Três a quatro vezes por semana, Nina Gruntkowski percorre as fileiras de camélias em Fornelo, Vila do Conde, com a felicidade de uma criança no meio da Natureza. Há uma década, nem a ex-jornalista alemã nem o marido, o enólogo e produtor de vinhos Dirk Niepoort, imaginariam vir a ter a única plantação de chá da Europa continental, embora há muito acalentassem esse sonho. Tudo começou em 2011 quando, durante uma entrevista no Sul da Suíça, “a um senhor que escreveu um livro sobre chá verde e tem uma pequena plantação”, Nina ficou a saber que a planta do chá era, afinal, a Camellia sinensis. “Quase estraguei a entrevista [para uma rádio alemã] com a excitação, porque me lembrei de que aqui em Portugal, no Minho e no Litoral, vivemos na terra das camélias”, conta. O entrevistado ofereceu-lhe um pé de camélia que Nina plantou no jardim da sua casa, assim que regressou ao Porto. “Ficou no canto mais frio durante o inverno, e não fizemos mais nada. Na primavera rebentou, feliz e bonita [Risos]. Pensámos logo que eram os primeiros passos para o nosso sonho.” No ano seguinte, plantaram mais 200 pés no jardim e iniciaram uma parceria com a família japonesa Haruyo e Shigeru Morimoto, donos de uma plantação junto à cidade de Miyazaki, com os quais aprenderam as técnicas de cultivo e colheita e cujo chá verde começaram a comercializar com a marca Chá Camélia.
Os últimos seis anos foram passados a plantar 12 mil pés de Camellia sinensis num terreno de dois hectares que, explica Nina, tem características muito semelhantes às do Japão: “Uma terra ácida é importante por causa do granito, muita humidade e temperaturas nunca abaixo de zero pela proximidade ao mar.” Após vários testes, em 2020 fizeram-se, finalmente, as primeiras colheitas manuais, folha a folha, de chá verde biológico: o Nosso Chá (na primavera), o Luso Chá (nos primeiros meses de verão), o Florchá, com as flores comestíveis da planta logo que começa a florir no início do inverno, garantindo uma bebida “bonita, delicada, com os mesmos benefícios do chá verde mas sem cafeína”; e ainda o premium Kintsugi, uma edição limitada da colheita das primeiras folhas.
Manter a produção manual “numa agricultura sustentável e verdadeira” é o objetivo desta marca biológica e biodinâmica que, além de não utilizar adubos (faz o próprio composto), de tirar as ervas à mão e de as abafar com casca de pinheiro à volta das plantas, pulveriza as camélias com tisanas de urtiga, camomila e cavalinha ao longo do ano. Além de Portugal, a Chá Camélia é distribuída no estrangeiro (Lituânia foi o último cliente) e o casal pretende expandir a plantação para uma quinta de Dirk Niepoort no Dão. “Vivo uma outra vida, mais perto da Natureza”, confessa Nina Gruntkowski. “Pode ser uma banalidade, mas o meu marido ri-se de mim porque antigamente se chovesse eu ficava maldisposta, hoje fico contente. Tenho outra relação com a bebida, através da qual podemos fazer minirrituais durante o dia que podem estruturar-nos em certos momentos”, sublinha.
Não muito longe, em Vila Nova de Gaia, há muito que o engenheiro agrónomo Luís Alves é um divulgador dos benefícios das plantas. Na quinta, onde fez nascer há 19 anos o Cantinho das Aromáticas – eleito várias vezes pelo jornal inglês The Guardian como um dos locais secretos da cidade –, tem dois hectares e meio de produção ao ar livre com 30 espécies diferentes, em agricultura biológica, que comercializa em infusões, tisanas, condimentos ou em vaso. O premiadíssimo tomilho bela-luz, por exemplo, tanto pode ser consumido em forma de chá como em tempero na cozinha.
Numa das poucas quintas urbanas da Europa, com selo Great Taste Producer, crescem alfazema, cavalinha, erva-cidreira, limonete, lúcia-lima, equinácea, hortelã e, entre outras, perpétua-roxa, muito procurada, que será cultivada pelo décimo ano e cuja apanha à mão (entre agosto e novembro) costuma ser feita por voluntários. Luís nota um aumento da procura pelas tisanas “pelo prazer que as plantas proporcionam”. “A tília e a alfazema, pelo efeito calmante; o alecrim, para estimular a memória; o hibisco, a cavalinha e o hipericão, pelo fator diurético; a hortelã, pela capacidade digestiva.” Se as doses forem respeitadas – três a cinco gramas por um litro de água que não deve chegar a ferver, aconselha –, “as ervas podem ser tomadas de forma regular”.
