Este texto, escrito originalmente no passado dia 8 de janeiro, data do 69.º aniversário de David Bowie e do lançamento do seu novo disco, Blackstar, arrancava com estas palavras: “Muita gente começa frases assim: ‘No meu tempo…’ E há pessoas que não conseguimos imaginar a dizer essas palavras. David Bowie, 69 anos, é uma dessas pessoas. O seu tempo foi a década de 60, de 70, de 80, de 90, o início do novo século… O seu tempo é 2016.” Três dias depois, soubemos que 2016 será também, para sempre, “o ano da morte de David Bowie.” Mas não há muito para corrigir. E quanto mais se ouvem as sete novas canções (duas delas já eram conhecidas mas foram agora regravadas) mais acreditamos na justiça daquelas palavras. Só que agora há uma série de verbos que têm que ser conjugados no passado… Há uma ligação direta entre este Blackstar e o disco lançado de surpresa em 2013, The Next Day. Mas Blackstar vai mais longe na definição de uma nova sonoridade, até porque assume o risco de integrar linguagens puramente jazzísticas na gramática pop de Bowie. O saxofone de Donny McCaslin não é nada discreto, entrega-se a derivas livres, pequenas viagens que chegam a lembrar o free jazz de Ornette Coleman. James Murphy (dos LCD Soundsystem) chegou a ser anunciado como coprodutor, mas a sua presença acabou por ser mais discreta (está creditado na percussão de dois temas e deu várias contribuições na discreta componente eletrónica do álbum). E além da voz, perfeita e inconfundível, há outras âncoras aqui a remeter para toda a história e património de Bowie (não falta sequer a guitarra acústica, em Dollar Days). Por isso, Blackstar consegue comunicar tanto com os admiradores de sempre como com aqueles, saturados da cacofonia contemporânea, que procuram sempre algo de novo, de imprevisível futuro.
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