Estimado leitor, daqui em diante lerá um texto feito de pormenores e de descrições, na verdade, de sensações. Recentemente, os restaurantes japoneses ganharam um novo élan ao apontarem os holofotes para os seus balcões com poucos lugares – entre oito e 12 –, sobretudo para jantares demorados, em que reinam a confiança e a mente aberta.
O estilo omakase prima, precisamente, por o cliente “ficar nas mãos do chefe”. Sem menu, e pagando um preço alto pela frescura dos ingredientes, pela exclusividade e pela especialização do trabalho, as pessoas deixam-se levar pela criatividade de quem está atrás do balcão – e este pelas reações dos comensais.
“Omakase não é só um serviço, é também hospitalidade (omotenashi)”, frisa Hayron Rocha, da Enoteca 17.56, em Vila Nova de Gaia. Cuidar dos convidados com o coração leva a que tudo seja pensado ao pormenor, incluindo saber antecipadamente se o cliente é canhoto ou destro para a colocação dos pauzinhos na mesa e de que lado entregar os niguiris em mão.
Haverá melhor para um cozinheiro do que perceber de imediato o que a sua criação provoca em quem a prova? Danilo Moreira, braço direito de Ashik Yonjan no Omakase Wa, em Lisboa, já viu pessoas a quem caíram lágrimas de emoção enquanto comiam. Gonçalo Cabral, subchefe do lisboeta Praia no Parque, ao lado de Paulo Alves, diz que ouvir os suspiros de quem está a saborear a comida “é como ir ao estádio de futebol e ouvir gritar golo”.
A experiência omakase, só com surpresas, é intimista, propícia a conversas e trocas de conhecimento entre o chefe e os clientes e a um agradável convívio entre as pessoas do grupo. Fala-se do formato redondo do bago do arroz, da paixão pelas facas japonesas ou de como o saké doce acompanha bem mais pratos do que inicialmente pudéssemos pensar. Na verdade, estão todos no mesmo barco, sem saber o que vão comer, sedentos de sabores surpreendentes, combinações impensáveis e ingredientes desconhecidos.
No livro A História do Sushi, de Trevor Corson, o académico e escritor norte-americano explica que o omakase “é o que o cliente sofisticado diz ao chefe quando se senta no sushi bar. Os conhecedores de sushi raramente pedem um menu. Tradicionalmente, os sushi bares no Japão nem sequer tinham menus”.
A tradição omakase começou no Japão, na década de 1990, também para receber clientes abonados que sabiam pouco sobre sushi, mas não queriam revelar a ignorância. Do lado do sushiman, é a situação ideal para trabalhar como quiser o que o mar, a estação do ano e o mercado dão. Situação mais flexível, criativa e descontraída, com muito mais improviso do que no menu kaiseki.
No Ocidente, os menus de degustação, galardoados ou não com Estrela Michelin, derivam da influência oriental do kaiseki, a mais requintada refeição japonesa, em que são servidos mais pratos, em porções pequenas, permitindo explorar mais sabores (o que não acontece quando se pede à carta). Trata-se de um menu em que tudo é pensado ao pormenor, centrando-se nas técnicas de preparação, como a maturação ou o corte do peixe, e de confeção, como quentes, tempuras e caldos, muito mais do que no produto.
Rituais e pormenores
O rigor, o asseio e a busca de perfeição (kodawari) é o que Habner Gomes mais aprecia na cozinha nipónica. No Yoso, em Alcântara, o anfitrião gosta de receber enquanto começa a temperar o arroz na panela de madeira. Usa a variedade yumepirikao de Hokkaido, grão ideal para também ser servido frio, apurado com vinagre de arroz (akazu) que estagiou vários anos em madeira, nas borras de arroz da produção de saké.

“Quero cortar os peixes todos à frente do cliente”, diz Habner sobre o seu omakase, mas seguindo o menu kaiseki, em que a complexidade do que é servido vai sempre crescendo: “De metade do menu até ao seu final, estamos no auge do umami [quinto sabor do paladar], terminando com a fritura.”
O desfile começa com aperitivos (sakizuke) e segue por ingredientes sazonais (hassun), sashimi e crus (otsukuri), fogo (yakimono), caldo quente (suimono), arroz com peixe por cima (niguirizushi), rolo com alga por fora e arroz por dentro (makimono), frito (agemono), doce (yogashi). Estes momentos podem ser traduzidos em comida: fígado de tamboril como se de um foie gras do mar se tratasse, gola de lírio grelhada no carvão, tomate-coração-de-boi em tártaro com goraz dos Açores. Tudo isto se faz diariamente com um objetivo: ganhar uma Estrela Michelin.
Na Enoteca 17.56, se o peixe é dos mares mais próximos de Portugal e dos Açores, já o arroz koshihikari vem diretamente do Japão. “O arroz é o principal ingrediente do omakase. O resto é que acompanha o arroz”, sublinha Hayron Rocha, brasileiro de Florianópolis, há meio ano em Vila Nova de Gaia. Os clientes sentam-se nos oito lugares do balcão movidos, sobretudo, pela curiosidade. E voltam. “Tenho um cliente americano que já veio cinco vezes”, orgulha-se.
