Se a pandemia não tivesse baralhado a agenda, Tiago Bonito estaria por estes dias a cozinhar na Índia. Sorte a nossa que o apanhámos no Largo do Paço, num almoço de domingo com temperatura amena, com a sala bem composta – recebe 24 pessoas no máximo (antes eram 34). Ao seu restaurante (uma Estrela Michelin), situado na Casa da Calçada, vai quem gosta de viagens gastronómicas, e esta – que pode durar quatro horas – há de levar-nos de Sagres a Sesimbra, de Estremoz a Montemor-o-Velho.
Os dois novos menus de degustação – Caminhos e Identidade, cada um com sete momentos –, continuam a ser a forma que Tiago Bonito diz encontrar para “reinterpretar a cozinha portuguesa”, embora confesse uma paixão pelas cozinhas asiática e francesa.
Ambos os menus refletem as memórias do chefe de cozinha, 33 anos, filho de agricultores do Mondego, grande parte da vida passada junto ao mar. Logo no início da refeição, provam-se os macarons de espargo branco com trufa, um bacalhau à Brás desconstruído e uns tacos de tártaro de novilho com gel de ouriço-do-mar, influência da viagem que fez ao México, explicar-nos-á mais tarde.
De seguida, chega à mesa um brioche ainda morno, feito a partir de massa-mãe, acompanhado por três manteigas (dos Açores, à base de pimentão e tomate, e fumada). O pão que aqui se serve é de fermentação lenta (de mistura, passas e nozes, batata-doce, açafrão …), feito a partir de duas massas: uma com quatro anos, outra com 150 anos trazida do Brasil, país-natal da mulher, a chefe Angélica Salvador. “Quando o restaurante está fechado, levo-as para casa, alimento-as de dois em dois dias e aproveito o excedente para fazer tempura”, conta.
Depois do caviar com gema de ovo curado e batata frita (para comer à colher), que acompanha com uma tartelete de queijo creme, chega-nos o já clássico Jardim do Chef, composto por mini vegetais coloridos (alcachofras, chalotas, cenouras, curgetes), vindos de uma quinta de Marco de Canavezes. “É uma homenagem à minha mãe, às orquídeas e sardinheiras que ela tem em casa, em Montemor-o-Velho”, revela. “Os meus pais são agricultores, têm muitas verduras. O vinagrete de camomila, por exemplo, tem a ver com uma erva que abunda no Mondego”, diz.
No lírio panado com alga nori, pérolas de ostra, gelado de iogurte e pepino, descobre-se a paixão do chefe de cozinha pelo mar (pescador nos tempos livres) e as suas memórias de infância. “Quando vou à pesca em Peniche, nas Berlengas, em Sesimbra ou em Vila Nova de Milfontes, estou lá das seis da manhã às cinco da tarde. Não atendo o telefone a ninguém”, confessa. Já o gelado de iogurte e pepino levam-nos às sardinhadas em família, quando a mãe lhe cortava um pepino em quatro, acrescentava sal e azeite e ele “comia aquilo tudo antes da sardinha estar no ponto”.
Já a pescada de anzol (comprada a um mestre de Esposende) é uma reinterpretação da pescada à Poveira, “grelhada em fogo forte, a fazer lembrar a época dos churrascos”. O peixe vem de Sagres, Sines, Peniche e Matosinhos. Nas carnes, o porco ibérico, servido com batata sauté, caldo de amêijoas e redução de borrego, é trazido de Estremoz, no Alentejo, e a maronesa e arouquesa são oriundas das suas regiões DOP (Denominação de Origem Protegida).
Para fechar a refeição, chega o Tutti Frutti a levar-nos (mais uma vez) à infância de Tiago Bonito: “Quando era criança, adorava comer salada de fruta com gelado de baunilha”, recorda, a propósito da colorida sobremesa com pérolas de maçã, cubinhos de abacaxi em baunilha, falsa laranja de creme brulée, manga, regaliz e gelado de baunilha. E, dito isto, imaginamos um miúdo com a boca lambuzada, a correr campo fora, em Montemor-o-Velho. Quem disse que à mesa, não se viaja?
Largo do Paço > Casa da Calçada Relaix & Chateaux, Largo do Paço, 6, Amarante > T. 255 410 830 > qui-sáb 19h30-22h30, dom 12h30-15h > Menu Caminhos €115/pessoa, Menu Identidade €130/pessoa, Harmonização vinhos €55/pessoa