O terroir dos Açores
Em Lisboa, na Companhia Portugueza do Chá viaja-se à volta do mundo através do aroma e do paladar de cerca de 200 referências de chá, provenientes de localizações tão diversas como Coreia do Sul, Nepal, Ruanda, Formosa ou Malawi. “Julgo que se não fôssemos nós, muito provavelmente não vinham cá parar”, diz o proprietário e sommelier de chá Sebastián Filgueiras, que se formou em Barcelona e em Londres, antes de abrir, em 2014, esta loja entre o Bairro Alto e São Bento. “É preciso saber muito para vender este tipo de produto e ensinar os clientes. Não poderia fazê-lo sem ter ido estudar”, justifica o argentino. Durante a conversa, explica-nos, por exemplo, que o chá varia consoante as colheitas: “A da primavera é a mais cotizada e aguardada, há uma segunda no verão e uma terceira no outono, cada uma com as suas características.” Sebastián dá ainda uma dica: “Deve escolher-se o tipo de chá de acordo com a hora a que se toma.”
Embora as referências importadas sejam um chamariz, na Companhia Portugueza do Chá encontram-se surpresas com aroma português. Uma das misturas exclusivas da casa é o Lisbon Breakfast que leva Gorreana, “um chá de excelência do nosso território açoriano, muito aromático e elegante”, e um chá preto da Lovers Leap, o produtor (ou jardim, como é chamado nos países com tradição no chá) do Sri-Lanka, selecionado para servir no jubileu da rainha Isabel II, “que lhe dá um bocadinho de corpo e tonicidade”. “Todas as capitais europeias com uma grande cultura do chá têm uma referência como esta, inspirada no clássico English Breakfast.” Para tomar à tarde, Sebastián sugere outro exclusivo, o Earl Grey Portugal, feito com bergamota do produtor alentejano Lugar do Olhar Feliz e uma mistura de chás verdes da China e da Índia. “É uma das formas de dar destaque àquilo que Portugal pode dar ao mundo do chá, e há muito ainda para explorar”, garante Sebastián, dando como exemplo o protocolo assinado com o Serviço de Desenvolvimento Agrário de São Miguel, em Ponta Delgada, que desenvolveu um trabalho experimental que incluía chá branco seco com energia solar. Daí resultou o Chá Branco dos Açores, à venda apenas na loja lisboeta. “Já esgotou, mas dentro de um mês vamos ter mais.” Embora o protocolo tenha terminado, o governo açoriano pôs a leilão um grande lote que a Companhia Portugueza do Chá e A Vida Portuguesa conseguiram adquirir na totalidade. “O chá açoriano tem um terroir muito próprio, é uma belíssima matéria-prima”, refere sobre este produto que ainda hoje sai de duas plantações na ilha de São Miguel, com a marca Gorreana e Porto Formoso, ambas na Ribeira Grande, produtoras de chá verde e preto da variante China.
De Castelo de Vide a Melgaço
Nas misturas feitas por Sebastian Filgueiras também entra a lavanda portuguesa. Não é comprada à Quinta das Lavandas, de Teresa Tomé e Estêvão Moura, mas podia ser. Em Castelo de Vide, o casal de antigos economistas criou um agroturismo e plantou cinco hectares e meio de lavanda, nas variedades lavandula angustifolia e lavandin grosso bleu, cuja produção biológica certificada é transformada em vários produtos, entre os quais as tisanas. “São feitas a partir da lavandula angustifolia por ser a que tem melhores propriedades do ponto de vista químico e medicinal. A lavanda é conhecida pelo seu poder anti-inflamatório e de relaxamento”, explica Teresa. O processo de produção das tisanas começa com a colheita e a poda, feitas em simultâneo, entre o final de junho e agosto, conforme a variedade. Os ramos são postos a secar ao natural num sítio com luz, mas sem sol direto, durante cerca de dois meses, para depois se tirar os baguinhos (a flor) que estão nas hastes. De momento, estão disponíveis oito variedades, duas apenas com lavanda: uma feita com a flor e, por isso, mais forte e adstringente, que Teresa não sugere a pessoas que não estejam familiarizadas com o sabor; outra com a flor, as folhas e os pedúnculos, mais suave e fácil de beber. Nas outras seis, a planta combina com várias ervas aromáticas. “De verão, sai muito a de menta e a de tomilho-limão, porque são frescas e bebem–se muito bem frias. No inverno, são as mais tradicionais, com erva-príncipe, lúcia-lima ou erva-cidreira.”