A sazonalidade é a bússola, mas o sushiman gosta de “mesclar a cultura portuguesa com a japonesa em alguns momentos para que as pessoas se sintam em casa”. Exemplo disso são as amêijoas salteadas em saké, mirin e cebolinho, servidas num caldo de amêijoas com espinhas de peixe assadas e cozidas durante dez horas.
Mostrar a caixa de madeira (netabako) com a coleção de peixes assentes na antissética folha de bambu, a servir durante o jantar de quase duas horas, faz parte das apresentações no Omakase Wa, perto da Praça da Alegria e da Avenida da Liberdade, em Lisboa. O chefe Ashik Yonjan revela os peixes para o sushi, o sashimi e os niguiris – atum-bonito, atum-bluefin, sarrajão dos Açores, dourada, pargo e salmonete de Peniche –, todos desidratados ou curados na casa. A dourada, por exemplo, chega num temaki tosco, um canudo enrolado na alga, para comer de imediato, enquanto o chicharro dos Açores é braseado e temperado com sal fumado, gengibre e wasabi, num minitemaki prensado à mão, para ser comido de uma só vez.
No Praia no Parque, no alto do Parque Eduardo VII, em Lisboa – onde, em 2019, Lucas Azevedo pôs a filosofia omakase no mapa – para o nosso almoço havia encharéu dos Açores, dourada de Sagres, atum e salmonete para o sashimi. “É o produto a falar por si, com o corte, a maturação e a temperatura certas, é inventar o menos possível”, garante Paulo Alves, há nove meses nesta barra japonesa e responsável pela Estrela Michelin entregue, em 2022, ao Kabuki.
No Porto, ao balcão do Kaigi, de Vasco Coelho Santos, o peixe fresco, ingrediente fundamental no menu de nove momentos, já chega amanhado, escalado e maturado pela Peixaria by Euskalduna (dos mesmos donos do Kaigi) bem como o brioche que vem da Ogi, padaria da casa, e há de acompanhar o katsudon no final da refeição.
No Irú, a casa de Pedro Lopes e Pedro Binotti, brasileiros de São Paulo, que em maio abriram um restaurante japonês no lugar de um café de bairro no Jardim das Amoreiras, em Lisboa, a maioria do peixe também passa pela câmara de maturação, onde ao perder toda a água, a proteína ganha firmeza. “Não vendemos a ideia de servir apenas peixe fresco e que o peixe do dia é o melhor. A maturação faz com que o peixe ganhe textura e intensifica o seu sabor”, justifica Pedro Lopes.
Do menu de 12 passos, servido a oito pessoas de cada vez, há “queridinhos”, como o tártaro de carapau e de cavala, que não são trocados, nem a enguia fumada em molho kabayaki, arroz temperado e maionese de sésamo servida logo no início do menu. Apesar da simplicidade do prato, revela de imediato a qualidade do arroz, vital para o resto do jantar.
Niguiris, o grande momento
Se há momento em que o arroz ganha protagonismo é, sem dúvida, a meio da refeição quando os chefes puxam dos galões para preparar o melhor niguiri. “É a peça mais elegante, a que requer mais destreza, por isso, mais prática”, assegura Gonçalo Cabral. No Praia no Parque, os niguiris, delicados e elegantes, são feitos com arroz koshihikarida da região de Niigata, com o bago mais miudinho, e servido à temperatura do corpo (cerca de 36ºC) com pequenos filetes de pargo, encharéu com lima-caviar, barriga de atum (toro) com flor de sal, vieira com pasta yuzu e malagueta e sangacho, parte menos nobre do atum, com foie gras.
No Omakase Wa, Ashik Yonjan e Danilo Moreira dividem-se para ir a jogo com dourada, sal e limão, pargo e lima-caviar, salmonete, yuzu, green chili e sal e toro, foie gras e fumo a sair de uma minicampânula. Todos tiveram a preocupação de explicar a fórmula correta de comer um niguiri, indo à boca inteiro e de “pernas para o ar”, em que é o peixe que toca primeiro na língua, sem soja, nem wasabi extra.
Com dois turnos por noite, no Omakase Ri há uma lista de espera de cerca de seis semanas para degustar o menu de 15 momentos, sobretudo de nigiris (9-11 peças) e de sushi. Agora é tempo de ouriços-do-mar, caranguejos, ostras e peixes mais gordos, vindos do frio do Atlântico, como lírio dos Açores, pregado, robalo, pargo, dourada e atum nacional capturado por um pescador japonês em Olhão. Sem pretensiosismos, é “deixar a comida falar”, como diz Rish Verma, proprietário do projeto iniciado em Alcântara e que há um ano se mudou para a Lapa, na cave de uma galeria comercial.

Enquanto se preparam os niguiris, mostram-se também os raladores de wasabi fresco, uma minitábua de madeira com pele de tubarão que funciona como lixa natural para a raiz verde e picante. “Fica mais aromático, menos agressivo do que a pasta industrial a que se está habituado”, sublinha Paulo Alves.
