo junto ao Lima. O Centro Interpretativo inclui um parque escultórico com espécies animais da região, canteiros com flora do parque, um museu com o espólio das escavações do Núcleo Megalítico do Mezio e uma zona de lazer com piscina, circuito de manutenção e ginásio ao ar livre. “Em breve, haverá uma nova ala, dedicada aos cavalos garranos e um parque biológico, com animais autóctones que não podem ser devolvidos à Natureza”, adianta Pedro Teixeira, responsável pelo centro, a poucos quilómetros da histórica vila do Soajo, conhecida pelo seu monumental conjunto de espigueiros centenários.
Uma quinta especial
Foi também num verdadeiro santuário, para animais em dificuldade e da flora selvagem, que a Quinta das Águias acabou por se transformar. Nos arredores de Paredes de Coura, começou como um refúgio do casal Ivone, 63 anos, e Joep, 72, ela com raízes no Minho, ele na Holanda. Entretanto, evoluiu para um misto de projeto educativo, social e turístico, sob a forma de uma quinta biológica autossustentável, onde também é possível pernoitar e provar deliciosas receitas vegetarianas. “Vínhamos para aqui viver a nossa velhice, acabámos por começar uma nova vida”, confessa Ivone, sempre seguida pelo fiel Zacarias, um simpático e muito inteligente borrego, que se tornou um dos símbolos da quinta, pelo modo como interage com os hóspedes.
A propriedade tem cerca de cinco hectares, que os visitantes são convidados a explorarem, sempre seguidos por um ou outro gato mais curioso. E não se estranhe se, a meio do passeio, aparecerem pela frente dois cavalos brancos. São o Artax e o Silver, que gostam de cumprimentar, com um leve encosto de cabeça, quem por ali passa junto deles. Ao todo, são mais de 130 os animais que aqui encontraram um lar, onde podem viver em paz e livres de sofrimento.
Regressamos entretanto ao Taboão, para conhecer o novo percurso interpretativo dos Meandros do Coura, com pontos de contemplação, que percorre as margens da praia fluvial até à Ponte da Peideira, numa extensão de 1 200 metros. Depois de tantos anos, sente-se a falta da animação festivaleira, mas, estranhamente, também sabe bem olhar a paisagem assim, silenciosa. Quanto ao festival, em breve estará disponível durante todo o ano, através de uma aplicação alimentada pelo próprio público. “Qualquer pessoa poderá visualizar alguns dos melhores momentos, bastando para isso apontar o telemóvel para o recinto”, explica Tiago. Bom mesmo é que esses momentos continuem a acontecer ao vivo, de preferência já no próximo ano.
Lugar à literatura: Duas casas, dois escritores
Situado na localidade de Venade, freguesia de Ferreira, o Centro de Estudos Mário Cláudio, dedicado à obra do escritor portuense, que tem, numa casa em frente, o seu refúgio de eleição, concentra todo o acervo documental do autor, que colocou o seu espólio à guarda do município. “Não é comum um artista vivo ter um centro assim, com um espólio destes, aberto ao público. É um caso único”, sublinha Fátima Cabodeira, a responsável pelo centro. O acervo é constituído por objetos, cartas, apontamentos, rascunhos, publicações, jornais, suplementos, ilustrações, livros, registos fonográficos e fotografias, e está disponível para consulta de todos os que se dediquem ao estudo da obra de Mário Cláudio.
Na freguesia de Romarigães, também a casa onde viveu Aquilino Ribeiro, imortalizada pelo escritor no romance A Casa Grande de Romarigães, poderá dentro de algum tempo ser aberta ao público. O projeto, idealizado pelos bisnetos do escritor, prevê a recuperação da Capela de Nossa Senhora do Amparo, originalmente construída no século XVI, bem como a criação de um centro interpretativo e de um espaço multiusos que possa receber, por exemplo, residências artísticas. “O objetivo é ligar a casa à obra”, revela Miguel Lima, um dos herdeiros.
GUIA DE VIAGEM
COMER
Casa do Xisto
Os clientes pescam as suas próprias trutas, que chegam à mesa preparadas segundo receita da casa. As couves caseiras e as carnes da criação própria de porco bísaro completam a ementa. Boalhosa-Insalde, Paredes de Coura > T. 93 933 4564 > agosto: seg-dom 9h-23h (jantares por marcação), a partir de setembro sáb-dom 12h-15h, jantares e restantes dias por marcação
Restaurante Lino
Aposta nas carnes autóctones, de animais próprios. Além da posta minhota, o prato com mais saída, há sarrabulho e cozido. R. da Coqueira, Paredes de Coura > T. 251 782 069 > seg-dom 12h-14h30, 19h-22h30
DORMIR
Quinta das Águias
Disponível Casa do Pavão (com cozinha, máximo 4 pessoas) e a Casa de Hóspedes (T3, 9 pessoas). Durante a pandemia, não reservam quartos individuais. Caminho de Moreira, 664, Rubiães, Paredes de Coura > T. 93 546 9592 / 91 430 3200 > quintadasaguias.org > a partir de €68
Cerquido Village
Cerquido, Ponte de Lima > T. 92 442 9582 > a partir de €180 (2 noites) > www.cerquidovillage.com
COMPRAR
CouraMe
Dos biscoitos às compotas, dos acessórios ao artesanato contemporâneo, são mais de uma vintena de marcas e produtos da região à venda. Lg. Visconde de Mozelos, Paredes de Coura > T. 251 780 168 > ter-dom 9h30h-12h, 14h-18h
VER
Centro de Educação e Interpretação Ambiental do Corno de Bico
Chã de Lamas, Vascões, Paredes de Coura > T. 251 780 126 > visitas grátis, por marcação ceia@paredesdecoura.pt
Centro de Estudos Mário Cláudio
Venade, Ferreira, Paredes de Coura > T. 251 780 105 > visitas por marcação arquivo@cm-paredes-coura.pt
FAZER
Coura Aventura
Organiza passeios a pé, de jipe ou de bicicleta.Lugar da Lameira, Bico, Paredes de Coura > T. 96 286 9889 > couraaventura.pt
Trilho Corno de Bico
Partida Túmio, Bico, Paredes de Coura > cerca de 8 km, duração 4 horas, nível de dificuldade fácil