Há cerca de dois anos, a Quinta de Soalheiro quis mostrar que a região de Melgaço e Monção não se resume à casta de vinho Alvarinho. E que tem igualmente condições favoráveis para a plantação de aromáticas. Em 2020, surgiram no mercado as primeiras infusões biológicas da Soalheiro Pur Terroir, a partir das nove espécies de ervas (alcachofra, alecrim, cidreira, hortelã-verde, hortelã-pimenta chocolate, perpétua-vermelha, tomilho, tomilho-limão e lúcia-lima). Foram plantadas junto à adega em Alvaredo, Melgaço, em 2 500 m² ao ar livre e numa pequena estufa. “O solo granítico a uma cota elevada, aliado a um clima de grandes amplitudes térmicas”, explica André Moreira, parece ser o segredo para a boa saúde das aromáticas, ainda que uma ou outra, como a alcachofra e a erva-príncipe, possa dar lugar a outras espécies em fase de testes. “O nosso foco nunca será o de fazer uma produção intensiva em estufa”, assegura o responsável pelas infusões e pela nova linha de negócio da marca que comercializa vinho Alvarinho há mais de 40 anos, cuja preocupação é aproveitar “o terroir desta região”. Para breve, está previsto o alargamento da plantação a outro terreno próximo. Em 2020, a empresa vendeu 20 mil unidades de infusões e espera vir a triplicar a produção neste ano. “A prova”, acrescenta André Moreira, “de que vinho e chá podem dar um casamento feliz”.
Uma boa aposta parece ser também a de Miguel Oliveira, professor de Educação Física, e de Valdemar Sousa, economista, apaixonados por caminhadas e pela Natureza que, em 2017, criaram a Infusões com História. A marca de infusões biológicas quer “preservar as tradições à volta das plantas e do artesanato”, com um pé na Rota do Românico e outro na região do Douro, valorizando o que existe no nosso território. É da serra de Montemuro, entre Castro Daire e Cinfães, que vêm espécies autóctones como carqueja, urze, prunela, erva-cidreira, hortelã, tomilho bela-luz, folhas de loureiro e de nogueira, para os lotes Misturas do Românico e Misturas do Rio e da Vinha, a partir de uma seleção feita por Ana Maria Carvalho, do departamento de Biologia e Biotecnologia do Instituto Politécnico de Bragança. “Não temos campos, mas temos uma imensidade de vales com plantas incríveis”, atenta Miguel Oliveira. No segundo semestre de 2021 esperam vir a ter sabores das Beiras e do Coa, nomeadamente a flor de giesta branca. Miguel Oliveira conta, orgulhoso, que quando abrem as latas, costuma ouvir: “Cheira a Portugal.” E sabe, acrescentamos nós.
ONDE COMPRAR
Cantinho das Aromáticas
R. do Meiral, 508, Canidelo, Vila Nova de Gaia > T. 22 771 0301, 91 226 0714 > seg-sex 9h-18h, sáb-dom 9h30-18h > cantinhodas-aromaticas.pt/loja
Chá Camélia
R. das Escolas Novas, 605, Fornelo, Vila do Conde (plantação de chá, visitas por marcação) > T. 93 249 6603 > chacamelia.com
Companhia Portugueza do Chá
R. do Poço dos Negros, 105, Lisboa > T. 21 395 1614 > seg-sáb 10h-19h > companhiaportuguezadocha.com
Infusões com História
Pça. da Liberdade, 275, Cesar, Oliveira de Azeméis > T. 93 113 1966, 91 760 9765 > infusoescomhistoria.pt/loja
Quinta das Lavandas
Sítio de Vale Dornas, Castelo de Vide > T. 245 919 313, 91 726 4655 > Loja: Lg. Capitão Fernando Salgueiro Maia, 32, Castelo de Vide > T. 245 919 313, 91 726 4655 > aberta todos os dias no verão/época alta, aos fins de semana durante o inverno (fora destes horários, mediante marcação) > quinta-das-lavandas.myshopify.com
Soalheiro Chá Pur Terroir
Quinta de Soalheiro > Charneca Alvaredo, Melgaço > T. 251 416 769 > lojasoalheiro.pt
Bê-á-bá
Chá É obtido, única e exclusivamente, a partir das folhas da Camellia sinensis, planta originária da China
TisanaResulta da combinação de duas ou mais ervas, plantas, folhas ou até fruta
Infusão Processo de imersão em água quente das folhas, raízes ou plantas
Variedades de chá São seis: branco, amarelo, verde, preto (designa-se vermelho na China), azul ou Oolong e Puerh ou fermentado (chá medicinal). O processo de oxidação define o tipo de chá: o verde não tem oxidação, o branco é seco ao natural, sem oxidação, o amarelo tem uma pequena oxidação, o Oolong tem oxidação média, e o preto é o mais oxidado
Preparação Há duas regras importantes: a temperatura da água (não deve ferver, entre os 90ºC e os 95ºC) e o tempo de infusão, que varia entre dois minutos, para os chás verde e branco, e quatro minutos, para os mais oxidados