Há aqueles enólogos capazes de falar apaixonadamente dos seus vinhos, autênticas enciclopédias que conseguem partilhar um mundo de conhecimento. A comparação é inevitável ao ouvirmos Pedro Araújo, o mestre chocolateiro responsável pelo desenvolvimento da marca Vinte Vinte e o único português certificado como provador e avaliador de cacau e de chocolate. O perfil da torra do cacau, o ponto ótimo para temperar o chocolate e ganhar o brilho e a rigidez desejada, o equilíbrio entre a doçura e o amargor, as diferenças entre o processo industrial e o artesanal, tudo nos é explicado ao pormenor. O certo é que, após a visita ao The Chocolate Story, saborear um chocolate nunca mais será a mesma coisa.
No World of Wine (WoW), o novo quarteirão cultural e turístico de Vila Nova de Gaia, a vontade de explorar as diferentes ramificações do vinho foi crescendo, à medida que a reconversão dos antigos armazéns de vinho do Porto, pertencentes ao The Fladgate Partnership, ocupava uma mancha considerável da encosta do centro histórico de Gaia. Adrian Bridge, CEO do grupo, detentor de marcas de vinho do Porto como a Taylor’s, Fonseca e Croft, começou por fazer uma associação simples, entre o vinho e o chocolate. Mas rapidamente percebeu que havia ali muito mais potencial para explorar do que as simples harmonizações. Como é habitual, não foi comedido nas ambições e fez um dos maiores museus mundiais dedicados ao chocolate.
Com 4 mil metros quadrados, o The Chocolate Story tem a particularidade de adotar o ponto de vista do cacau, explorando as particularidades desta matéria-prima, as diferenças dos locais de origem, os processos de fabricação e as ligações às mais antigas civilizações da América Central. “Falamos de uma forma mais imparcial, não contamos a história aos olhos de uma marca ou do seu fundador”, sublinha Pedro Araújo, que acompanhou todo o projeto. À semelhança das uvas e dos vinhos, “cada colheita de cacau dá um chocolate diferente”, explica, com o terroir a influenciar decisivamente a matéria-prima. E foi por isso que o mestre chocolateiro visitou fazendas em diferentes países produtores de café – México, Nicarágua, Guatemala, Colômbia e São Tomé e Princípe – e registou imagens com todos os passos da produção, desde a apanha do fruto, à secagem e fermentação, bem explicadas no museu. Mas o Dr. Bean, como é conhecido, tinha ainda outra missão.
A fábrica do Dr Bean
Com o entusiasmo crescente pelo museu, começaram a pensar: “Porque não criar o próprio chocolate, aqui mesmo?”. Queriam aventurar-se na criação dos chocolates do grão à tablete, com um método de produção que passa desde a escolha do cacau (exclusivamente fava e não manteiga de cacau) à conceção artesanal das tabletes. “A maioria das marcas não fazem o seu próprio chocolate, externalizam a produção, onde há um processo industrial adaptado a uma fórmula, em que o sabor é sempre igual, com os defeitos disfarçados com muito açúcar e baunilha”. Objetivos muito diferentes da marca Vinte Vinte, nome referente à chamada faixa do cacau, que é precisamente a área compreendida vinte graus a norte e a sul do Equador. E uma alusão à perfeição que gostavam de alcançar.
Quem visita o The Chocolate Story, tem oportunidade de assistir a todos os processos de produção e embalamento da marca, na fábrica envidraçada situada no final do percurso museológico. Ali, desenvolvem quatro gamas: Classic (negro 70% e 50%, de leite e branco); Fusion (com avelã, chili, extra chili, menta, frutos vermelhos e flor de sal); Intensity, a explorar as diferentes origens da fava e percentagens de cacau (100% Peru, 85% Madagáscar, 75% Nicarágua, 65% República Dominicana, 55% Uganda e 45% Venezuela); e Gran Cru, o vintage da Vinte Vinte, onde identificam, tal como numa garrafa de vinho, o país, a região, a quinta e o ano da colheita que, neste caso, é México Soconusco, da Finca La Rioja (uma das melhores fazendas de cacau do mundo) da colheita de 2019. Estas duas últimas são, precisamente, as gamas premium da marca e seguem o método bean-to-bar. “Na prova vão perceber que não existe um sabor consensual de chocolate”, diz Pedro. E assim foi.
No café Vinte Vinte, no final da experiência museológica, faz-se luz sobre as diferenças aromáticas e de sabor. Uma avaliação prévia do brilho, do cheiro e do som da tablete a quebrar, já indica se o chocolate está nas melhores condições. Mas há uma regra básica a cumprir na prova: não mastigar e deixar derreter na língua, para sentir o fim de boca. “Os aromas do cacau e do terroir de origem vão sentir-se garantidamente”, sublinha o mestre chocolateiro. Para percebermos a diferença entre o processo industrial e o artesanal, outras marcas são provadas e é notória a maior presença de açúcar e de baunilha, a mascarar outros sabores. Mas é quando provamos os bean-to-bar que se tornam claros os precursores aromáticos, por exemplo, as notas florais e a acidez intensa do 85% Madagáscar ou as notas de fruta madura do 65% República Dominicana.
Uma revelação que outros visitantes poderão ter, no workshop de degustação à disposição no The Chocolate Story. Por enquanto, é só ali e nas outras lojas do WoW (online, inclusive) que a marca Vinte Vinte está à venda, mas prevê-se que, em 2021, passe a estar disponível no mercado nacional. Mais tarde, o mundo é o limite.
The Chocolate Story > WoW – World of Wine > R. do Choupelo, 39, Vila Nova de Gaia > T. 22 012 1200 > seg-sex 12h-20h30, sáb-dom 9h-12h30 > bilhete do museu €15 > chocolates entre €4,75 e €20 > workshop de degustação €14, €10 (com bilhete do museu) > shop.wow.pt