“Ninguém sabe quem será na imobilidade do pânico. Nem quem foi. O pânico passado patina, lânguido, feroz, com um calor lustroso de mamífero subterrâneo em alerta de sobrevivência. Esgueirei-me, desviei-me, pisguei–me de qualquer possibilidade de contacto com esse universo perigoso que algumas das melhores cabeças da minha geração, coroadas a foguetões, tentaram sobrevoar e onde acabaram por soçobrar. Era lúcida, eu.” O monólogo pertence a Ana Lúcia, enfrentando a navalha de um miúdo de 14 anos que a viola com tiradas assim: “Quieta, mula, ou faço salada desses teus olhos de pantera.” E Ana Lúcia, “estupidamente escudada em arte & ensaio”, a lembrar-se de Um Cão Andaluz, de Buñuel e Dalí. A desfiada de penitências culturais assola este romance-manifesto, também tribuna para as opiniões fortes da autora.
O Processo Violeta é um retrato do Portugal dos anos 1980, quando uma geração bem pensante começa a sobrepor-se ao País das marquises, da meia branca, dos valores patriarcais – aqui, patentes em pais homofóbicos, toureiros aristocratas que engravidam cabo-verdianas desvalidas, maridos violentos. Inês Pedrosa não mostra complacência com esses tipos inesquecíveis, mas interessam-lhe mais as mulheres, enredadas no (des)amor: a professora Violeta, casada e mãe de gémeos de catálogo, que engravida de um aluno de 14 anos, Ildo, e tudo perde; Ana Lúcia que escolhe o silêncio sobre a sua violação; a jornalista Clarisse que seguirá a história de Violeta para O Insubmisso, jornal cujos diretores “sonhavam com uma direita churchilliana” bem lida e vestida; a paciente Paulina, que luta pelo futuro do filho Ildo.