O passado e a localização do Mosteiro de Santa Clara, sobranceiro ao centro histórico de Vila Conde e à foz do rio Ave, tornam-no um monumento incontornável. Não é de admirar que as visitas guiadas, nos primeiros meses de abertura do The Lince Santa Clara Historic Hotel, já estejam esgotadas. “Havia uma ligação enorme à cidade, que queremos recuperar, e temos assistido a uma curiosidade muito grande em relação à conversão”, testemunha Helena Gonçalves, a diretora comercial e de marketing.
Fundado em 1318 por D. Afonso Sanches (filho ilegítimo do rei D. Dinis) e sua mulher, D. Teresa Martins de Meneses, com o intuito de acolher senhoras da nobreza com poucos recursos, o convento foi doado no ano seguinte à Ordem de Santa Clara. Contudo, a traça neoclássica que hoje reconhecemos surgiu com a parcial reedificação, feita em 1777 – mantiveram-se os claustros e a igreja gótica –, tendo ainda sofrido sucessivas alterações até finais do século XX. Com vastas posses, a abadessa e as suas clarissas exerciam uma forte influência sobre a povoação.
Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, e após a morte da última freira que ali habitava, em 1893, o edifício passou a funcionar como Casa de Detenção e Correção do Porto, no início do séc. XX. Nas décadas seguintes, teve outros usos, que promoveram a sua degradação acelerada, até ficar ao abandono.
Em 2018, no âmbito do programa Revive, foi concessionada a exploração do mosteiro ao grupo The Lince Hotels, durante 50 anos. “É a nossa primeira unidade cinco estrelas, e a partir da reconversão de um edifício histórico”, diz Helena Gonçalves. Embora as origens do grupo hoteleiro, fundado em 2008, estejam em Braga, as primeiras oportunidades de investimento surgiram nos Açores e em Évora. Ligado à construção e ao imobiliário, Domingos Correia, o fundador, quis acompanhar de perto as obras no mosteiro (um investimento de 18 milhões de euros). “Durante a renovação foi descoberto um piso oculto, e foi ele quem desconfiou da sua existência”, adianta a diretora. Aliás, haverá um centro interpretativo com os achados arqueológicos retirados das escavações e outro património do mosteiro.
Conforto intemporal
O arquiteto Carvalho Araújo foi o responsável pelo projeto. No exterior preservaram-se as imponentes fachadas, nomeadamente o corpo central, com um frontão que exibe as armas reais e uma escultura de Santa Clara junto a um elefante, símbolo da castidade. O topo do edifício está ornamentado por várias tochas de pedra, pormenores que podem ser vistos de perto na mansarda.
Por dentro, manteve-se o espírito do lugar, com uma decoração sóbria e elegante, concebida pelo gabinete Vilaça Interiores. Pelos longos corredores estão distribuídos os 87 quartos e 11 suítes, com uma panorâmica de mar ou de rio, apreciada a partir das antigas namoradeiras. Um toque mais moderno é acrescentado nos quartos da tal mansarda, com o teto inclinado suportado pelas originais traves de madeira. Para quem queira ter vistas largas ou observar à noite o céu estrelado, esta é a melhor opção.
As outras áreas estão abertas a não hóspedes. É o caso do Aqueduto Wellness & Spa, com um leque de tratamentos da Sisley e uma piscina interior com hidroterapia, contígua ao jardim das romãzeiras, onde também se fazem massagens e sessões de ioga e meditação.
Na restauração, há diferentes opções. No antigo refeitório, com o púlpito usado para os sermões, está o bar Abadessa, que serve pratos leves, cocktails e um chá das cinco especial (€25), das 16h às 18h.
Existem ainda dois restaurantes. À frente da cozinha do Mosteiro está Júlia Oliveira, um nome conhecido da gastronomia minhota, que irá apostar no receituário tradicional português. “A frase que mais tenho ouvido dos clientes é que os pratos lhes fazem lembrar os cozinhados da mãe ou da avó”, conta. Sabor não faltará, isso é certo, seja no cabrito assado no forno, no polvo à lagareiro ou no arroz de robalo e marisco.
Previsto para abrir em maio está o Oculto, instalado no piso revelado com as escavações, cuja carta é assinada por Vítor Matos (duas Estrelas Michelin no Antinqvvm, no Porto), em conjunto com o chefe executivo Hugo Rocha, com quem trabalhou no Antiqvvm e na Casa da Calçada. “Será baseada em peixe e marisco, e a fasquia estará bem alta”, adianta Hugo. Em todos os menus, veem-se ilustrações com a linguagem gestual secreta desenvolvida pelas clarissas, que os hóspedes são convidados a experimentar. Sem fazerem votos de silêncio.
The Lince Santa Clara Historic Hotel > Lg. Dom Afonso Sanches, Vila do Conde > T. 253 168 748 > a partir de €300
Aqui à volta: Três sugestões de visita
Centro de Memória de Vila do Conde A reconversão do antigo Solar de S. Sebastião, do séc. XVII, permitiu ali instalar o arquivo municipal, o gabinete de arqueologia, uma galeria, e o núcleo central do Museu de Vila do Conde, entre outras valências. Aprecie-se o jardim, com o aqueduto de águas livres no horizonte. Lg. de S. Sebastião > T. 252 617 506
Casa de José Régio A casa de família onde viveu o poeta durante a aposentação foi adquirida, após a sua morte, pela câmara municipal, mantendo–se a decoração e a disposição dos objetos, nomeadamente os de arte de cariz popular e religioso, de que era colecionador. Acolhe ainda o Centro de Estudos Regianos, sala de exposições temporárias e auditório. Av. José Régio, Vila do Conde > T. 252 248 468
Nau quinhentista Na réplica de uma embarcação portuguesa de inícios do século XVI, instalada na zona ribeirinha, fazem-se reproduções da vida a bordo naquele tempo. Lg. da Alfândega, Vila do Conde > T. 252 248 468