Quando se atravessava a Rua Ricardo Severo, perto da Rotunda da Boavista, dificilmente se dava por ela. Mas o exemplar da “casa portuguesa” que o arquiteto, engenheiro, escritor e arqueólogo (1869-1940) mandou construir em 1920 – e onde viveu com a mulher, Francisca Dumont, depois de exilado no Brasil – sempre ali esteve. Após anos votada ao abandono, foi adquirida por um casal de investidores franceses da empresa Constellation du Taureau, “com o objetivo de a recuperar sem esquecer o seu passado”, diz Joana Almeida, diretora do Palacete Severo, enquanto nos guia pelo mais recente cinco estrelas do Porto.
Rodeado de um jardim com plantas centenárias e fontes de água, o edifício do século XX classificado de interesse histórico, é uma viagem pela História da Arte. “Este é um lugar do amor intemporal de Ricardo Severo. Um lugar de amor pela arte, pelo património. A essência de Ricardo Severo mantém-se viva na alma desta casa. Está nas pinturas, nos conceitos, nas cerâmicas, na graciosidade das estátuas, nas cores e na luz que entra pelos vitrais”, refere em comunicado o casal francês proprietário com gosto pela cultura.
Géraldine Banier é dona da Perspective Galerie, no bairro de Saint-Germain-des-Prés, em Paris, que agora se estende também ao Porto. A cada dois meses, no Palacete Severo é inaugurada uma exposição – Mystères sous la Surface, que pode ser vista até ao final de janeiro, reúne pinturas e desenhos de artistas como Curro González, Patricio Cabrera, Neil Farber, Jas e Cristine Guinamand, expostos desde as zonas comuns aos quartos (há visitas diárias das 9h às 21h, mediante reserva).
Tetos, azulejos e vitrais originais
O hotel vive-se a dois tempos, sem contudo descurar o passado. Aos 11 quartos e suítes na casa do século XX – um dos quais foi o escritório de Ricardo Severo, com porta privada para o jardim e a casa de banho onde antes existia um cofre – juntam-se mais nove num edifício construído de raiz nas traseiras, junto ao jardim. É também aí que fica o Spa Severo, que utiliza produtos da marca francesa sustentável Olivier Claire (aberto a não hóspedes, tratamentos a partir de €80).
A decoração esteve a cargo de Paulo Lobo, que desenhou todo o mobiliário contemporâneo (das poltronas às camas e aos candeeiros), “com respeito pela História do edifício”. “A ideia é que fosse uma guest house antiga, na qual as pessoas se sentissem confortáveis como em casa”, sublinha o designer de interiores.
No edifício de 1920, surpreendem os tetos de madeira, as portas, as ferragens, os lambris e as portadas originais, os vitrais nos três pisos que refletem a luz em lendas e no amor de Ricardo pela mulher, Francisca, ou os azulejos nas paredes e o chão de mosaico com padrões geométricos no pátio interior (com uma fonte) onde funciona o Bistrô Severo, o restaurante de cozinha portuguesa chefiado por Tiago Bonito, aberto todos os dias ao público. A este junta-se o restaurante gastronómico Éon, também com ementa do chefe (ver caixa).
Uma biblioteca, uma sala para eventos com paredes pintadas com desenhos da época e uma piscina exterior completam a oferta deste “refúgio de luxo na cidade indicado para pessoas que apreciam cultura e património”, resume Joana Almeida.
Palacete Severo > R. Ricardo Severo, 21, Porto > T. 22 967 7000 > desde €350 > palacetesevero.com
As memórias de Tiago Bonito
Desde que saiu do Largo do Paço, em Amarante, em 2023, onde manteve uma Estrela Michelin durante seis anos, Tiago Bonito tem apostado todas as fichas nos dois restaurantes do Palacete Severo: o Bistrô e, em especial, o Éon (a palavra significa período de tempo). Numa belíssima sala com um teto original de madeira, o chefe de cozinha de 38 anos, natural de Carapinheira, Montemor-o-Velho, quer servir “uma experiência gastronómica” através da qual percorre as suas recordações de infância, criando ao mesmo tempo “memórias novas”.
O menu (€150, pairing vinhos €55), entregue em forma de postal, vai do Douro ao Algarve com passagem pelo Mondego. Inicia com a brandade de bacalhau à Brás para comer de uma só vez (“lembra-me o que a minha mãe fazia”), o frango piripíri (“que o meu avô servia aos domingos”) e com cozido à portuguesa a evocar “o inverno, a chuva, o fumeiro e a matança do porco…”. A seguir, chega o caviar com três tipos de ovas (uma versão 3.0 do prato que o acompanha há muito), atum rabilho, carabineiro al ajillo e laranja sanguínea, cherne com arroz do Mondego, lula e novilho de carne minhota com aipo fumado e queijo de São Miguel. As sobremesas – batata-doce com crème fraîche e noisette e citrinos com mascarpone e chocolate Chuncho – finalizam com infusões de chá Camélia ou um blend de café criado por Tiago Bonito. As cartas estão lançadas para a Estrela voltar a brilhar. Éon > qui-dom 19h-21h > Bistrô Severo > seg-dom 7h30-10h30, 12h30-15h, 19h30-22h30