Como sempre nos livros de Vila-Matas, a própria literatura tem o papel de protagonista. Neste caso, está simbolizada num misterioso escritor catalão (Rainer/Gran Bros) que fez um grande sucesso a partir dos EUA, escondendo sempre a sua identidade (à la Pynchon ou à la Salinger). O narrador – que nos fala a partir de Cap de Creus, na zona de Cadaqués, Costa Brava – é o irmão desse escritor e permite a Vila-Matas dar largas a uma das suas obsessões: as citações. Ele trabalha, precariamente, vendendo e procurando as citações certas, que envia, por exemplo, para o irmão, do lado de lá do Atlântico, partilhando, assim, secretamente e nem sempre de forma pacífica, o seu êxito.

Este romance tem algo que nem sempre se encontra na obra do autor: uma ligação à atualidade noticiosa. Ironicamente, com a velocidade vertiginosa de acontecimentos relevantes dos últimos anos, estas referências ao movimento independentista catalão, o referendo, o povo na rua, a “proclamação da República Catalã” e a desilusão, até nos soam, hoje, datadas (a primeira edição do livro é de abril de 2019). Mas um certo registo apocalíptico, muito de acordo com o ar do tempo, percorre estas páginas. Está simbolizado, especialmente, naquela velha casa, sempre em risco de desmoronar pelas escarpas, onde o protagonista vive sozinho depois da morte dos pais.
Nas suas típicas derivas pelos universos literários de escritores de diversas geografias, Vila-Matas recorda aqui uma viagem, com amigos de Trás-os Montes, à “bela cidade de Amarante”, para visitar os lugares de Teixeira de Pascoaes.
Sublinhando sempre esse lado quase mitológico da grande literatura, Vila-Matas inventa “The Bros touch”, que teria garantido ao tal escritor refugiado nos EUA a admiração de todos. Cada vez mais óbvia é a existência de um “Vila-Matas touch”, um toque só seu.