Pedro Moreno, sushiman do Kaigi, também gosta de ralar o wasabi fresco num prato especial, cuja textura se assemelha à pele de tubarão, e de o dar a provar aos comensais, antes de o chefe executivo, Nuno Brás, servir uma reinterpretação da sopa de miso: tomate, escabeche de cebola com malagueta e cavala fumada, num caldo de peixe com muito umami. “A minha base é a cozinha portuguesa, numa fusão respeitosa através de técnicas e costumes”, sublinha Nuno.
Segue-se um equilibrado jogo de sabores entre as criações de Pedro e de Nuno: gunkan de lingueirão cozido na água do mar, soja, cebolete e wasabi para ser comido de imediato para não perder a consistência, tigela de arroz, robalo e lírio (donburi), niguiris de encharéu e de robalo selvagem, carapau temperado com citrinos do Lugar do Olhar Feliz, quinta no Cercal no Alentejo, com molho chimichurri, temaki de otoro (barriga de atum, mais pálida do que o toro, ligeiramente defumada temperada com wasabi) e o katsudon (lombo de porco alentejano ligeiramente mal passado, com gema de ovo, salada portuguesa de feijão-verde) servido no pão brioche.
A performance manual que envolve fazer niguiris é, sem dúvida, o momento mais esperado por todos os chefes. “O niguiri é a peça que mais técnica requer e que todos os dias pode ser melhorada. Podemos afinar sempre a quantidade de arroz e a pressão colocada na peça. É o nosso momento kodawari”, explica Danilo Moreira. Arigatou gozaimasu, agradecemos nós.
COMO NO JAPÃO
LISBOA
Arashi Sushi Bar
O menu omakase kaiseki começa com um shot de saké, seguido pela salada wakame, tempura, niguiris, hossomaki, sashimi, gunkan e, no final, mochi e chá verde. Tv. do Pregoeiro, 20B > T. 96 766 9261 > seg-dom 12h-15h30, 19h-23h30 > €35 (14 passos)
GoJuu
A reserva é obrigatória para o jantar com início às 21h. Daí em diante, são só surpresas. R. Marquês Sá da Bandeira, 46A > T. 21 828 0704 > ter-sáb 12h30-14h30, 19h30-22h30 > €95 (5 momentos), €115 (7 momentos), €80 (16 nigiris)
Irú
Tv. da Fábrica das Sedas, 30 > T. 21 010 2326 > ter-sáb 19h, 21h30 > €80 (12 passos sem bebidas)
Kanazawa
Restaurante de Paulo Morais, estudioso da culinária nipónica galardoado com uma Estrela Michelin. São oito lugares ao balcão para, ao jantar, optar pelo menu omakase com sushi e sashimi. R. Damião de Góis, 3A, Algés > T. 21 301 0292 > ter-sáb 12h-15h, 19h-21h30 > €100 (8 momentos, sem bebidas)
Omakase Ri
Lapa71, R. Garcia de Orta, 71C, cave > T. 91 409 4506 > ter-sab 19h, 21h30 > €90 (15 momentos), €36 (4 sakés), €60 (4 whiskies)
Omakase Wa
Tv. do Fala-Só, 15B > Reservas info@omakaselisbon.com > ter-sáb 19h, 21h30 > €95 (15 passos), €30 (3 sakés)
Praia no Parque
Al. Cardeal Cerejeira, alto do Parque Eduardo VII > T. 96 884 2888 > seg-sex 12h30-16h > €75 (7 momentos, sem bebidas)
Yoso
Rampa das Necessidades, 6 > T. 21 397 0705 > ter-sex 12h30, 13h30 menu executivo €35 (com bebida e café), ter-sáb 20h €95 (9 momentos, sem bebidas)
CASCAIS
Kappo
Av. Emídio Navarro, 23A > T. 21 484 4122 > ter-sex 19h-24h, sáb 12h30-14h30, 19h-24h > €135
PORTO
Kaigi
R. Eugénio de Castro, 225 > T. 93 841 0124 > ter-sex 19h-24h, sáb 13h-15h, 19h-24h > €65 (9 momentos, sem bebidas)
BRAGA
Omakase Braga
Michael Choi propõe quatro menus ao balcão para 16 pessoas. R. do Raio, 6 > T. 93 807 0831 > ter-sáb 12h30-14h30, 19h30-23h, dom 19h30-23h > €75-€130, €20-€30 (5 a 10 sakés)
VILA DO CONDE
Ikigai Omakase João Vitorino
Num balcão com 12 lugares, o bacalhau negro continua a ser um dos mais apreciados. R. da Costa, 5 > T. 93 732 4146 > qui-sáb 20h-24h > €80 (16 momentos, sem bebidas)
VILA NOVA DE GAIA
Enoteca 17.56
R. de Serpa Pinto, 44B > T. 22 244 8500 > ter-sáb 20h > €80 (16 momentos, sem bebidas)